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CAPÍTULO IV: Tough construction (I) e a formação média

4.2. Propriedades sintáticas das construções tough

4.2.1. Transitividade

Um dos argumentos que fundamentam a hipótese delineada acima é o fato de os verbos envolvidos nas TCs, assim como nas MCs, serem transitivos. Mais do que isso, esses verbos, em estruturas transitivas, devem selecionar dois argumentos – um interno e outro externo. Comparem-se os exemplos em (21) com os exemplos em (22) e (23).

(21)

a. John painted this wall. b. This wall paints easily. c. This wall is easy to paint.

(22)

a. John arrived many years ago. b. *John arrives easily.

c. *John is tough to arrive.

(23)

a. John gave presents to the orphans at Christmas. b. *Presents give to the orphans at Christmas. c. * Presents are easy to give to orphans.

A agramaticalidade de (22c) e (23c) mostra que essas construções não são compatíveis com verbos inacusativos (22) ou bitransitivos (23).

Como tem sido afirmado, as TCs são formadas a partir de estruturas transitivas cujos verbos possuem uma grade estrutural que subcategoriza um argumento interno e outro externo. É na ausência da projeção de FP que o sistema verbal é detransitivizado e o argumento externo do verbo se move livremente para a posição de especificador do T da matriz uma vez que, como VoiceP também não participa dessa estrutura, o argumento externo não é projetado.

Verbos inacusativos como arrive são monoargumentais. Não projetam uma posição de argumento externo com papel-θ agente. Selecionam apenas um argumento interno. No que diz respeito à interpretação, esses predicados denotam um estado ou uma mudança de estado (Haegeman, 1991), o que é incompatível com a presença de um agente ou causador. Embora o argumento seja gerado em posição pós-verbal, a interpretação de sentenças com essa classe de verbo sugere que esse DP funciona como sujeito semântico do estado (ou mudança de estado) denotado pelo verbo.

Levando-se em conta a especificação de traços que compõem os diversos tipos de v, Folli & Harley (2004) sugerem que a entrada lexical de verbos inacusativos como arrive estipule que eles sejam inseridos apenas sob um vBECOME.

Dessa forma, a agramaticalidade de (22c) se explica: TCs como (20) acima são derivadas a partir da promoção do objeto lógico da oração encaixada para a posição de sujeito sintático da matriz, em contextos em que a raiz verbal também prevê na sua grade temática um agente. No caso de sentenças com verbos inacusativos, que são subcategorizados por vBECOME, não há um agente (ou

causador) nem um objeto lógico (afetado pela ação expressa pelo verbo) a partir do qual se derive a tough construction. O que esses fatos parecem indicar é que o predicado tough não seleciona vBECOME.

Já sentenças como (23c) são barradas, presumivelmente, pelo mesmo fator sintático que interfere na formação de MCs com verbos bitransitivos, como se vê em (23b) e conforme foi observado por Roberts (1987).

Esse tipo de sentença com verbo bitransitivo tem sido analisado como estrutura que possui um sistema verbal composto de duas camadas (Larson, 1988; Chomsky, 1995) (24).

(24)

a. John gave presents to the orphans. b. vP 2 John v’ 2 v0 VP 2 presents V’ 2

gave to the orphans

Neste tipo de análise, captura-se mais claramente a relação estreita que se estabelece entre o verbo e o PP, derrubando-se a idéia de que, nessas construções, o verbo se encontra mais diretamente vinculado ao DP não- preposicionado e separado do PP.37

Uma literatura recente sobre esse tipo de sentença tem proposto que a sintaxe dessas construções bitransitivas é explicada pela presença de um núcleo funcional aplicativo, que denota as relações que o objeto indireto estabelece dentro da estrutura. Pylkkänen (2000) argumenta que existem dois tipos de núcleos aplicativos – aplicativos altos (high applicatives) e aplicativos baixos (low applicatives). O núcleo aplicativo alto denota a relação entre objeto indireto (objeto aplicado) e o evento descrito na sentença enquanto o núcleo aplicativo baixo denota a relação entre o objeto aplicado e o objeto direto. A língua chaga seria um exemplo de sistema em que o núcleo aplicativo relaciona o objeto

37

Cf. Larson (1988, 1990) e Jackendoff (1990) para uma discussão mais detalhada sobre a estrutura de construções com verbos bitransitivos e as relações de c-comando estabelecidas pelos argumentos internos dos verbos.

aplicativo ao evento descrito pelo núcleo verbal (25a)38 e o inglês representaria línguas em que o núcleo aplicativo denota a relação entre o objeto aplicado e o objeto direto (25b).

(25)

a. N-˝ a-˝ ı-lyì-í-à m- a k-élyá FOC-1s-PR-eat-APPL-FV 1-wife 7-food ‘He is eating food for his wife’

b. I baked him a cake.

Segundo análise de Pylkkänen, o tipo de núcleo aplicativo presente na estrutura – se aplicativo alto ou baixo – é responsável pela interpretação da sentença. Assim, em (25a), o fato de o objeto aplicado alto ser projetado gera uma leitura segundo a qual o DP wife (esposa) estabelece uma relação benefactiva com o evento de eating (comer), mas não com o objeto de eating (food (alimento)). Já na sentença (25b) do inglês o objeto aplicado him estabelece uma relação com o objeto direto a cake (bolo).

As estruturas sintáticas para sentenças na voz ativa como (25a) e (25b) apresentadas por Pylkkänen estão em (26a) e (26b). Em (26a), que representa a estrutura da língua chaga, o sintagma ApplP se encontra acima da raiz verbal, enquanto em (26b), estrutura do inglês, ApplP é projetado abaixo da raiz verbal.

(26)

a. [VoiceP He Voice [ApplP wife ApplPBen [ √P √eat food]]]

b. [VoiceP I Voice [ √P √bake [ApplP him ApplP [cake]]]]

38

Tendo-se em vista a hipótese de que as TCs I são também derivadas de movimento-A do argumento interno com papel-θ tema, a idéia inicial é a de que essa análise se aplica para esclarecer a agramaticalidade de sentenças como (27a) abaixo, que apresenta um argumento interno com papel-θ benefactivo – orphans (órfãos) – que estabelece relação com o outro argumento interno com papel-θ tema – presents (presentes). Veja-se que o objeto direto presents se encontra numa posição mais baixa que o DP objeto aplicado orphans. Logo, a explicação para a agramaticalidade de (27a) seria o fato de o DP orphans ser o candidato a movimento mais próximo do alvo (cf. (27c)) e, de sua posição esse DP bloquearia o alçamento do DP presents para o especificador de T. No entanto, se for levado em consideração que o DP orphans, sendo o objeto aplicado, tem Caso dativo, o DP presents torna-se o candidato apropriado para entrar em relação de checagem com T e ser promovido à posição de sujeito. Mas (27a) é mal-formada. Isto indica que outro fator está sendo relevante na impossibilidade de formação de TCs I como (27a), e a explicação parece novamente estar relacionada ao tipo de verbo leve envolvido nas MCs e TCs I.

(27)

a. * Presents are easy to give to orphans.

b. * [TP presentsi are [AP easy [vP v0CAUSE to [ √P √give [ApplP to orphans ApplP

[ei]]]]

c. [VoiceP John Voice [ √P √gave [ApplP to the orphans ApplP [presents]]]]

(28)

a. *John gave presents to orphans in an hour. b. John gave presents to orphans for two years.

Lembre-se que tem sido assumido que das MCs e TCs participa um verbo leve do tipo v0CAUSE ou v0DO, nos termos propostos por Harley (2006). O verbo

tema e um argumento externo agente, e denota eventos pontuais. Note-se, então, que este não é o caso de give no predicado give presents to orphans. Este verbo não demonstra resultados positivos em testes de verbos de consecução, mas seu comportamento combina com verbos de achievement. Por exemplo, a sentença formada por esse verbo é incompatível com locuções adverbiais como in an hour (28a), mas é natural com locuções como for an hour (28b). Assim, o que se conclui é que a agramaticalidade de (28) decorre do tipo de verbo leve que participa da sentença, que seria incompatível com a formação média.