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2.3 A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DO JOVEM ADVENTISTA

2.3.1 Transmissão de heranças religiosas e a formação da identidade

Muitas pessoas nos Estados Unidos da América pregavam e aguardavam a volta de Jesus em 22 de outubro de 1844. Uma vez que Jesus não voltou na data prevista, esse grande grupo se dividiu e uma das ramificações veio a se tornar o que hoje chamamos de Igreja Adventista do Sétimo Dia.144

Dos primeiros encontros, quando não existia nenhum tipo de organização até o presente momento em 2012, passaram mais de 160 anos. O que significa que durante todo esse tempo, as crenças adquiridas iam passando de geração em geração.

É natural que uma Igreja após sua organização e a solidificação de suas doutrinas, passe a transmitir o mesmo ensino, caso contrário torna-se outra igreja. Estamos falando de transmissão de uma herança religiosa, assim com o passar dos anos, indiscutivelmente todas as igrejas transferem suas heranças para os novos membros, sejam eles filhos dos mais antigos ou convertidos.

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Para mais informações sobre a história da Igreja Adventista veja: SCHWARZ, Richard; GREENLEAF, Floy. Portadores de Luz. 1. ed. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2009.

Ao tratar esse assunto, tendo o ponto de origem a sociedade, Daniele Hervieu-Leger145 diz que o receptor nunca é a imagem perfeita do transmissor. Ela afirma: “Se o ideal da transmissão pretende que os filhos sejam a imagem perfeita dos pais, é claro que nenhuma sociedade jamais o atingiu, simplesmente porque a mudança cultural não cessa de agir, inclusive nas sociedades regidas pela tradição.”146 Uma vez que a sociedade não é estática por conta da mudança cultural, ela diz que a continuidade não significa imutabilidade, pelo contrário a continuidade é garantida pela mudança. A consequência é que as novas gerações são colocadas em oposição as antigas por causa dessas mudanças.147

Por conta disto, o transmitir não se limita em passar conhecimento para outra pessoa. Para Hervieu-Leger:

“a transmissão não consiste apenas na garantia da passagem de um determinado conteúdo de crenças de uma geração a outra, colocando os recém-chegados em conformidade com as normas e valores da comunidade. Na medida em que a transmissão se confunde com o processo de elaboração dessa ‘corrente da memória’ a partir da qual um grupo crente se realiza como grupo religioso, a transmissão é o próprio movimento pelo qual a religião se constitui como religião através do tempo: é a fundação continuada da própria instituição religiosa.”148

Sendo assim, a transmissão significa a transformação do conteúdo em uma realidade pessoal e individual. A grande dificuldade dessa sociedade é que a sociedade está em constante mudança, e a vivência do conteúdo transmitido será adaptado de acordo com cada realidade.

Ao tratar sobre as mudanças, Hervieu-Leger diz que as mudanças na sociedade não se limitaram apenas em uma adaptação por conta das inovações, mas são “verdadeiras rupturas culturais que atingem profundamente a identidade social, a relação com o mundo e as capacidades de comunicação dos indivíduos. Elas correspondem a um remanejamento global das referências coletivas, a rupturas da memória, a uma reorganização dos valores que questionam os próprios fundamentos sociais.”149 Considerando que existe essa ruptura nas memórias, a consequência é que as religiões podem ser abaladas, pois elas se fundamentam nos ensinos passados.

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HERVIEU-LEGER, Daniele. O peregrino e o convertido. Lisboa: Gradiva, 2005. cap. 2, p. 57-80. 146 Ibid., p. 58. 147 Ibid., p. 57. 148 Ibid., p. 62. 149 Ibid., 58.

A “crise da transmissão” é o nome que se dá ao problema da transmissão religiosa para os jovens, isso porque as sociedades modernas não podem ser mais consideradas sociedades da memória, pelo contrário o que está em voga hoje é a decisão do momento. Bauman fala dessa realidade ao dizer: “No jogo da vida dos homens e mulheres pós-modernos, as regras do jogo não param de mudar no curso da disputa.”150 Essa instabilidade, mobilidade, movimento é exemplificado por Bauman como um turista, a vida turística preocupa-se em movimentar, não em chegar. Eles se movimentam por conta da insatisfação com a realidade de casa, mas essa realidade foi imposta sobre eles.151 Como todas as coisas estão em movimento, não se fala em vanguarda, não se fala em pessoas defendendo ideias absolutas, mas vemos as pessoas se movendo, porém os movimentos “parecem aleatórios, dispersos e destituídos de direção bem delineada.”152

A consequência dessa mobilidade é descrito nas palavras de Hervieu-Leger: “Hoje, levado ao limite, esse processo de libertação produziu a desestruturação e o aniquilamento da memória coletiva, a ponto de as sociedades modernas aparecerem cada vez mais incapazes de pensar sua própria continuidade e, assim consequentemente, de se representar seu porvir.”153

Por conta de uma sociedade móvel, onde as heranças nem sempre são consideradas, Hervieu-Leger diz que as identidades religiosas não podem mais ser consideradas identidades herdadas. Ela afirma:

“as identidades religiosas não podem mais ser consideradas identidades herdadas, mesmo se admitirmos que a herança é sempre remanejada. Os indivíduos constroem sua própria identidade sociorreligiosa a partir dos diversos recursos simbólicos colocados a sua disposição e/ou aos quais eles podem ter acesso em função das diferentes experiências em que estão implicados.”154

A identidade religiosa então deve ser analisada como ela denomina pela “trajetória de identificação”. Essa trajetória não se limita a experiência religiosa e a transmissão da herança religiosa que a pessoa tem durante sua vida, mas engloba todas as questões que estão ligadas ao que se crê, dentre vários desses pontos ela cita: práticas pertençam anteriores, maneiras de

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BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Tradução: Mauro Gama, Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 113 p.

151

Ibid., p. 116,117. Ibid., p. .

153

HERVIEU-LEGER, Daniele. O peregrino e o convertido. Lisboa: Gradiva, 2005. 62 p.

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conceber o mundo e de inserir-se ativamente nas diferentes esferas de ação que compõe o mundo, etc.155

Revendo os conceitos apresentados temos uma sociedade em constante mudança, mudanças que não se limitam as consequências das novas invenções. Vimos também que a sociedade moderna tende a ser imediatista e não se preocupar com as heranças. Por conta destas questões existe uma crise na transmissão, isso é, o ensinamento da religião para as novas gerações é comprometido pela negação da herança e das mudanças constantes. A última questão que vimos foi que a identidade religiosa não pode ser considerada apenas como a transmissão da herança e a experiência religiosa pessoal, mas a junção desses com as práticas religiosas, sua vivência passada, sua visão de mundo, etc.

Diante deste quadro quero complementar a ideia de formação de identidade com o conceito apresentado por Néstor Canclini156 extraido de Arjun Appadurai o qual analisa a cultura não como um substantivo, um objeto definido, mas sim como um adjetivo. “O cultural facilita a falar da cultura como uma dimensão que se refere a ‘diferenças, contrastes, e comparações’ permite pensá-la ‘menos como uma propriedade dos indivíduos e dos grupos, mais como um recurso heurístico que podemos usar para falar da diferença’.157

A partir deste pensamento podemos extrair o conceito de identidade que se forma através das diferenças, dos contrastes. Eu sei o que sou quando vejo o que não sou. Assim, um cristão comprova que é um cristão quando se depara com um mulçumano ou um budista. Da mesma maneira, um adventista tem convicção de suas crenças quando é confrontado com outra religião.

Por lógica, um jovem adventista sabe o que ele é quando confrontado com o que ele não é. Por esta razão, conseguimos entender a declaração que vimos de uma jovem que disse, ser jovem adventista é diferente de ser um adulto adventista ou uma criança adventista. Pois, através dos opostos se forma a identidade.

Unindo os dois pensamentos que vimos sobre a formação de identidade, chegamos ao ponto que ao eu me deparar com o meu oposto, ou com o diferente, juntando a isso a experiência religiosa e a transmissão da herança religiosa que tenho durante minha vida,

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Id.

156

CANCLINI, Néstor Garcia. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas da

interculturalidade. Tradução: Luiz Sérgio Henriques. 3. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. p. 35-53.

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CANCLINI, Néstor Garcia. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas da

interculturalidade. Tradução: Luiz Sérgio Henriques. 3. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. 48 p. Apud Appadurai, 1996, p. 12-13.

minhas práticas, costumes anteriores, maneiras de conceber o mundo e de inserção no mesmo em todas as esferas de atividades que o compõe, estou formando minha identidade.

Diante desta junção de fatores, minha leitura é que a identidades do jovem adventista está em formação. Uma vez que a sociedade vive em mudanças, e os jovens acompanham muitos dessas mudanças, sua identidade não será igual a dos adultos. Não é por essa razão que eles deixarão de ser adventistas, mas, talvez não seja o que os mais velhos esperam que eles sejam. O que acontece é que se os jovens estão em formação de uma identidade, e isso por conta das mudanças que eles passam em todos os aspectos da vida, a lógica leva a concluir que eles esperam que a Igreja passe por mudanças. Ou seja, que a “cara” da igreja seja transformada de acordo com as necessidades.

Quero mais uma vez utilizar as redes sociais para ver a opinião do jovem sobre essa questão de mudança. Esperam eles que isso aconteça? Ou a Igreja tem que ficar estagnada, pois não é necessário fazer nenhum tipo de adaptação, contextualização.

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