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TRANSMISSÃO DO LADO PASSIVO

No documento direito-das-obrigacoes-II-lara-geraldes.pdf (páginas 93-104)

§1: NOÇÃO. A transmissão a título singular de dívidas denomina-se assunção de dívida

e encontra-se prevista nos arts. 595º ss: transmissão singular de uma dívida através de negócio jurídico celebrado com terceiro. Corresponde historicamente a uma delegação.

O acordo do credor é imprescindível.

Por contrato entre o antigo e o novo devedor [assuntor], ratificado pelo credor: assunção interna.

o

A transmissão de dívidas resulta do efeito conjugado de dois negócios:  Contrato entre o antigo e o novo devedor

Negócio unilateral do credor, a ratificação, como condição de eficácia da assunção de dívida em relação ao credor [do primeiro contrato, enfim], podendo as partes distratá-lo enquanto o credor não ratificar [art. 596º-1].

• Qualquer das partes pode fixar um prazo peremptório para a ratificação, findo o qual esta se considerará recusada [art. 596º-2].

• Só a partir do momento em que ocorre a ratificação é que a assunção de dívidas se torna definitiva, deixando as partes de a poder distratar.

A ratificação, uma vez realizada, tem eficácia retroactiva e a dívida considera-se transmitida no momento da celebração do contrato. Com divergências, esse efeito retroactivo é por uns considerado pleno [RIBEIRO DE FARIA e MENEZES

LEITÃO], ou não implica, para outros, a ineficácia dos

actos conservatórios de crédito praticados no período entre a ratificação e o contrato de assunção de dívida [PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA].

Nota: suscita-se, neste âmbito, o seguinte problema – apesar da não ratificação pelo credor, o negócio celebrado entre as partes pode valer como promessa de liberação [assunção de cumprimento], nos termos do art. 444º-3? A doutrina alemã considera existir uma regra interpretativa de que qualquer assunção de dívida não ratificada vale como assunção de cumprimento. Entre nós, a mesma posição é sustentada [ANTUNEZ VARELA e

MENEZES LEITÃO], com base nos arts. 239º [vontade presumível das partes] e 293º

[conversão do negócio totalmente nulo].

Por contrato entre o novo devedor [assuntor] e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor: assunção externa.

o

A transmissão da dívida resulta de apenas um único negócio jurídico:  Contrato entre o novo devedor e o credor, ao qual o antigo

devedor pode ou não dar o seu consentimento.

• O consentimento do devedor é irrelevante.

Assunção cumulativa:

o

O antigo devedor não é liberado da sua obrigação, mantendo-se solidariamente obrigado perante o credor [art. 595º-2, 2ª parte].

o

O novo devedor fica vinculado por essa obrigação exactamente nos

mesmos termos que o antigo devedor, sem que a vinculação deste seja afectada [sem exoneração].

o Regime:

 Efeitos na relação interna entre antigo e novo devedor:

• Transmissão da dívida do antigo para o novo devedor, independentemente da exoneração concedida pelo credor [art. 595º-2].

 Efeitos na relação externa dos devedores para com o credor:

Na ausência de exoneração concedida pelo credor, os dois devedores respondem solidariamente – o credor pode exigir o cumprimento da obrigação a qualquer um, indistintamente.

A solidariedade imperfeita, e não conforme dispõem os arts. 512ºss:

o

O direito de regresso só existe do antigo devedor sobre o novo devedor, num só sentido

o

Não se aplica a presunção do art. 516º [comparticipação em partes iguais na dívida]

o

O novo devedor goza de meios de defesa mais

amplos que o devedor solidário:

 O novo devedor não pode opor ao credor quaisquer meios de defesa que resultem da relação entre o antigo e o novo devedor [art. 598º] – vg promessa da prestação de uma contrapartida: a assunção de dívidas é um acto abstracto, protegendo o credor.

O novo devedor pode, sim, opor ao credor os meios de defesa derivados da relação entre ele próprio e o credor, bem como os meios de defesa existentes na relação antigo devedor e credor, salvo meios de defesa pessoais do primeiro:

• Pode: nulidade, prescrição, impossibilidade e ineficácia.

Não pode: erro, coacção, dolo ou incapacidade do antigo devedor, compensação.

Assunção liberatória:

o

Verifica-se a extinção da obrigação do antigo devedor, ficando exclusivamente obrigado o novo devedor [art. 595º-2, 1ª parte].

o

O novo devedor substitui integralmente o antigo devedor, que fica

o

Declaração de exoneração do primitivo obrigado [antigo devedor], que compete ao credor: declaração expressa, feita por palavras ou outro meio directo de expressão da vontade [art. 217º]. Sem esta declaração, exigível tanto na assunção externa como na assunção interna [art. 595º-2], a assunção é cumulativa, com as consequências supra.

 Ratificação: credor dá o seu acordo à transmissão, impedindo as partes de a distratarem.

 Declaração expressa de exoneração: o credor extingue a vinculação do antigo devedor.

o Regime:

 Com a exoneração concedida pelo credor ao primitivo obrigado, o novo devedor torna-se no exclusivo devedor, ficando o primeiro totalmente liberado da sua obrigação.

O conteúdo da obrigação não se altera em virtude da

transmissão, pelo que o novo devedor permanece vinculado à prestação nos mesmos termos que o antigo devedor [vs novação: extinção do direito de crédito e substituição por um outro]. O crédito é o mesmo, embora tenha sido redireccionado de um sujeito para outro [assuntor].

O credor deixa de poder demandar o antigo devedor, caso se verifique a insolvência do assuntor, seja ele o novo devedor ou garante da obrigação [art. 600º]. Admite-se, porém, que o credor ressalve expressamente a responsabilidade do antigo devedor [art. 600º, in fine], caso em que a responsabilidade deste é subsidiária e não extinta.

Requisitos comuns às várias modalidades de assunção de dívida:

• Consentimento do credor

 Só o património do devedor responde perante o credor, pelo que o consentimento do credor na assunção de dívida permite obstar a transmissões de dívidas para devedores com situações patrimoniais piores do que as do devedor originário.  Exigência do consentimento do credor:

• Assunção interna: ratificação do contrato entre antigo e novo devedor.

• Assunção externa: o próprio credor celebra o contrato com o novo devedor.

Contestada por MOTA PINTO.

Em qualquer caso exige-se a declaração expressa supra para exoneração do antigo devedor.

• Consentimento do novo devedor

o Não faria sentido impor a alguém a assunção de uma dívida, contra a sua vontade.

o Não é necessário o consentimento do antigo devedor [claramente dispensado na assunção externa], por maioria de razão: se o terceiro pode cumprir a obrigação, mesmo com oposição do devedor [art. 768º-2], pode igualmente assumir as suas dívidas sem consentimento.

• Existência e validade do contrato de transmissão

o A transmissão da dívida deve decorrer de um contrato transmissivo da obrigação que exista.

o Esse contrato não pode ser nulo ou anulável.

o

Não há obstáculos legais à transmissão de dívidas futuras, tal como no caso da cessão de créditos futuros, supra: basta o requisito da determinabilidade [art. 280º], e que estas resultem de negócio já celebrado ou a celebrar.

 Exemplo: assunção da obrigação de pagamento das rendas devidas pelo locatário no ano de 2009.

o Se o contrato de transmissão da dívida for declarado nulo ou anulado e o credor tiver exonerado o devedor primitivo [assunção liberatória], renasce a obrigação anterior [art. 597º].

§3: NATUREZA JURÍDICA. A teoria da oferta colectiva ou teoria do contrato com o

credor, originalmente de MENZEL, veio a ser sustentada por MENEZES LEITÃO, no âmbito da discussão doutrinária acerca da natureza jurídica da figura da assunção de dívidas.

Nestes termos, a assunção de dívidas corresponde como que a uma delegação, hoje feita através de um contrato que envolve três pessoas: o delegante, o delegado e o credor delegatário. Delegante e delegado fazem uma oferta colectiva ao credor, propondo a substituição contratual, devendo o último dar o seu consentimento. A fonte da assunção de dívidas reside, assim, num contrato trilateral.

Cessão da Posição Contratual

§1: NOÇÃO. A cessão da posição contratual [art. 424º] designa a transmissão da

situação jurídica mais vasta que engloba direitos, deveres, faculdades, poderes, ónus e sujeições que resultam para uma parte da celebração de determinado negócio.

As vantagens na adopção desta figura residem no facto de permitir a transmissão de negócios jurídicos em bloco, sem quebrar as ligações existentes entre as diversas situações integrantes da posição contratual, cuja preservação interessa às partes.

Aqui, não se transmitem créditos ou dívidas individualmente, mas sim a própria posição contratual globalmente considerada, enquanto situação jurídica complexa.

Não se confunda com:

Subcontrato: alguém celebra um contrato com base na posição jurídica que lhe advém de outro contrato do mesmo tipo, já previamente celebrado com outrem [vg sublocação, subarrendamento, subempreitada ou submandato]. O subcontrato depende do contrato principal, de modo que a extinção do último importa a extinção do primeiro. Na cessão da

posição contratual, há a transmissão da posição contratual de um sujeito para outro, enquanto que no subcontrato a relação contratual primitiva permanece inalterada.

Adesão ao contrato: um terceiro vem a constituir-se como parte numa relação contratual existente entre duas pessoas, participando da posição jurídica já atribuída a uma delas, sem que esta perca a titularidade dessa mesma posição. Na cessão da posição contratual o cedente deixa de ser parte do contrato, enquanto que na adesão ao contrato não há qualquer transmissão contratual, mas apenas a agregação de uma terceira parte à relação contratual.

§2: PRESSUPOSTOS. A cessão da posição contratual requer:

Um contrato a estabelecer a transmissão da posição contratual, celebrado com o consentimento do outro contraente [art. 424º]:

o Terá que ser um negócio unitário [transmissão da posição contratual em globo] e não um mero somatório de cessões de créditos ou de assunções de dívida.

o

A assunção de obrigações pressupõe o consentimento do outro contraente: a sua eficácia fica dependente do acordo posterior à celebração do negócio [art. 424º-2]. Sem consentimento, e ao contrário da assunção de dívidas, o negócio não pode valer como assunção de cumprimento das obrigações do cedente. Se houver recusa, pergunta-se se o negócio não poderá ser convertido, nos termos do art. 293º, num contrato misto de cessão de créditos e assunção cumulativa de dívidas: não o cremos, uma vez que a assunção cumulativa não pode ser feita sem o consentimento do credor [art. 595º-1a].

o Exemplo: compra e venda, doação ou dação em cumprimento – negócios causais, uma vez que a cessão da posição contratual não

• A inclusão da referida posição contratual no âmbito dos contratos com prestações recíprocas

o

O art. 424º-1, 1ª parte, parece restringir a cessão da posição contratual aos contratos com prestações recíprocas, conforme sustentam GALVÃO TELLES, VAZ SERRA, ANTUNES VARELA e

ALMEIDA COSTA – poder-se-ia transmitir a posição contratual de

comprador ou de arrendatário, vg, mas não já a de mutuário ou doador, transmissíveis apenas mediante cessão de créditos ou assunção de dívidas.

o

MOTA PINTO e MENEZES CORDEIRO criticaram esta posição, uma vez que reconduziria a cessão da posição contratual a um mero somatório de créditos e de dívidas, como já supra §1 afastámos. Essa posição desconsidera a situação jurídica complexa que a figura representa, pondo de parte direitos potestativos e deveres acessórios. MENEZES LEITÃO concorda com esta posição, uma vez que permite incluir neste âmbito os contratos bilaterais em que uma das prestações já haja sido executada [vg na compra e venda executada apenas pelo vendedor, este deve ter ainda direito a uma eventual resolução do contrato por incumprimento do comprador, art. 886º].

§3: EFEITOS. Cumpre distinguir:

• Relação entre cedente e cessionário:

o Transmite-se a posição contratual do cedente para o cessionário  O cessionário adquire todos os créditos, poderes

potestativos e excepções e fica vinculado pelas obrigações, deveres acessórios e sujeições resultantes.

Contrato de execução periódica ou continuada: a cessão da posição contratual abrange apenas as situações jurídicas correspondentes ao período de tempo posterior à celebração do negócio de transmissão: efeitos ex nunc.

A maioria doutrinária rejeita que a cessão da posição

contratual possa abranger as consequências dos vícios intrínsecos das declarações negociais [MOTA PINTO,

MENEZES CORDEIRO, MENEZES LEITÃO e ANTUNES VARELA]. A faculdade de anulação do negócio [vg por

erro, dolo ou coacção] é inseparável da pessoa do cedente, não sendo, por isso, objecto de transmissão. Não faria qualquer sentido que o cessionário pudesse exercer essa faculdade, uma vez que, em relação a ele, não se verifica qualquer vício. Verificado o erro, dolo ou coacção, o cedente pode, após a cessão da posição contratual, solicitar a anulação do negócio, caso em que a cessão se tornará nula por impossibilidade do objecto [art. 280º-1].

o Garantia prestada pelo cedente relativamente à posição contratual transmitida

O cedente garante ao cessionário, no momento da cessão, a existência [validade] da posição contratual transmitida [art. 426º-1], nos mesmos termos que na cessão de créditos [art. 587º]. A garantia do cumprimento das obrigações [vg o cedente responder como fiador], essa, só existe se for expressamente convencionada, nos termos gerais [art. 426º-2].

Tratando-se de uma venda, e se tal posição contratual não existir ou for inválida, o cedente torna-se responsável

• Relação entre cessionário e o contraente cedido

o É perante o cessionário, único titular da posição contratual, que o contraente cedido deve exercer os seus direitos e cumprir as respectivas obrigações.

o Se, após a cessão, o contraente cedido efectuar o cumprimento perante o cedente, esse cumprimento não tem efeito liberatório, a menos que o último haja dado o seu consentimento antes da transmissão [art. 424º-2].

o

Relações contratuais duradouras [vg contratos de execução periódica ou continuada]: a cessão apenas abrangerá as situações jurídicas respeitantes ao período posterior à transmissão, presumindo-se que os créditos e obrigações já vencidos se mantêm na titularidade do cedente.

o Quanto às garantias das obrigações de que o contraente cedido seja titular, aplica-se por analogia o disposto no art. 599º.

• Relação entre o cedente e o contraente cedido

o O cedente fica liberado de todas as obrigações, deveres acessórios e sujeições emergentes do contrato, com algumas excepções:

 Se o cedente tiver causado danos à outra parte, em virtude de incumprimento: a obrigação de indemnizar mantém-se na sua titularidade.

o

Com base na autonomia privada, podem as partes estipular a não liberação do cedente nas suas obrigações, com a cessão, podendo o mesmo responder como fiador ou devedor solidário, vg. O cedente perde, ainda assim, a sua qualidade de parte no contrato, assumindo antes um novo vínculo de garantia de cumprimento de obrigação alheia, perante o cedido.

§4: NATUREZA JURÍDICA. Quanto à natureza jurídica da cessão da posição contratual, MENEZES LEITÃO, na esteira de MOSSA, LARENZ e entre nós, MOTA PINTO, ANTUNES

VARELA, MENEZES CORDEIRO e RIBEIRO DE FARIA, sustenta a teoria da transmissão unitária,

nos termos da qual o crédito e a dívida não surgem isoladamente.

A posição contratual constitui, assim, uma situação jurídica complexa cuja transmissão é possibilitada pela cessão da posição contratual.

No documento direito-das-obrigacoes-II-lara-geraldes.pdf (páginas 93-104)