• Nenhum resultado encontrado

direito-das-obrigacoes-II-lara-geraldes.pdf

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "direito-das-obrigacoes-II-lara-geraldes.pdf"

Copied!
174
0
0

Texto

(1)

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

PROF. ROMANO MARTINEZ

Faculdade de Direito de Lisboa

Estes apontamentos não dispensam o estudo dos manuais recomendados pelo Professor Regente e Assistente.

(2)

RESPONSABILIDADE OBJECTIVA

Responsabilidade Civil

§1: GENERALIDADES. Antes de estudarmos a responsabilidade objectiva, seja ela pelo

risco ou pelo sacrifício, cumpre tecer algumas considerações preliminares e recordar os pressupostos gerais da responsabilidade civil.

A responsabilidade civil é uma fonte de obrigações, maxime a obrigação de indemnizar que, como sabemos, é exclusivamente legal: encontra-se, por isso, tipificada na lei [arts. 562º ss].

Enquanto excepção à regra geral de imputação dos danos na esfera jurídica onde ocorrem, a responsabilidade civil consiste no conjunto de factos que dão origem à obrigação de indemnizar os danos sofridos por outrem [ressarcibilidade].

Relativamente à distinção entre responsabilidade subjectiva e objectiva, importa recordar:

• Responsabilidade subjectiva ou delitual: a responsabilidade civil pressupõe, regra geral, culpa [art. 483º-2]. A culpa deve ser aqui entendida como um juízo moral ou de censura da conduta, seja ela praticada com dolo ou mera culpa. A actuação do agente é, assim, ilícita e culposa: um delito, enfim.

o As responsabilidades obrigacional e extra-contratual são, em regra, subjectivas, assentando no princípio da culpa: vg devedor que falta ao cumprimento da obrigação, com culpa [responsabilidade subjectiva obrigacional].

• Responsabilidade objectiva: constitui uma excepção à regra geral da responsabilidade subjectiva ou delitual [art. 483º-2], já que o dano é provocado, ainda que independentemente de culpa do agente. Pressupõe um dano, como toda a responsabilidade civil, mas não existe delito. Modalidades de responsabilidade objectiva, consoante o título de imputação:

(3)

o Pelo risco: tipificada na lei [art. 483º-2], aplica-se às práticas de actividades humanas lícitas, normalmente geradoras de prejuízo [vg circulação automóvel]; do risco inerente a essas actividades resulta o dever de reparar o dano.

 Funções:

• Função principal: reparação do dano

• Função acessória: prevenção

o Pelo sacrifício ou por acto lícito: a lei autoriza o agente a agir, causando prejuízos a outrem e correlativa obrigação de compensação desses danos [vg constituição de servidão legal de passagem].

 Função exclusiva: reparação do dano.

o As responsabilidades obrigacional e extra-contratual podem ser, excepcionalmente, objectivas, independentemente de qualquer culpa: vg devedor que falta ao cumprimento da obrigação, sem culpa [responsabilidade objectiva obrigacional, art. 800º].

§2. PRESSUPOSTOS. Sumariamente iremos enunciar cada um dos pressupostos da

responsabilidade civil.

Face ao disposto no art. 483º-1:

• Facto

• Ilicitude [“violar ilicitamente”]

o Não se verifica na responsabilidade por facto lícito

• Culpa [“com dolo ou mera culpa”]

o Prescinde-se na responsabilidade pelo risco

• Dano [“pelos danos”]

(4)

1. O facto voluntário do lesante remete-nos para um comportamento humano,

dominável pela vontade, expressão da conduta de um sujeito responsável. Não se exige intenção, nem sequer actuação [contra o que a redacção do art. 483º-1 pode indiciar], bastando a conduta sob o controlo da sua vontade.

O facto voluntário pode revestir duas formas:

Acção [art. 483º]: existe um dever genérico de não lesar direitos alheios [neminem laedere], pelo que não se exige qualquer dever específico.

• Omissão [art. 486º]: exige-se um dever específico de praticar o acto omitido, já que não existe um correspondente dever genérico de evitar a ocorrência de danos para outrem, o que tornaria a vida em sociedade insustentável e multiplicaria as ingerências na esfera jurídica alheia.

o O dever específico de garante pode ser criado por contrato [vg alguém estar obrigado a vigiar um doente mental, evitando que se suicide].

o

Ou pode ser imposto pela lei [arts. 491º-493º]. No direito alemão, a partir de disposições semelhantes, tem-se defendido a doutrina dos deveres de segurança no tráfego ou dos deveres de prevenção do perigo delituais, alargando-se a responsabilidade por omissão para além dos casos tipificados na lei. Esta doutrina teve influências entre nós [ANTUNES VARELA, MENEZES CORDEIRO e SINDE MONTEIRO]. Na responsabilidade objectiva, o facto que a despolete essa imputação pode ser um facto natural, um facto voluntário do agente, ou ainda um facto do próprio lesado [vg acidentes de trabalho].

2. A ilicitude deve aqui ser entendida enquanto um juízo de desvalor atribuído pela

ordem jurídica ao:

• Resultado da conduta do agente [teoria do desvalor do resultado].

• Comportamento do agente [teoria do desvalor do facto]: posição maioritária. A ilicitude distingue-se da ilegalidade, na medida em que esta pressupõe a inobservância de um ónus jurídico: será ilícita a condução em excesso de velocidade, e ilegal

(5)

Nesta sede relevam as causas de justificação/exclusão da ilicitude [nunca “justificação da ilicitude”!].

3. A culpa é pressuposto normal da responsabilidade civil, sendo a responsabilidade

objectiva excepcional, como já tivemos oportunidade de mencionar [art.483º-2]. Hoje, autores como MENEZES CORDEIRO consideram-na um juízo de censura, em sentido normativo, em relação à actuação do agente, que poderia e deveria ter agido de outro modo. A sua conduta é, assim, axiologicamente reprovada.

As presunções de culpa invertem o ónus da prova [art. 350º-1] e são ilidíveis, nos termos gerais [art. 350º-2]: as dificuldades de prova inerentes torna mais segura a obtenção de indemnização, pelo lesado. Para ROMANO MARTINEZ e MENEZES LEITÃO, o disposto nos arts. 491º-493º corresponde, na verdade, a exemplos de responsabilidade subjectiva, e não objectiva.

4. O dano é condição essencial de responsabilidade: por muito censurável que seja o

comportamento do sujeito, não caberá recurso às regras da responsabilidade civil se as coisas correrem bem e ninguém sair lesado. Ao contrário do direito penal, onde, como sabemos, a tentativa é punível. MENEZES LEITÃO entende que o dano deve ser definido num sentido fáctico e normativo, enquanto frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica.

5. O art. 483º limita a indemnização aos “danos resultantes da violação”: esse

comportamento deve ser causa dos danos sofridos, existindo um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

• Teoria do fim da norma violada: teoria do escopo da norma violada

o É apenas necessário averiguar se os danos que resultaram do facto correspondem à frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjectivo ou da norma de protecção. Questão que acaba por se reconduzir a um problema de interpretação do conteúdo e fim específico da norma que serviu de base à imputação dos danos.

o

Para MENEZES LEITÃO é esta a melhor forma de determinação do nexo de causalidade. A obrigação de reparar os danos causados constitui uma consequência jurídica de uma norma relativa à

(6)

imputação de danos, o que implica que a averiguação do nexo de causalidade apenas se possa fazer a partir da determinação do fim específico e do âmbito de protecção da norma que determina essa consequência jurídica.

§3: RESPONSABILIDADE OBJECTIVA. Na responsabilidade objectiva o dano é

provocado, ainda que independentemente de culpa do agente: pressupõe-se, ainda, um dano, comum a toda a responsabilidade civil, embora não exista qualquer delito.

A responsabilidade objectiva engloba duas modalidades:

Responsabilidade pelo risco [arts. 499º ss, 1348º-2 e legislação avulsa]

• Responsabilidade por factos lícitos ou pelo sacrifício:

o

Obrigacional [vg responsabilidade por revogação de contrato de mandato].

o

Extra-contratual [vg responsabilidade por danos causados em estado de necessidade ou pelos prejuízos causados por servidão legal de passagem].

Ao contrário da responsabilidade subjectiva, prevista na cláusula geral do art. 483º-1, os casos de responsabilidade objectiva são excepcionais [insusceptíveis de aplicação analógica, art. 11º], taxativos, e só pode ser invocada se existir uma previsão legal específica que a contemple [art. 483º-2].

Por força do art. 499º são-lhe aplicáveis, mutatis mutandis, as normas da responsabilidade civil em geral [arts. 483º ss], exclusive as disposições respeitantes à culpa.

Responsabilidade pelo Risco

§1: NOÇÃO. A responsabilidade pelo risco é, ainda, uma modalidade de

responsabilidade civil: excepção à regra geral de imputação dos danos na esfera jurídica onde ocorrem, dando origem à obrigação de indemnizar os danos sofridos por outrem [ressarcibilidade].

(7)

Delimita-se, nestes termos, uma determinada esfera de riscos pela qual deve responder outrem que não o lesado, cumulando-se as seguintes concepções:

Risco criado: cada pessoa que cria uma situação de perigo deve responder pelos riscos resultantes, independentemente de culpa.

Risco-proveito: a pessoa deve responder pelos danos resultantes das actividades que tira proveito, independentemente de culpa [brocardo ubi commoda, ibi incommoda].

o

Para ROMANO MARTINEZ, os casos de responsabilidade pelo risco previstos no CC apenas têm como fundamento esta concepção.

Risco de autoridade: a pessoa deve responder pelos danos resultantes das actividades que tenha sob seu controlo, independentemente de culpa.

Ainda que se prescinda da culpa enquanto título de imputação, não é, em rigor, irrelevante a existência ou não de culpa, já que a verificação desse “não-pressuposto” pode condicionar a aplicação de determinadas disposições legais, a saber:

Medida da culpa em caso de pluralidade de responsáveis [art. 497º-2, ex vi art. 499º]

• Limites máximos da responsabilidade [art. 508º]

• Culpa do lesado [art. 570º]

Limitação da indemnização no caso de mera culpa [art. 494º, ex vi art. 499º] e fixação equitativa da indemnização por danos não patrimoniais [art. 496º-3 ex vi art. 499º]

Por outro lado, e de harmonia com a introdução supra, a responsabilidade objectiva pode ser obrigacional, vg devedor que falta ao cumprimento da obrigação, sem culpa [responsabilidade objectiva obrigacional, art. 800º], mais concretamente tratando-se de responsabilidade pelo risco:

• Obrigações de garantia: adstrição a uma prestação ou a um evento que não é controlável pelo obrigado, respondendo pelo risco da não obtenção do resultado que se comprometera a produzir.

(8)

Eis os exemplos de responsabilidade pelo risco que estudaremos:

• Responsabilidade do comitente [art. 500º]

• Responsabilidade do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas [art. 501º]

• Danos causados por animais [art. 502º]

Acidentes causados por veículos de circulação terrestre [arts. 503º-506º]

• Danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás [arts. 509º e 510º]

• Legislação avulsa:

o Responsabilidade do produtor o Embarcações de recreio o Aeronaves

o

Ultraleves

§2: RESPONSABILIDADE DO COMITENTE. A responsabilidade do comitente pelo risco,

prevista no art. 500º, não é, para ROMANO MARTINEZ, um verdadeiro caso de responsabilidade pelo risco, embora seja efectivamente independente de culpa, uma vez que não assenta no pressuposto do risco.

Cumpre estabelecer a seguinte delimitação:

Relações externas [com o lesado, nº 1 e 2]: a responsabilidade pelos danos causados pelo comissário no exercício das suas funções é solidária, uma vez que responde aquele que encarrega outrem de qualquer comissão [o comitente], independentemente de culpa sua na escolha do comissário, na sua vigilância ou nas instruções que lhe deu.

Relações internas [entre comitente e comissário, nº 3]: o comitente que satisfizer a indemnização supra tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago [direito de regresso], excepto se houver também culpa sua, caso em que lhe será aplicável o disposto no art. 497º-2 [concorrência de culpas].

(9)

o Garante-se o efectivo pagamento da indemnização ao lesado, pelo comitente, uma vez que o património dos comissários não suporta, na maior parte dos casos, o pagamento de elevadas indemnizações. o Os comissários actuam no interesse e por conta do comitente, pelo

que deve este garantir ao lesado o pagamento da indemnização. Eis os pressupostos deste regime de responsabilidade objectiva do comitente pelos factos danosos praticados pelo comissário, no exercício das suas funções:

Relação de comissão:

o

Tarefa ou função realizada no interesse e por conta de outrem que, acrescenta MENEZES LEITÃO, possa ser imputada ao comitente [e não face a toda e qualquer prestação de serviços lato sensu]: actos praticados exclusivamente no seu interesse e por conta sua [culpa in instruendo], tenham eles o carácter duradouro ou isolado. Exemplos:

Contrato de trabalho [art. 1152º]

Contrato de mandato [art. 1157º]

Exclui-se o desempenho de funções com autonomia: prestação de serviço de depósito [art. 1185º], empreitada [art. 1207º] e contrato de transporte.

o

[ Liberdade de escolha do comissário pelo comitente: culpa in eligendo ] – MENEZES CORDEIRO, contra MENEZES LEITÃO e RIBEIRO

DE FARIA. Ao contrário do que sucede no direito alemão, não se

admite entre nós que o comitente possa ilidir a responsabilidade através da demonstração de que escolhera diligentemente o comissário.

o

[ Nexo de subordinação ou controlo do comissário ao comitente: culpa in vigilando ] – ANTUNES VARELA e ALMEIDA COSTA, contra MENEZES

LEITÃO e MENEZES CORDEIRO. A exigência deste pressuposto só faria

sentido se a concepção da responsabilidade do comitente se baseasse na doutrina do risco de autoridade, supra §1.

(10)

Nota: no nosso direito, basta que o comissário esteja no exercício das suas funções, uma vez que a responsabilidade do comitente se mantém mesmo que o comissário desrespeite as suas instruções ou actue intencionalmente [art. 500º-2].

Facto danoso praticado pelo comissário no exercício das suas funções:

o

A função que fora confiada ao comissário funciona como delimitação da zona de riscos a cargo do comitente.

o

MENEZES LEITÃO não concorda com a interpretação restritiva feita

pela doutrina relativamente a este pressuposto [doutrina essa que exclui deste âmbito os danos por ocasião da função e os danos praticados com abuso de funções, exigindo um nexo instrumental entre a função e os danos - ANTUNES VARELA e ALMEIDA COSTA], uma vez que tal interpretação retiraria alcance prático ao preceito e não tem qualquer apoio legal. Sugere, assim, um nexo etiológico entre a função e os danos, incluindo situações de desrespeito e de abuso de funções: basta que os danos sejam originados no exercício da função, sejam eles por actos intencionais do comissário, praticados em desrespeito das instruções, ou não [nº 2].

o

ROMANO MARTINEZ inclui actos preparatórios e posteriores.

Exemplo: age no exercício das suas funções o operário que deixa cair uma telha ou o operário que, fumando enquanto trabalha, provoca um incêndio. Do mesmo modo, responde o Banco pelo empregado bancário que haja burlado os clientes. O comitente responde ainda pelos actos praticados pelo comissário em desrespeito das instruções: o segurança de uma discoteca que deliberadamente agride um cliente ou o operário que conduz uma máquina em desrespeito das ordens do comitente, vg.

Responsabilidade do comissário:

o

Sobre o comissário recaia também a obrigação de indemnizar.

o

Pergunta-se: exige-se culpa do comissário ou basta qualquer imputação ao comitente, mesmo que a título objectivo [sem culpa]?

(11)

Responsabilidade subjectiva, com culpa: ANTUNES VARELA e

RUI DE ALARCÃO [“excepto se houver também culpa da sua

parte” – nº 3] – pressupõe culpa do comissário.

Responsabilidade subjectiva ou objectiva: ALMEIDA COSTA,

MENEZES CORDEIRO e ROMANO MARTINEZ [“desde que sobre

este recaia também a obrigação de indemnizar” – nº 1] – o comissário responde pelos danos a qualquer título, com ou sem culpa.

MENEZES LEITÃO e RIBEIRO DE FARIA: a lei não exige uma

demonstração efectiva de culpa do comissário, bastando a mera culpa presumida [art. 500º-1], pelo que acolhem a primeira posição.

Propendemos para a exigência de culpa do comissário [primeira posição]: o nº 3 refere expressamente a possibilidade de “também” existir culpa do comitente, pelo que se nenhuma culpa houver, de nenhum dos intervenientes da relação de comissão, não há qualquer direito de regresso do comitente e deve ser este a suportar a totalidade da indemnização. Neste caso, ROMANO MARTINEZ propõe a eventual aplicação analógica do disposto no art. 507º, uma vez que a responsabilidade pelo risco recai sobre várias pessoas e é solidária.

Se o comitente actuar com culpa exclusiva [in instruendo, in eligendo ou in

vigilando], nada pode exigir em regresso [o nº 3 só opera com culpa do comissário], uma vez que a culpa afasta o risco. Diferentemente, havendo concurso de culpas, a responsabilidade é solidária, na medida das respectivas culpas [art. 497º-2 ex vi art. 500º-3].

§3: RESPONSABILIDADE DO ESTADO OU DE OUTRAS PESSOAS COLECTIVAS PÚBLICAS. Segundo o disposto no art. 501º, o Estado e demais pessoas colectivas públicas [IP,

EP, Universidade Pública, etc.], quando haja danos causados a terceiro pelos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de actividades de gestão privada, respondem civilmente por esses danos nos mesmos termos do art. 500º.

(12)

Compreende-se que esta remissão respeite apenas a actos de gestão privada [danos que poderiam ter sido praticados por particulares, uma vez que foram causados por entidades públicas desprovidas de ius imperii/poderes de autoridade]. O âmbito é o do Direito privado, e não do Direito Constitucional ou Administrativo.

Os requisitos são, por isso, os mesmos:

• Relação de comissão

Facto danoso praticado no exercício da função, ainda que a actuação tenha sido intencional ou tenha desrespeitado as instruções recebidas

O órgão, agente ou representante pode ser responsabilizado a título de culpa

Exemplo: acidente de viação causado pelo motorista do Ministro da Cultura.

§4: DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS. Quem utilizar, no seu próprio interesse,

quaisquer animais, responde pelos danos que causarem, desde que resultem do perigo especial que envolve a sua utilização [art. 502º].

Recorde-se que o art. 493º-1 atribui já a responsabilidade [subjectiva] ao vigilante de animais, cuja culpa se presume. As duas responsabilidades podem, naturalmente, ser cumuladas, caso em que o vigilante [vg o tratador] e o utilizador do animal [vg o proprietário] responderão solidariamente perante o lesado [relações externas], com direito de regresso do proprietário sobre o tratador [relações internas].

Cumpre apreciar os pressupostos de aplicação desta norma:

Utilização de animais no seu próprio interesse [ubi commoda, ibi incommoda]:

o Proprietário do animal – cuja responsabilidade é excluída pela utilização de:

 Usufrutuário  Comodatário  Simples possuidor

(13)

o

Locação: respondem tanto o locatário [que utiliza o animal no seu interesse] como o proprietário [que recebe o preço locativo] –

ANTUNES VARELA e MENEZES LEITÃO.

Danos resultantes do perigo especial que envolve a utilização do animal:

o

A responsabilidade objectiva é restringida a uma zona de riscos

normalmente conexos com a utilização do animal.

Há responsabilidade objectiva: coice do cavalo em fuga de um incêndio ou o cão que morde uma pessoa, vg.

Exclui-se a responsabilidade objectiva: queda causada pelo susto de um cão a ladrar ou o cão que, caído de uma varanda, atinge um transeunte, vg – danos que, embora causados pelo animal, são exteriores aos perigos da sua utilização.

o

Havendo culpa do lesado, cabe aplicação do disposto no art. 570º [vg alguém que, desrespeitando um sinal, faz uma festa a um cão feroz] – o tribunal deve decidir se mantém, reduz ou exclui a indemnização [cfr. infra §5].

Compreende-se que fiquem excluídos do âmbito de aplicação desta norma animais inofensivos como peixes de aquário ou tartarugas [ROMANO MARTINEZ].

§5: ACIDENTES CAUSADOS POR VEÍCULOS DE CIRCULAÇÃO TERRESTRE. Questão

juridicamente mais controversa, em face da importância prática que assume no dia-a-dia, é a dos pressupostos da responsabilidade objectiva pelos danos causados por veículos [de circulação terrestre, seja ela circulação rodoviária ou ferroviária, art. 508º-3: ANTUNES

VARELA e PIRES DE LIMA], prevista nos arts. 503º ss.

Com efeito, aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que não se encontre em circulação [art. 503º-1]. Face a esta responsabilidade, a lei obriga à prévia celebração de

(14)

um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, sem o qual o veículo não pode circular.

Quanto ao âmbito de aplicação do art.503º, MENEZES LEITÃO inclui os acidentes causados por bicicletas e outros veículos não motores, contra o entendimento de ROMANO

MARTINEZ, que os exclui por não representarem qualquer perigo em especial.

Cumpre apreciar cada um dos pressupostos:

“Direcção efectiva” do veículo: aquele que tiver um poder de facto [conduzindo o veículo] ou que exercer um controlo sobre o mesmo [independentemente de conduzi-lo em pessoa]. Não releva, neste caso, a titularidade de um direito sobre o mesmo. Exemplos:

o Detentores legítimos o Proprietário

o Usufrutuário o Locatário o Comodatário

o Detentores ilegítimos [esbulhadores]

o

Exclui-se a responsabilidade objectiva: proprietário cujo veículo fora furtado, cliente de táxi ou aluno em escola de condução [uma vez que nenhum tem a direcção efectiva do veículo]; inimputáveis, responsáveis nos termos do art. 489º [o art. 503º-2 parece exigir a imputabilidade do agente, para exercer poderes de facto sobre o veículo], segundo MENEZES LEITÃO [contra, ROMANO MARTINEZ].

“Utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário”: exclui a responsabilidade objectiva a quem conduz o veículo por conta de outrem [comissários], uma vez que essa responsabilidade objectiva recai antes sobre o próprio comitente.

Danos indemnizáveis – “Danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”: abrange todos os danos resultantes da circulação do veículo em via pública ou em recintos privados

(15)

[vg atropelamento de pessoas, colisão entre veículos ou embate contra coisas] e os danos causados pelo mesmo quando imobilizado [vg incêndio do motor ou avaria nos travões]. Exclui-se a responsabilidade objectiva pelos riscos não conexos com o veículo [vg catástrofes naturais].

A responsabilidade do art. 503º-1 [de quem tiver a “direcção efectiva” do veículo] exclui-se nos casos do art. 505º, sem prejuízo do disposto no art. 570º [mantendo-se essa disposição, portanto]:

o

Quando o acidente seja imputável:

Ao próprio lesado: não se exige culpa do lesado, mas sim exclusividade da sua conduta na produção do dano [vg desmaio ou comportamento ditado por medo invencível do lesado exclui a responsabilidade pelo risco]. O comportamento causal do lesado foi causa exclusiva e única do dano, e o acidente deixa de se poder considerar como um risco próprio do veículo.

Nota: a lei pouco esclarece quanto a concurso de causalidade entre o facto do lesado [seja ele culposo ou não] e a condução do veículo [respeitando a riscos próprios do mesmo]. Cumpre apreciar:

Se o lesado actuar sem culpa, o condutor responde pelo risco e, eventualmente, com culpa.

Se houver culpa do lesado concorrente com a culpa do condutor aplica-se o disposto no art. 570º-1.

Se não se demonstrar culpa do condutor, e a culpa do lesado concorrer com o risco próprio do veículo, exclui-se a responsabilidade do condutor [a culpa provada/efectiva do lesado exclui o dever de indemnizar em caso de culpa presumida] – art. 570º-2, por interpretação extensiva [ANTUNES VARELA,

PIRES DE LIMA e MENEZES LEITÃO].

o

Nota ao art. 570º: exige-se culpa do lesado, e não imputação lato sensu [vs art. 505º] e relação de concausalidade. O tribunal pode,

(16)

por isso, ordenar a redução ou a exclusão da indemnização. O nº 2 permite que a culpa provada do lesado exclua a responsabilidade com culpa presumida do lesante [contra o regime extravagante da responsabilidade do produtor, infra §7], quando ambas hajam concorrido para a produção do dano, verificado o nexo causal.

.

Acidente imputável a terceiro: também não exige culpa de terceiro [pessoa, entenda-se], bastando que tenha sido a única causa do dano, em termos tais que não se possa atribuir este a um risco próprio do veículo.

• A responsabilidade pelo risco do condutor é excluída.

Havendo concurso de culpas entre o condutor e o terceiro, ambos respondem solidariamente perante o lesado [art. 497].

o

Quando o acidente resulte de “causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”: o acontecimento imprevisível, inevitável e exterior ao funcionamento do veículo. Exemplos:

 Ciclone  Inundação  Animais

 Óleo ou neve na estrada

Não excluem a responsabilidade pelo risco: circunstâncias relativamente ao funcionamento ou à utilização do veículo [vg derrapagem, rebentamento de pneus ou incêndio do motor].

A responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita aos seguintes beneficiários [art. 504º]:

• Terceiros [vg transeunte, peão, etc.]

(17)

Transporte por virtude de contrato: a responsabilidade só abrange os danos que atinjam a própria pessoa [lesões, danos morais ou dano morte] e as coisas por ela transportadas [nº 2] – excluem-se os danos em coisas não transportadas e os danos reflexos sofridos pelas pessoas referidas nos arts. 495º-2 e 3 e 496º-2.

Transporte gratuito [vg boleia]: a responsabilidade apenas abrange os danos pessoais da pessoa transportada [nº 3] – excluem-se os danos nas coisas transportadas com a pessoa.

São nulas as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade do transportador pelos acidentes que atinjam as pessoas transportadas [nº 4] mas não, a contrario, aquelas que excluam a responsabilidade pelos danos que atinjam as coisas transportadas.

A previsão da responsabilidade pelo risco nos acidentes de viação não dispensa, contudo, a necessidade de se averiguar se existe ou não culpa do condutor do veículo: em caso afirmativo, a sua responsabilidade é subjectiva, nos termos gerais [art. 483º-1], pelo que não estará sujeita a qualquer limite máximo de indemnização [art. 508º, infra], abrangendo todos os danos sofridos pelo lesado [arts. 562º ss]. Salvo presunção legal de culpa do lesante, é ao lesado que cumpre provar a culpa do primeiro [art. 487º-1]. Tradicionalmente, concebeu-se a condução de veículos enquanto uma actividade perigosa que presumiria a culpa do condutor, nos termos do art. 493º-2. Um assento do STJ afastou esse entendimento, pelo que o lesado não beneficia com a pretensão da responsabilidade subjectiva do condutor, uma vez que terá que fazer prova [por vezes verdadeiramente probatio diabolica] a esse respeito. MENEZES LEITÃO propõe uma interpretação restritiva do assento, considerando a condução de veículos enquanto uma actividade perigosa em três situações [art. 493º-2]:

• Veículos utilizados em provas desportivas

• Transporte de materiais explosivos ou inflamáveis

• Condução de veículo sob o efeito de álcool e/ou estupefacientes

A lei consagrou, todavia, um caso de responsabilidade por culpa presumida neste âmbito: o condutor de veículo por conta de outrem [comissário] responde pelos danos que

(18)

causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte [art. 503º-3, 1ª parte]. Contudo, se o fizer fora do exercício das suas funções de comissário, responderá nos termos do nº 1, supra [nº 3, 2ª parte], como se tivesse a direcção efectiva do veículo [no seu interesse próprio] – o comissário só é responsável pelo risco se conduzir fora do exercício das suas funções, utilizando o veículo no seu próprio interesse e presumindo-se culpado. Em todos os outros casos, a responsabilidade pelo risco é atribuída ao comitente, que tem a direcção efectiva do veículo e o utiliza no seu próprio interesse, ainda que por intermédio do comissário [nº 1].

A presunção de culpa do comissário [nº 3, 1ª parte] permite ao comitente, caso o primeiro não a consiga ilidir, exercer contra ele o direito de regresso [relação interna] pela indemnização que tenha pago ao lesado nos termos no nº 1 [relação externa].

Perguntou-se se essa presunção valeria no âmbito das relações externas, maxime para o efeito de o lesado demandar directamente o comissário [excluindo a aplicação dos limites máximos do art. 508º, infra, que pressupõe não existir culpa do lesante]:

RODRIGUES BASTOS e MENEZES CORDEIRO: não. A presunção de culpa do nº

3, 1ª parte valeria apenas nas relações internas, entre comitente e comissário.

ANTUNES VARELA, ALMEIDA COSTA, RUI DE ALARCÃO e SINDE MONTEIRO:

sim. A presunção de culpa do nº 3, 1ª parte tem alcance externo, sendo eficaz perante o lesado. Esta posição foi acolhida e fixada por um assento do STJ.

o

ROMANO MARTINEZ: a presunção só deve valer nas relações

externas e não no direito de regresso, uma vez que o comissário [responsabilidade subjectiva com presunção de culpa] e o comitente [responsabilidade objectiva pelo risco] respondem solidariamente perante o lesado.

o A lei faz recair sobre o comissário, em lugar da responsabilidade pelo risco, uma presunção de culpa: o comissário responde por todos os danos causados, sem qualquer limite [não sujeito ao disposto no art. 508º], se não conseguir ilidir tal presunção.

o

Compreende-se a presunção de culpa dos condutores comissários,

(19)

superior à do condutor médio, podendo ilidir a presunção com relativa facilidade. Por outro lado, a condução por conta de outrem representa, normalmente, um risco de afrouxamento na vigilância do veículo e de fadiga do comissário que conduz o veículo horas seguidas.

O art. 506º regula em termos específicos a colisão de veículos, sem culpa: a lei apresenta critérios de resolução de um possível conflito de imputações com base no risco.

Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles:

o

E se nenhum dos condutores tiver culpa: a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos contribuiu para os danos [nº 1, 1ª parte] – concausalidade de ambos os veículos.

Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um para os danos [nº 2] – repartição igualitária de danos.

• Ter-se-á em conta: veículo pesado, circulação a velocidade superior, etc.

o

E se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores: só a pessoa causadora dos danos é obrigada a indemnizar [nº 1, 2ª parte] – vg um dos veículos embate na parte traseira de outro. Uma vez mais, atender-se-á a quem tiver a direcção efectiva desse automóvel.

o

Danos causados por culpa do condutor de um dos veículos: é este

o responsável exclusivo, uma vez que a culpa afasta o risco [art. 506º-1].

Questionou-se se a presunção de culpa do art. 503º-3, 1ª parte seria aplicável à colisão de veículos, maxime ocorrendo a colisão entre um veículo conduzido por um comissário e outro por um condutor no seu próprio interesse e não sendo provada a culpa de nenhum deles. Aplicar-se-ia o critério da contribuição causal do risco dos veículos para a

(20)

produção dos danos ou, pelo contrário, presumir-se-ia a culpa do condutor por conta de outrem? Um assento do STJ fixou a segunda doutrina [no sentido de ANTUNES VARELA e

ALMEIDA COSTA]. Contra este entendimento pronunciou-se MENEZES LEITÃO, que preconiza

antes o recurso ao critério da contribuição causal do risco dos veículos para os danos, nos termos do art. 506º-1, 1ª parte.

Surgindo vários responsáveis pelo dano resultante de um acidente de viação, a lei estabelece a solidariedade como regra geral do art. 507º-1, mesmo que haja culpa de alguns, caso em que apenas os culpados respondem, nos termos do art. 497º-2 – vg o locatário que não fez as devidas revisões ao veículo [507º-2, 2ª parte]. Nas relações internas entre os vários responsáveis, a repartição da responsabilidade estabelece-se de harmonia com o interesse de cada um na utilização do veículo [art. 507º-2, 1ª parte] – aquele que tiver maior interesse na utilização do veículo suportará a maior parte da indemnização [vg o locatário, no caso da locação de veículos]. Se o responsável culpado pagar a indemnização, não poderá exercer qualquer direito de regresso.

A responsabilidade pelo risco, em acidentes de viação [inclusive colisão de veículos], está sujeita aos limites máximos legais constantes do art. 508º, com as alterações de 2004: quando não haja culpa do responsável, a indemnização tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel [nº 1] – o limite máximo dos danos cobertos pelo seguro, uma vez que se assiste a uma transferência de risco por parte do responsável à seguradora, que será demandada em juízo [a seguradora não é, todavia, a responsável, mas apenas aquela que estará obrigada a pagar a indemnização]. O mesmo se diga quanto a transportes colectivos ou ferroviários [nº 2 e nº 3].

Os danos que excedam o valor do seguro obrigatório já não são indemnizáveis em sede de responsabilidade objectiva, mas poderão sê-lo nos termos gerais.

§6: DANOS CAUSADOS POR INSTALAÇÕES DE ENERGIA ELÉCTRICA OU GÁS. Nos

termos do art. 509º-1, a responsabilidade pelo risco é atribuída a quem tiver a direcção efectiva de uma instalação destinada à condução de energia eléctrica ou do gás, utilizando-a no seu próprio interesse. ANTUNES VARELA e ALMEIDA COSTA reconduzem esta responsabilidade a todo o tipo de actividades dessa índole, desde a produção ao

(21)

armazenamento, condução ou transporte [contra o entendimento restritivo de RIBEIRO DE

FARIA, MENEZES LEITÃO e ROMANO MARTINEZ].

Esta responsabilidade é afastada se, ao tempo do acidente, a instalação se encontrar a funcionar de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação [nº 1, 2ª parte] – situação de ilicitude imperfeita.

Do mesmo modo, a responsabilidade é afastada se os danos forem devidos a causa de força maior: toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa [nº 2] – factos naturais externos [ciclone que derruba um poste de energia, vg] ou factos do próprio lesado [electrocussão derivada de o lesado ter subido ao poste, vg].

Naturalmente, esta categoria de responsabilidade não abrange danos causados por utensílios de uso de energia [vg electrodomésticos] – art. 509º-3.

Quando não haja culpa do responsável, o limite máximo da indemnização é aquele estabelecido no art. 508º-1, salvo diploma especial.

§7: LEGISLAÇÃO AVULSA.

Responsabilidade do Produtor [DL 383/89, alterado pelo DL 131/2001]

A responsabilidade objectiva do produtor, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que ponha em circulação surgiu nos EUA, onde se denotava uma maior preocupação pelo consumidor.

Considerando que o ónus da prova da culpa cabe ao lesado, nos termos gerais [art. 487º], para o consumidor comum era verdadeiramente diabólica a probatio de demonstrar a culpa do produtor, seja ela dolo ou negligência no fabrico do produto defeituoso.

Por transposição de uma Directiva Comunitária, o Estado Português legislou a matéria no DL 383/89, alterado pelo DL 131/2001, nos seguintes termos:

O produtor responde independentemente de culpa [art. 1º].

O produtor é definido em termos latos, enquanto o fabricante do produto defeituoso, o importador, o distribuidor e o

(22)

fornecedor [art. 2º] – no caso das “marcas brancas” dos supermercados, é o fornecedor que responde perante o lesado. Abrange o produtor real [nº1] e o produtor aparente [nº2]. Esta solução apresenta vantagens práticas: facilita a demanda em juízo do verdadeiro responsável, e não do vendedor.

Entende-se por produto qualquer coisa móvel, ainda que incorporada noutra coisa, móvel ou imóvel [art. 3º].

Um produto considera-se defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar [art. 4º]. Esta noção é mais restrita que aquela do art. 913º.

• Exclui-se a responsabilidade se o produtor provar que [art. 5º]:

o

Não pôs o produto em circulação: falta de pressuposto de aplicação da responsabilidade, e não “exclusão”.

o Inexistência do defeito no momento da

entrada do produto em circulação: limitação da responsabilidade, e não “exclusão”.

o

O defeito é devido à conformidade com

normas imperativas – exclusão da responsabilidade pela intervenção de terceiros, como a do art. 505º.

o O defeito é imputável ao produto em que foi incorporado, no caso de parte componente

Se várias pessoas forem responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade [art. 6º]: nas relações internas deve atender-se ao risco criado por cada responsável, à gravidade da culpa e à sua contribuição para o dano.

(23)

Havendo concurso entre a responsabilidade do produtor e do lesado ou de terceiro, a responsabilidade do produtor não é excluída automaticamente [art. 7º], contra o que dispõe o art. 570º.

São indemnizáveis os danos resultantes de morte ou de lesão pessoal, bem como os danos em coisa diversa do produto defeituoso [art. 8º].

Os limites da responsabilidade são mínimos, ao invés do art. 508º: só há responsabilidade por danos superiores a € 500 [art. 9º, alterado]. A versão original previa limites máximos, mas o DL foi alterado por exigências comunitárias. A responsabilidade do produtor segurado é ilimitada, desde o dano seja superior a € 500, pelo que se o valor da indemnização exceder o limite máximo pelo qual a seguradora do produtor responde, este suporta-o sozinho.

• Prazo de caducidade: dez anos [art. 12º].

Em conclusão, este diploma pretendeu cumular e integrar a responsabilidade delitual e contratual, em termos tais que supera a tradicional summa divisio entre ambas, segundo

ROMANO MARTINEZ.

Embarcações de Recreio [DL 329/95]

O diploma aplica-se a todo o engenho ou aparelho, de qualquer natureza, com comprimento entre 2,5 metros e 24 metros, utilizado como meio de deslocação na água, sem fins lucrativos [art. 3º].

O comandante representa a embarcação de recreio junto das autoridades, sendo a pessoa responsável pelo governo e segurança do mesmo [art. 42º].

• Responsabilidade solidária do proprietário e do comandante da embarcação de recreio, independentemente de culpa, pelo ressarcimento de danos causados a terceiro pela embarcação, salvo se o acidente tiver sido causado por culpa exclusiva do lesado [art. 43º].

(24)

O seguro de responsabilidade civil ilimitada pelos danos causados a terceiros é obrigatório [art. 44º].

Aeronaves [DL 321/89, alterado pelo DL 279/95]

Este diploma instituiu a obrigatoriedade de realização do contrato de seguro da actividade de transporte aéreo.

• O transportador aéreo é responsável, independentemente de culpa, pelo ressarcimento do dano morte, lesões corporais, avarias, atrasos, bagagens etc. [art. 3º].

• Essa responsabilidade está sujeita a limites máximos [arts. 4º e 5º].

• O seguro de responsabilidade civil é obrigatório [art. 17º].

• O proprietário ou explorador da aeronave é responsável, ainda que sem culpa, pelo ressarcimento dos danos causados a terceiros à superfície pela aeronave em voo ou por objectos que dela se soltem [art. 10º], ou quando esteja imobilizada [art. 11º].

• Em caso de colisão de duas ou mais aeronaves em voo ou em manobras no solo, essa obrigação de indemnizar recai sobre o proprietário ou explorador da aeronave que deu origem ao acidente [art. 15º]. Na ausência de determinação, será repartida em partes iguais.

• Em caso de furto, usurpação ou comando ilícito da aeronave, mantém-se a responsabilidade do proprietário ou explorador da mesma pela reparação dos danos causados, com direito de regresso [art. 14º].

Exclui-se a responsabilidade nos seguintes casos [art. 13º]: o Tremores de terra e cataclismos naturais o Conflitos armados e revoluções

o Utilização por terceiros de armas ou engenhos explosivos

(25)

Responsabilidade pelo Sacrifício

§1: NOÇÃO. Há responsabilidade pelo sacrifício sempre que a lei preveja o direito à

indemnização a quem viu os seus direitos sacrificados em resultado de uma actuação lícita danosa destinada a fazer prevalecer um direito ou um interesse de valor superior. O âmbito é, ainda, o da responsabilidade objectiva, pelo que os casos de responsabilidade pelo sacrifício carecem de previsão legal expressa e são insusceptíveis de aplicação analógica. Exemplos:

Responsabilidade extracontratual:

Estado de necessidade [art. 339º]:

o É justificada a conduta do agente que sacrifica bens patrimoniais alheios para evitar um perigo actual de um dano manifestamente superior, do agente ou de terceiro.

o O agente deve indemnizar o prejuízo causado se o dano for provocado por sua culpa exclusiva.

• Ingerência em prédio alheio para captura de enxame de abelhas [art. 1322º]

• Servidão legal [art. 1554º, 1559º, 1560º e 1561º]

• Apanha de frutos [art. 1367º]

• Reparações ou construções [art. 1349º] Responsabilidade contratual:

• Revogação do mandato [arts. 1170º-1172º]

Na doutrina alemã pergunta-se a quem devem ser imputados os danos da responsabilidade pelo sacrifício: se ao autor do sacrifício que os causou ou, pelo contrário, ao titular do direito de valor superior, em benefício de quem esse sacrifício ocorreu.

(26)

Indemnização

§1: NOÇÃO. A indemnização é tratada pelo CC como uma modalidade das obrigações

[arts. 562º ss], cuja fonte consiste na imputação de um dano a outrem e cujo conteúdo se caracteriza pela prestação de um equivalente ao dano sofrido. Pretende-se, com a indemnização, a eliminação do dano sofrido pelo credor, sendo a mesma, por isso, atribuída no seu interesse [ressarcibilidade do dano].

Em termos processuais, a indemnização pode ser exigida sem o seu montante se encontrar especificamente determinado [art. 569º], aquando da propositura da acção. A mesma pode igualmente ser atribuída em termos equitativos, pelo tribunal [art. 566º-3].

Da articulação dos arts. 562º e 566º-1 resulta a primazia da restauração ou reconstituição natural/in natura sobre a indemnização em dinheiro. Com efeito, a obrigação de indemnização estabelece-se primordialmente através da reparação do objecto destruído ou da entrega de objecto idêntico [concepção real de dano]. O credor/lesado é posto na situação que existiria se não se tivesse verificado o dano.

Quanto tal reconstituição natural não seja possível [infungibilidade ou impossibilidade do objecto], não repare integralmente os danos ou se afigure excessivamente onerosa para o devedor/lesante [interpretada em termos restritivos – apenas quando a reconstituição natural se apresentar como um sacrifício manifestamente desproporcionado para o lesante, contrário à boa fé.], a indemnização é fixada em dinheiro [sucedâneo pecuniário].

Nestes casos, a indemnização em dinheiro é calculada mediante recurso à denominada teoria da diferença [art. 566º-2]: tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos [situação patrimonial hipotética se não existissem danos]. O dano é avaliado em termos patrimoniais, mediante a apreciação concreta das alterações verificadas no património do lesado [a repercussão da supressão do bem no património do lesado, enfim], e comparação entre duas situações patrimoniais presentes [situação patrimonial real e hipotética].

(27)

Exclui o cálculo de:

o

Danos não patrimoniais

o

Danos futuros

o

Danos de natureza continuada: vg alguém que, em consequência de uma lesão, vê reduzida a sua capacidade de trabalho – deve ser atribuída uma indemnização em renda vitalícia ou temporária [art. 567º], colmatando-se a perda continuada de rendimentos, pelo lesado.

Não tem lugar quando o tribunal possa fixar a indemnização em montante inferior aos danos causados, nos casos de mera culpa e de culpa do lesado, vg [arts. 494º e 570º].

§2: TITULARIDADE DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO. Dir-se-ia que o titular do direito

de indemnização seria apenas o lesado, na medida em que é ele o titular dos direitos ou interesses que a lei visava proteger. Excluir-se-iam terceiros, mesmo que hajam sofrido reflexamente danos em consequência da actuação do lesante.

Superficialmente, esta regra estaria correcta: assim, quem atropelasse um jogador de futebol não teria que indemnizar o clube desportivo por danos reflexos, vg.

Todavia, esta regra sofre excepções, admitindo-se a terceiros a titularidade do direito de indemnização nos seguintes casos:

• Dano-morte e danos não patrimoniais em consequência da morte da vítima [arts. 495º-1 e 496º-2 e 3].

• Em caso de morte ou de lesão corporal, são titulares do direito de indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como estabelecimentos hospitalares, médicos, etc. [art. 495º-2].

Os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado prestava no cumprimento de uma obrigação natural são, igualmente, titulares do direito de indemnização, uma vez que os alimentos são essenciais para a sobrevivência dos seus titulares [art. 495º-3].

(28)

MODALIDADES DE OBRIGAÇÕES

Obrigações Naturais

§1: NOÇÃO. As obrigações naturais são obrigações que se fundam num mero dever de

ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça [art. 402º] – pelo que a esmola não será uma obrigação natural, vg.

A prestação não é judicialmente exigível, pelo que a sua tutela jurídica resume-se à possibilidade de o credor conservar a prestação espontaneamente realizada [soluti retentio], segundo o art. 403º. Exclui-se a possibilidade de repetição do indevido [art. 476º], salvo se o devedor não tiver capacidade para realizar a prestação [prestação realizada por incapaz: arts. 403º e 764º-1]. Não pode ser repetido/devolvido o que foi prestado espontaneamente, enfim.

Se a prestação for realizada espontaneamente pelo devedor [i.e., sem qualquer coacção, art. 403º-2], já não pode pedir a restituição do que prestou, mesmo que convencido, por erro, da coercibilidade do vínculo.

Não podem ser convencionadas livremente pelas partes, sob pena de equivaler a uma renúncia do credor ao direito de exigir o cumprimento [art. 809º]. Exemplos:

• Obrigação prescrita [art. 304º-2]

• Jogo e aposta [art. 1245º]

• Obrigação de alimentos [art. 495º-3]

§2: REGIME LEGAL. A lei manda aplicar às obrigações naturais o regime das

obrigações civis em tudo o que não se relacione com a realização coactiva da prestação, salvas as excepções da lei [art. 404º].

§3: NATUREZA JURÍDICA. São verdadeiras obrigações jurídicas, apesar de o seu

regime ser diferente das restantes por não se permitir a sua execução, segundo MENEZES

(29)

MENEZES LEITÃO entende, todavia, que não se trata de verdadeiras obrigações

jurídicas, na medida em que não existe qualquer vínculo jurídico por meio do qual uma pessoa fique adstrita para com outra à realização de uma prestação [art. 397º]. Reconduz a figura à doação, uma vez que o cumprimento da obrigação representa um incremento do património do credor natural à custa do património do respectivo devedor. Distingue-se, contudo, da doação, face à ausência do espírito de liberalidade [art. 940º].

Prestações

§1: PRESTAÇÕES DE COISA E DE FACTO. A prestação consiste no conteúdo positivo do

direito do credor.

Quanto ao objecto, as prestações podem ser:

• De coisa: cujo objecto consiste na entrega de uma coisa – a actividade do devedor pode ser distinguida da própria coisa.

o

Dare : prestar ou restituir.

• De facto: consistem em realizar uma conduta de outra ordem [vg cuidar de um jardim] – não é possível distinguir entre a conduta do devedor e uma realidade independente dessa conduta.

o

Positivo: facere

• Material

• Jurídico

o

Negativo: non facere [omissão] e de pati [sujeição]

§2: PRESTAÇÕES FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS. Quanto à substituição no cumprimento,

as prestações podem ser:

Fungíveis: a realização da prestação pode ser substituída por outrem que não o devedor, sem prejuízo para o credor [arts. 767º-1 e 827º-830º] – susceptível de execução específica.

(30)

o As prestações são, em regra, fungíveis: independentemente de a coisa ser ou não fungível [art.207º], atendendo a:

• Natureza da prestação

• Interesse do credor

• Acordo das partes

Infungíveis: só o devedor pode realizar a prestação [art. 767º-2]. A substituição do devedor no cumprimento não é possível, pelo que a lei não admite a execução específica da obrigação.

o

Infungibilidade natural: a substituição do devedor no cumprimento prejudica o credor.

o

Infungibilidade convencional: devedor e credor acordaram expressamente que a prestação só pode ser realizada pelo primeiro.

§3: PRESTAÇÕES INSTANTÂNEAS E DURADOURAS. Quanto ao momento em que

ocorrem, as prestações podem ser:

• Instantâneas: a execução da prestação ocorre num único momento [art. 434º-1].

o

Integral [realizada de uma só vez, vg entrega da coisa vendida]

o Fraccionada [uma única obrigação, cujo objecto é dividido em fracções, com vencimentos intervalados, vg venda a prestações, art. 934º]

Duradouras: a execução prolonga-se no tempo, implicando uma repetição sucessiva de prestações isoladas [art. 434º-2]. A sua realização global depende do decurso de um período de tempo.

o

Contínua ou continuada [a prestação não sofre qualquer interrupção, vg locação]

o

Periódicas [a prestação é sucessivamente repetida em certos períodos de tempo, existindo uma pluralidade de obrigações distintas - vg renda, no contrato de arrendamento]

(31)

§4: PRESTAÇÕES DE RESULTADO E DE MEIOS. Quanto à obtenção do resultado, as

prestações podem ser:

De resultado: o devedor vincula-se a obter um resultado determinado, respondendo por incumprimento se esse resultado não for obtido [vg transportador].

De meios: o devedor não está obrigado à obtenção de um resultado, mas sim a actuar com a diligência necessária para que esse resultado seja obtido [vg prestação médica].

§5: PRESTAÇÕES DETERMINADAS E INDETERMINADAS. A prestação não necessita de

se encontrar determinada no momento da conclusão do negócio, bastando que seja determinável [arts. 280º e 400º]:

• Determinadas: a prestação encontra-se completamente determinada no momento da constituição da obrigação.

• Indeterminadas: a determinação da prestação ainda não se encontra realizada, pelo que terá que ocorrer até ao momento do cumprimento.

o Obrigações genéricas o Obrigações alternativas

§6: OBRIGAÇÕES GENÉRICAS. As obrigações genéricas [vs obrigações específicas] são

aquelas cujo objecto da prestação se encontra apenas determinado quanto ao género e quantidade [art. 539º].

A prestação encontra-se determinada apenas por referência a uma certa quantidade, peso ou medida de coisas dentro de um género, mas não está ainda concretamente determinado quais os espécimes daquele género que vão servir para o cumprimento da obrigação. Exemplo:

• Obrigação de entrega de dez quilos de maçãs, vg: há referência ao género [maçãs] e à quantidade [dez quilos], mas ainda não estão concretizadas quais as maçãs com que o devedor deverá cumprir a obrigação.

(32)

Pelo contrário, a obrigação específica é aquela em que tanto o género, como os espécimes da prestação se encontram determinados.

As obrigações genéricas são comuns nas negociações sobre coisas fungíveis [art. 207º]. Exemplo de obrigação genérica quanto a coisa infungível: entrega de um quadro de um pintor, vg.

A escolha, ou o processo de individualização dos espécimes dentro do género [vg recorrendo à pesagem, medida ou escolha], pode caber a ambas as partes [credor ou devedor, art. 400º], ou a terceiro. Em regra, e supletivamente, a escolha [concentração] cabe ao devedor [art. 539º], embora possa eventualmente caber ao credor ou a terceiro [art. 542º], excepcionalmente.

Pergunta-se se o devedor [o dono das maçãs, vg] é completamente livre de escolher os espécimes, maxime aqueles de pior qualidade. O BGB obriga o devedor a entregar uma coisa de classe e qualidade média, pelo que MENEZES CORDEIRO invoca o regime da integração dos negócios jurídicos, com base na boa fé, defendendo a mesma solução [art. 239º]. ROMANO MARTINEZ e MENEZES LEITÃO reconduzem esse entendimento ao disposto no art. 400º: a determinação da prestação deve ser realizada segundo juízos de equidade.

Uma vez que, nas obrigações genéricas, a transferência da propriedade não pode ocorrer no momento da celebração do contrato [vs art. 408º-1], a indeterminação inicial coloca o problema do risco do perecimento da coisa que, nos termos gerais, corre por conta do proprietário [art. 796º]. Com efeito, um direito a uma quantidade de coisas a escolher de certo género é um direito de crédito, e não um direito real. Regra geral, a transferência da propriedade opera com a determinação da prestação [art. 408º-2]: a transferência opera, enfim, quando a coisa é determinada com conhecimento de ambas as partes.

Todavia, as obrigações genéricas constituem uma excepção a este regime. A transmissão da propriedade, e, consequentemente, do risco, ocorre no momento da concentração da obrigação, ou seja, no momento em que a obrigação genérica passa a específica, não se exigindo que essa concentração seja conhecida de ambas as partes. A lei consagrou a teoria da entrega [art. 540º], de JHERING, segundo a qual a concentração da obrigação genérica só ocorreria com o cumprimento da obrigação, transferindo-se o risco para o credor nesse momento. Qualquer perecimento da coisa que acontecesse anteriormente

(33)

correria por conta do devedor. Com efeito, a concentração ocorre normalmente mediante a entrega pelo devedor [art. 408º-2 – princípio da entrega], devendo ser determinada até ao cumprimento, através da concentração.

A lei admite, contudo, casos em que a obrigação se concentra antes do cumprimento, embora cabendo a escolha ao devedor [art. 541º] – o risco do perecimento corre por conta do credor:

• Acordo das partes: contrato modificativo da obrigação que substitui a obrigação genérica por uma obrigação específica.

• O género extingue-se a ponto de restar apenas uma das coisas nele compreendidas: a concentração ocorre por mero facto da natureza [art. 790º]

O credor incorre em mora: o credor, sem motivo justificado, recusa receber a prestação ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação [art. 813º]. MENEZES LEITÃO: trata-se de uma ficção para estender a aplicação do regime do art. 814º-1 às obrigações genéricas.

A promessa de envio [art. 797º]: hipótese do cumprimento, e não concentração – dívidas de envio ou remessa, em que o devedor não se compromete a transportar a coisa para o local do cumprimento, mas apenas a colocá-la num meio de transporte destinado a outro local.

Diferentemente, quando a escolha compete ao credor ou a terceiro [art. 542º], passa a ser irrevogável. Essa escolha concentra imediatamente a obrigação, desde que declarada ao devedor ou a ambas as partes. Se o credor não fizer a escolha dentro do prazo estabelecido, é ao devedor que a escolha passa a competir [art. 542º-2], passando a ser aplicáveis as disposições dos arts. 540º e 541º.

§7: OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS. As obrigações alternativas consistem em

modalidades de prestações indeterminadas, que se caracterizam por existirem duas ou mais [indeterminação] prestações de natureza diferente, mas em que o devedor se exonera com a mera realização de um delas que, por escolha, vier a ser designada [art. 543º]. Exemplo:

(34)

O devedor que se obrigue a entregar o barco ou o automóvel, cumpre a obrigação se entregar qualquer um destes objectos, vg – apenas uma prestação é concretizável através da escolha. O devedor tem apenas uma obrigação, e o credor apenas um direito de crédito sobre uma das prestações. Na falta de determinação em contrário, a escolha pertence ao devedor [art. 543º-2], embora também possa competir ao credor ou a terceiro [art. 549º]. O benefício da escolha é concedido ao devedor, supletivamente. No primeiro caso, pergunta-se se a escolha/determinação da prestação só ocorrerá no momento do cumprimento. Assim não o é, uma vez que o art. 408º-2 não exceptua o regime das obrigações alternativas. Aqui, é a designação do devedor, conhecida da outra parte, que determina a prestação devida [art. 543º-1 e 548º], exonerando-se o devedor quando designar a prestação que vai realizar e esta for conhecida da outra parte. A posterior revogação da escolha, pelo devedor, credor ou terceiro, não é possível após o conhecimento dessa designação, sob pena de incumprimento [art. 542º e 549º].

Se alguma das partes não realizar a escolha no tempo devido, a lei devolve essa faculdade à outra parte [art. 542º-2 e 548º e 549º]: remete-se a faculdade de escolha para a contraparte.

Escolha do credor – a escolha passa imediatamente a competir ao devedor, sendo-lhe devolvida.

Escolha do devedor – a escolha passa para o credor apenas na fase da execução, uma vez que na fase declarativa o credor não tem o direito a uma prestação individualmente considerada, mas apenas a receber qualquer uma delas em alternativa.

Se a escolha couber a terceiro, e este não escolher, devolve-se a escolha ao devedor. Mesmo tratando-se de prestações divisíveis, não é possível realizar parte de uma prestação e parte de outra [art. 544º], salvo consentimento do credor, em face do princípio da indivisibilidade.

Perante impossibilidade casual da prestação, não imputável a nenhuma das partes [art. 545º]: como a propriedade ainda não se transmitiu, o risco sobre qualquer dos objectos

(35)

Diferentemente, se a impossibilidade for imputável a alguma das partes:

• Imputável ao devedor [art. 546º]:

o

Se a escolha lhe competir, deve efectuar uma das prestações possíveis – a impossibilidade é causada pela parte a quem compete a escolha.

o

Se a escolha competir ao credor ou a terceiro, estes podem optar por:

Exigir uma das prestações possíveis, ao devedor

Exigir a indemnização pelos danos de não ter sido realizada a prestação que se tornou impossível, rectius, uma compensação por ter sido afectada a faculdade de escolha

Resolver o contrato [credor]

• Imputável ao credor [art. 547º]:

o Se a escolha lhe competir, considera-se cumprida a obrigação.

o

Se a escolha pertencer ao devedor, considera-se cumprida a obrigação tornada impossível, a menos que:

 Prefira realizar outra prestação

E prefira ser indemnizado pelos danos que haja sofrido, com a impossibilidade da escolha da prestação tornada impossível.

• Se a escolha competir a terceiro, a doutrina propõe:

o

Impossibilidade imputável ao devedor [art. 546º]: o terceiro pode optar por realizar uma das prestações possíveis ou pedir indemnização pelos danos resultantes de não ter sido realizada a prestação que se tornou impossível, e não optar pela resolução do contrato [ANTUNES

VARELA]. Para MENEZES CORDEIRO deve passar a ser o credor quem

escolherá entre exigir a prestação possível, a indemnização ou a resolução do contrato, neste caso.

(36)

o Impossibilidade imputável ao credor [art. 547º]: deve passar a ser o devedor a escolher entre considerar cumprida a obrigação ou realizar outra prestação, exigindo uma indemnização.

Não são obrigações alternativas:

• Aquelas em que só existe uma prestação, mas que pode ser escolhida a sua forma de execução [vg lugar e prazo].

• Aquelas em que se estabeleça uma alternativa condicional [verificando-se ou não certa condição].

Obrigações com faculdade alternativa: a prestação já se encontra determinada, mas dá-se ao devedor a faculdade de substituir o objecto da prestação por outro [vg art. 558º-1].

o Nas obrigações alternativas, o direito do credor abrange duas prestações em alternativa.

o

Nas obrigações com faculdade alternativa, abrange apenas uma prestação, ainda que o devedor possa substituí-la. A prestação encontra-se determinada desde a data da sua constituição, mas pode ser efectuada outra prestação no momento do cumprimento.

§8: OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS. Obrigações pecuniárias são aquelas que têm dinheiro

por objecto, visando proporcionar ao credor o valor que as respectivas espécies monetárias possuam [requisitos cumulativos]. Modalidades:

• Obrigações de quantidade [art. 550º]

• Obrigações em moeda específica [art. 552º]

• Obrigações em moeda estrangeira [art. 558º]

§9: INDETERMINAÇÃO DO CREDOR. Sendo possível a indeterminação do credor, uma

vez que este pode não ficar determinado no momento em que a obrigação é constituída, embora deva ser determinável, sob pena de nulidade do negócio jurídico, o devedor é,

(37)

contudo, obrigatoriamente determinado logo no momento em que a obrigação é constituída [art. 511º].

A indeterminação temporária do credor pode resultar de se aguardar a verificação de um determinado facto futuro e incerto, vg promessa pública [art. 459º], ou pela ligação entre o credor e a relação obrigacional se apresentar como indirecta ou mediata, vg cheques ao portador.

§10: OBRIGAÇÕES PLURAIS. A definição do art. 397º refere-se apenas às obrigações

singulares. Todavia, a obrigação pode também constituir-se abrangendo:

Vinculação de várias pessoas para com outra: pluralidade passiva o Exemplo: A, B e C obrigam-se perante D a entregar-lhe € 900

 Obrigação conjunta ou parciária: D apenas pode exigir que A lhe entregue € 300

 Obrigação solidária: D pode exigir a A a totalidade da prestação, € 900, podendo A exigir a B e C que lhe entreguem € 300 cada.

• Vinculação de uma pessoa para com outras: pluralidade activa o Exemplo: A obriga-se perante D, E e F a entregar-lhes € 900

 Obrigação conjunta ou parciária: D poderá exigir a A € 300  Obrigação solidária: D pode exigir a A € 900, ficando obrigado

a entregar a E e F € 300 cada.

• Pluralidade mista

o Exemplo: A, B e C obrigam-se perante D, E e F a entregar-lhes € 900  Obrigação conjunta ou parciária: D poderá exigir a A € 100  Obrigação solidária: D pode exigir de A € 900, tendo A que

exigir de B e C € 300 cada e ficando D obrigado a entregar a E e F € 300 cada.

Referências

Documentos relacionados

186 O filósofo afirma que a tarefa mais difícil para um homem é exercer a sua virtude para com um outro e não somente para si, e aquele que consegue

É muito importante que a gente possa oferecer esse modelo de acessibilidade, principalmente na instituição, pois eles geram muitos frutos, como os vídeos realizados, um

O presente estudo objetivou testar a influência do guano na diversidade e abundância de invertebrados na caverna Toca da Raposa, município de Simão Dias,

D) Nos termos do ponto 7 das condições particulares, “O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra

No contexto da COVID-19 os grupo de risco e/ou vulneráveis são grupos com pessoas que apresentam carac- terísticas/condições que as deixa mais expostas a uma situação de perigo

Quando um cético pirrônico decide parar definitivamente uma investigação (e não provisoriamente, só para descansar), declarando que “descobriu”

Muito pelo contrário: proponho uma interpretação das histórias compostas por Maquiavel e Guicciardini que, ao explicitar e examinar o caráter convencional destas, segundo os

Leitura fundamental para historiadores, cientistas políticos, literatos e humanistas interessados nas obras de Maquiavel e Guicciardini a partir da retórica prudente relacionada