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CAPÍTULO 2 SISTEMA FINANCEIRO JAPONÊS E AS TAXAS DE JUROS NOMINAIS NEGATIVAS

2.4 TRANSMISSÃO PARA OUTROS MERCADOS

Como primeiro movimento após a implementação da NNIR policy podemos destacar a forte retração do money market de maneira agregada. Tanto as taxas do call market com e sem colateral quanto do repo market rapidamente se tornaram negativas.

As transações overnight sem colateral caíram, primeiramente, devido às dificuldades técnicas para operacionalização das taxas negativas (Boj, 2016c, p.5), passando de um volume de aproximadamente ¥ 6 trilhões em 2015 para ¥ 2,7 trilhões em fevereiro/2016. Por outro lado, as operações de arbitragem entre os tiers das reservas bancárias foram responsáveis pela manutenção do funcionamento do mercado – levando inclusive a um aumento do montante transacionado neste mercado para ¥ 6 trilhões em outubro/2017. Segundo BoJ (2017d), o aumento do volume pode ser

atribuído a: i) ajuste dos sistemas de TI; expansão das operações de arbitragem devido a um forte influxo de recursos para instituições financeiras devido ao vencimento de JGBs. Quanto ao sistema de TI, segundo BOJ (2016c), apenas 30% das instituições financeiras teriam adaptado seus sistemas de TI antes da implementação da NNIR. O número de instituições que afirmaram ter atualizado seus sistemas passou de 60% em 2016 para 74% em 2017 (ibid, p.7). Outro fator importante seria a presença mais ativa de alguns regional banks, que não costumavam operar neste mercado, mas foram estimulados pela arbitragem proporcionada pelo three tier system (Shirai, 2017).

Já o call market com colateral teria sido um dos mercados mais impactados pelas taxas negativas. O montante de transação foi de ¥ 14 trilhões no final de janeiro/2016 para ¥ 1,7 trilhão em fevereiro do mesmo ano; mantendo-se abaixo de ¥ 3 trilhões até o momento. Tipicamente, operadores deste mercado obtinham colaterais no mercado de GC repo e tomavam recursos no call market com estes títulos (usualmente JGBs). Como a taxa de juros GC repo market se tornou muito negativa, o custo de utilizar estes títulos como colateral se tornou muito elevado, minando a lucratividade destas operações (Shirai, 2017, p.72).

Por outro lado, o mercado de GC repo chegou inclusive a expandir o volume de operações. O BoJ (2016c) apresenta quatro justificativas para este movimento. De antemão, enquanto restrições de TI impediam a realização de operações com taxas negativas no call market sem colateral, muitas instituições financeiras conseguiam realizar estas operações por meio das repo sem atualizar seus sistemas. Em segundo lugar, as taxas do das GC repo se tornaram mais negativas do que as taxas do mercado overnight. Desta forma, instituições que visavam as operações de arbitragem obtinham mais lucro caso tomassem recursos neste mercado50. Uma justificativa para o fato das

taxas serem mais negativas neste mercado seria a escassez de JGBs, de modo que os agentes que possuem estes títulos em sua carteira podem barganhar ao cedê-los como colateral, obtendo financiamento mais barato (Shirai, 2017, p.72). O terceiro motivo consistia na possibilidade de transacionar maiores volumes neste mercado: como havia mais agentes interessados em tomar recursos via GC repos, instituições sujeitas ao policy

50 Diferença entre taxas de captação (negativa) e taxa nula do macro add-on balance.

rate balance acabavam se voltando a este mercado para se “livrar” dos recursos em excesso. Por fim, o quarto motivo para o elevado montante de transações seria devido a investidores estrangeiros. Estes investidores convertiam ativos denominados em dólar para yen e, em um segundo momento, aplicavam este montante no mercado de GC repo. Mesmo que as transações repo envolvam taxas negativas, caso as taxas de juros de conversão dólar-yen sejam mais negativas a diferença entre elas acaba tornando a operação lucrativa. Em outras palavras, a ampliação do prêmio de financiamento em dólar (dollar funding premium), obtendo yen a um custo mais baixo, estimulou a presença de investidores estrangeiros neste mercado. A maior presença de fluxos de capitais externos também seria a causa para que ampliação do spread entre a taxa de juros deste mercado e a do call market sem colateral51.

O outro segmento de mercado das repo, que discriminam o colateral envolvido na operação (SC repo), decresceu em 2016. Segundo BoJ (2016c), isto se deu pela menor necessidade de recursos por parte de intermediários financeiros, principalmente corretoras especializadas no curto prazo (tanshi companies). Frente à deterioração do mercado de títulos públicos que será tratada mais adiante, “securities companies held back from taking short positions in cash bonds, thereby reducing the need for borrowing bonds in SC repo transactions to cover short positions” (ibid, p.8). Em 2017, o volume de transações cresceu, ainda que sem recuperar o nível de 2015, devido às operações de arbitragem: o fato das taxas serem mais negativas que em outros mercados estimulou a busca destas operações por agentes com gap em suas reservas.

Finalmente, as últimas duas operações de curto prazo seriam os commercial papers/certified deposits (CP/CD) e as T-Bills. Ambos mercados sofreram forte retração de volume, visto que estes títulos eram amplamente utilizados no atrofiado call market com colateral. Em relação aos títulos privados, o menor volume se deve à dificuldade de encontrar aplicações com taxas positivas, dificultando o financiamento por meio destes títulos, cuja taxa oscilava em torno de zero. No entanto, em 2017 o volume de emissão de CP/CDs cresceu levemente. Segundo BoJ (2017d), “due to an increase in issuance by business companies, leasing companies and non-banks” (p.8), mas sem detalhar os

51The repo market has also experienced capital inflows from foreign investors in search of safe-

haven assets. Consequently, the spread between the repo rate and the uncollateralized call rate has widened moderately” (BoJ, 2017a, p.10)

motivos para tanto. O mercado de T-Bills também teria apresentado uma leve recuperação em 2017, visto que suas taxas cresceram um pouco, se situando em torno de 0,1% negativo (entre julho e dezembro de 2016 estavam oscilando em torno de 0,6% e 0,8% abaixo de zero). É importante destacar que as T-Bills são retidas muito mais por investidores estrangeiros do que locais. Os programas mais agressivos de QQE iniciados em 2013 dão início a este processo, que se potencializa com a NNIR – a razão entre investidores estrangeiros e nacionais passa de algo em torno de 35% em 2013 para em torno de 55% no final de 2016. Portanto, também há correlação entre o mercado cambial e o mercado de T-Bills, o que destacado pelo próprio BoJ:

“A closer look indicates that yields on T-bills have occasionally fallen

deeper into negative territory, linked with developments in FX swap- implied yen rates. As background to these developments, foreign investors who have supplied foreign currencies in markets such as the FX swap markets have increased their yen holdings and have strengthened their investment stance in the T-bill market” (BoJ, 2017a, p.10)

Conforme apontado anteriormente, estes movimentos são causados principalmente por sua relação com o mercado cambial. Podemos notar na figura 9 que há um movimento de apreciação da taxa yen/dólar em 2016, justificado em parte pelas incertezas causadas pelo Brexit: como o yen seria uma das moedas do topo da hierarquia monetária, em momentos de incerteza envolvendo o Euro sua demanda aumenta.

Figura 9 – Taxa de Câmbio Yen/Dólar à vista, final do período (2014-2017)

Fonte: BoJ. Elaboração própria.

As operações em dólares são realizadas por meio de transações reversas entre o mercado de câmbio à vista e no mercado futuro: investimentos em ativos estrangeiros são contraposto com um derivativo inverso (FX swap) buscando eliminar o risco cambial,

90, 100, 110, 120, 130, 2014 2015 2016 2017

em que o yen é utilizado como colateral. Na outra ponta, instituições financeiras não- japonesas mundo afora tem interesse nestas operações devido ao excesso de liquidez e lucratividade das taxas envolvidas. Com isso, ao receber yen na transação de swap, buscam títulos seguros e de curto prazo para aplicarem estes recursos – é exatamente este movimento que causa o aprofundamento da presença estrangeira nas T-Bills52.

Em discurso realizado na “International bankers association of Japan”, Nakaso (2017), representante do BoJ, discute a relação do FX swaps market com bancos e outras instituições financeiras japonesas. Na verdade, o fato do Federal Reserve (Fed, Banco Central norte-americano) ter abandonado seu programa de QE em 2014 enquanto Japão e Europa mantiveram e intensificaram seus programas de política monetária teria iniciado transformações relevantes para o mercado de câmbio futuro mundo afora. Com taxas de juros muito baixas e recentemente negativas, instituições financeiras e investidores japoneses expandiram suas aplicações em ativos denominados em dólar. Paralelamente a estes investimentos, a demanda por cobertura cambial (hedge) no mercado de câmbio futuro também aumentou53.

Segundo o autor, este mesmo movimento teria ocorrido em outros episódios, como no início de 2000, quando as políticas monetárias não convencionais japonesas divergiam da atuação do Fed. No entanto, enquanto no passado a diferença entre a taxa da operação cambial no mercado futuro (troca de yen por dólar por meio de swaps) e a taxa da operação cambial no mercado interbancário (compra de dólares no mercado à vista), chamada de US dollar funding premia, não teria aumentado significativamente devido a operações de arbitragem entre estes dois mercados, no contexto recente a discrepância entre políticas monetárias tem impactado o US dollar funding premiums, que vem aumentando significativamente desde 2014 (figura 10).

52“Taking the other side of that swap are non-Japanese institutions with the profitable combination

of idle dollars and counterparties willing to pay for them. When they receive yen as part of the swap transaction, they strongly favour investing them in three-month T-bills, creating an ever-sharper appetite for that asset class” (FT, 2017).

53 “The pattern of behavior suggests that recent monetary policy divergence is encouraging Japanese

and European financial institutions to invest in dollar financial assets and contributing to tighter market conditions in the FX swap market” (Nakaso, 2017, p.4)

Figura 10 – US$ Dollar Funding Premium: Diferença entre taxa de swap cambial e operação cambial no mercado à vista (2007-17)

Fonte: BoJ (2017c)

Dentre as diferenças entre os dois períodos destaca-se o fato de que as regulações impostas recentemente, como exigência de capital, paralelamente ao o fim do QE e outros programas no EUA estariam reduzindo os espaços para arbitragem (entre as operações no mercado interbancário norte-americano e o FX swaps market) e, consequentemente, permitindo que os custos de operações cambiais no mercado de câmbio futuro aumentem54. Seria exatamente este movimento que induziu investidores

estrangeiros a adquirirem T-Bills: mesmo que possuam taxas baixas ou até mesmo negativas, a lucratividade crescente de operações cambiais no mercado futuro e sem risco cambial fazia com que os yens utilizados como colateral nos FX swaps fossem aplicados nestes títulos de curto prazo. Mais recentemente, em outubro de 2016 a chamada de Money Market Reform (MMR) entrou em vigor, uma nova regulação que introduziu componentes adicionais para o mercado de câmbio futuro, com implicações relevantes para bancos e instituições financeiras japonesas.

54“Recently introduced financial regulations, such as the leverage ratio, which have the effect of

increasing capital requirements for balance sheet expansion relative to the more traditional risk- based capital ratio, seem to be dampening arbitrage trading. More specifically, even when the swap market conditions tighten due to monetary policy divergence between the Unites States and Japan, U.S. banks and others that used to provide dollars are not prepared to increase the supply of dollar funds because of higher costs for arbitrage trading” (Nakaso, 2017, p.4).

Além de incrementar os custos de arbitragem entre o mercado monetário norte- americano (taxa Libor) e o FX swaps market, a MMR dificultou que fundos norte- americanos (money market funds) adquirissem commercial papers e certified deposits de bancos japoneses (o que se soma às motivações para queda da emissão desses títulos em 2016). Com isso, bancos e instituições financeiras japonesas passaram a ter dificuldade de obter funding de dólares fora do mercado de câmbio futuro e suas taxas elevadas. Os city banks conseguiram reorganizar suas fontes de captação de dólares por meio de depósitos (cliente related deposit). Segundo Nakaso (2017), este movimento só foi possível pelo fato de que a demanda por ativos considerados seguros estaria em níveis extremamente elevados. Antes da MMR, os fundos norte-americanos que investiam em commercial papers/certified deposits perderam espaço em relação a fundos que investem em títulos norte-americanos; a expansão de demanda por estes fundos reduziu os yield e aumentou o preço de títulos públicos dos EUA. Paralelamente, os preços elevados de T-Bills levaram investidores a buscarem uma alternativa para alocação de portfólio considerada “segura”: títulos de dívida emitidos por bancos japoneses ganham relevância55. Por outro lado, instituições financeiras não teriam este

funding alternativo, mantendo a demanda por hedge no mercado de câmbio futuro mesmo que a taxas mais altas.

Em 2017 o dollar funding premium teria se reduzido em função da menor demanda por títulos estrangeiros: “this is mainly because Japanese financial institutions' dollar funding needs have declined as a growing number of them have restrained foreign bond investments” (BoJ, 2017d, p.9). Por mais que não tenhamos encontrado uma justificativa explicita por parte do BoJ, provavelmente esta retração está relacionada com as perdas causadas pelos investimentos no exterior devido à variação das taxas internacionais no final de 2016. Paralelamente, podemos notar que a demanda por T- Bills por parte de investidores estrangeiros também se reduziu em 201756.

55“That is, while prime MMFs [Money market funds norte-americanos] have become less attractive

as safe assets, an increase in demand for U.S. government debt without a concomitant increase in supply could also lead to an increase in safe debt issued by financial intermediaries” (Nakaso, 2017, p.7)

56 “Foreign investors, who are lenders of U.S. dollars (borrowers of Japanses yen) in the FX swap

Explicitamente em relação ao efeito das taxas de juros negativas na relação entre o mercado de câmbio futuro e a presença de investidores estrangeiros no mercado de títulos públicos japonês, podemos separar a análise em dois períodos. Até outubro de 2016, a operação tinha se tornado mais lucrativa para investidores estrangeiros, aumentando sua presença nas T-Bills e outros títulos, enquanto instituições japonesas e investidores buscaram refúgio das taxas negativas ao investirem em títulos estrangeiros. Consequentemente, operações de FX swaps se expandem, por serem lucrativas (bancos estrangeiros, ofertando US$) e garantirem proteção cambial (bancos e instituições japonesas). Após outubro/2016, o aumento das taxas de juros internacionais tornou a operação menos lucrativas para bancos ofertantes de dólar, reduzindo a compra de T-Bills (e, consequentemente, aumentando seus yields, que se aproximam da policy rate). Por outro lado, após sofrerem com a desvalorização de ativos denominados em dólares no final de 2016, instituições japonesas se tornaram mais avessas a investirem no exterior. Tal movimento também justifica o aumento da demanda por depósitos de bancos japoneses.

Considerações finais

A explanação da institucionalidade do sistema financeiro japonês, destacando suas principais instituições e mercados, teve como intuito permitir uma análise mais detalhada sobre os distintos efeitos das taxas de juros nominais negativas. Podemos notar que a NNIR policy não consiste em “uma” política isolada de taxas de juros negativas; na verdade, soma-se ao conjunto de outras políticas, com destaque para a intensificação do programa de compra de ativos públicos e privados.

Em relação à resposta dos principais agentes do mercado financeiro, podemos notar uma clara distinção entre os efeitos sobre city banks e outras instituições. Os grandes bancos conseguiriam gerir de maneira mais eficiente suas reservas junto ao BoJ, evitando as taxas de juros negativas. Por outro lado, bancos regionais e outras instituições tiveram dificuldades para lidar com o excesso de liquidez, muito por conta do menor acesso a ativos denominados em dólar. Conforme apresentado, o

funding premiums and consequently have reduced their demand for yen-denominated safe assets” (BoJ, 2017d, p.9).

encarecimento da obtenção de funding cambial no mercado de câmbio futuros por questões além da NNIR acaba se exacerbando e penalizando estas instituições, enquanto os grandes bancos têm acesso a fontes alternativas de funding. Ao considerarmos os distintos impactos de acordo com as características de cada instituição permite verificarmos alterações quanto a estrutura do sistema bancário, induzindo à concentração uma composição historicamente pulverizada e com aspectos regionais.

Quanto à transmissão das taxas negativas, podemos considerar os mecanismos são similares ao período prévio de taxas positivas e “the introduction of modestly negative policy rates does not appear to have affected the functioning of money markets much” (Bech e Malzohov, 2016, p.7), visto que o principal mecanismo de transmissão da NNIR é a arbitragem. A diferenciação dentre os diferentes efeitos se deve pelas especificidades de cada mercado: seja pelo fato da busca por um colateral para utilizar em outro mercado (interação entre call market sem colateral e GC repo), seja pela presença investidores estrangeiros (como no mercado de T-Bills).

Especificamente em relação à arbitragem, podemos destacar três principais motivações: i) instituições com gap em suas reservas com taxa nula/positiva tomando recursos a taxas negativas, obtendo lucro ao ocupar espaço em suas reservas; ii) instituições sujeitas à policy rate aplicando recursos em mercados com taxas negativas, mas maiores do que 0,1% negativo. Outro movimento de arbitragem crucial ainda não abordado seria a busca de rendimentos positivos em títulos com taxas mais longas – arbitragem ao longo da curva de juros. Além de reduzir os yields de títulos públicos de longa maturação, inclusive abaixo de zero dependendo do prazo de maturação do título, há outros desdobramentos colaterais que consideramos essenciais para análise dos efeitos da NNIR. Por este motivo, tanto o mercado de títulos públicos quanto o mercado acionário serão abordados no próximo capítulo, em que além da transmissão das taxas destacaremos também seus principais efeitos.

Capítulo 3 – Efeitos macroeconômicos da política de

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