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“O poder está dentro de você enquanto você acreditar.” (Fernando Lapolli)

2.3 Transportador de Glicose GLUT

Em mamíferos, a oxidação da glicose é responsável pela maior fonte de energia metabólica celular. A membrana plasmática é impermeável a moléculas polares como a glicose, necessitando assim de proteínas carreadoras para transportá-las para o meio intracelular (BELL et al., 1990; OLSON; PESSIN, 1996; BROWN, 2000).

A glicose entra na célula através de dois tipos de proteínas carreadoras: os transportadores de glicose ligados ao íon sódio (SGLT) e os facilitadores de transporte de glicose (GLUT). Os SGLT transportam glicose acoplando sua captura com a do sódio (BELL et al., 1990; SCHEEPERS et al., 2004). O GLUT funciona regulando o movimento bilateral da glicose entre os espaços extra e intracelular, assegurando que um suprimento constante de glicose circulante esteja disponível para o metabolismo através de difusão facilitada (OLSON; PESSIN, 1996). A difusão facilitada é uma forma de transporte passivo no qual a proteína carreadora facilita a passagem de moléculas, se prendendo quimicamente a elas e transportando-as através da membrana (GUYTON; HALL, 1996).

A família do GLUT é composta por 14 tipos: GLUT-1 ao GLUT-12, transportador H+/ligado ao mio-inositol (HMIT) e o GLUT-14. Essas proteínas diferem entre si na expressão tecidual, na função, na especificidade de substrato, nas características cinéticas e apresentam mecanismos de regulação diferentes (ZHAO; KEATING, 2007). Todas as isoformas possuem 12 segmentos transmembrana, hidrofóbicos, inseridos na porção lipídica da membrana plasmática, cujos aminoácidos formam alfa hélices. Os segmentos transmembrana estão ligados por alças de conexão e as terminações amino (NH2) e carboxi-terminal (COOH) localizam-se no meio

intracelular. Nos GLUTs, as seqüências transmembrânicas são muito homólogas, enquanto as alças de conexão e as terminações são altamente heterólogas, determinando as especificidades de cada isoforma (Figura 4) (MACHADO; SCHAAN; SERAPHIM, 2006).

O GLUT-1 é uma proteína de 45-55 kD, localizada no cromossomo 1 (1p35- p31.3) que apresenta um modelo conformacional de doze segmentos transmembrana α- hélice, um amino e um carboxi-terminal intracelular, um grande “loop” intracelular e um sítio de N-glicolisação no primeiro “loop” extracelular (KLEPPER; VOIT, 2002).

A expressão deste gene é supra-regulada por uma variedade de agentes e condições: fatores séricos e de crescimento, transformação oncogênica, ionóforos de cálcio, hormônio da tireóide; e em resposta a redução na concentração externa de glicose, hipóxia e inibição da fosforilação oxidativa (BEHROOZ; ISMAIL-BEIGI, 1999; BURSTEIN et al., 2006).

Mendes et al. (2010) relataram que a expressão do GLUT-1 na superfície celular pode ser mediada pela porção NH2-terminal de uma proteína kinase, WNK1, a qual é

responsável pela fosforilação e interação com a fosfoproteína TBC1D4. Em seguida, o complexo formado se liga a proteína 14-3-3, resultando na inativação da GTPaseRab8A. Uma vez a atividade GTPase inativada, observa-se a ativação da proteína Rab8A indicando, portanto, um maior estímulo para atividade glicolítica e crescimento celular, por estimular à uma maior liberação de GLUT-1 do endossoma para o meio intracelular (Figura 5).

Figura 4. Estrutura bidimensional da proteína transportadora de glicose por

difusão facilitada (GLUT). Fonte: Machado, Schaan, Seraphim (2006).

Membrana plasmática

O GLUT-1 é normalmente expresso em eritrócitos, perineuro, microvasos do cérebro (barreira hemato-encefálica), centros germinativos de tecidos linfóides reativos, células trofoblásticas e microvasos da placenta e túbulos renais. (YOUNES et al., 1997). Todavia, a sua superexpressão tem sido observada em uma série de lesões tumorais (mama, pulmão, fígado, estômago, ovário, pele, cabeça e pescoço) como passível de utilização para informação diagnóstica e prognóstica (KUNKEL et al., 2003; MORI et al., 2007).

Segundo Luo, Zhou e Fan (2010), as opções de tratamento para o carcinoma da laringe consistem de radioterapia, cirurgia, quimioterapia ou uma combinação dos dois. Entretanto, o tratamento do carcinoma de laringe representa, ainda, um desafio considerável por causa de sua resistência à quimioterapia e radioterapia e sua tendência à recorrência local. Encontrar alternativas de inibir o fornecimento de energia aos tumores malignos de cabeça e pescoço está se tornando uma proposição cada vez mais investigada. Com isso, o GLUT-1, codificado pelo gene SLC2A1, é o principal transportador de glicose em carcinomas sólidos e vem se tornando um foco de estudo. Recentemente, foi demonstrado que a expressão aumentada de SLC2A1 em carcinomas de cabeça e pescoço estava correlacionada com metástase linfonodal, à baixa taxa de sobrevida e estágio clínico elevado. Assim, os autores propõem a supressão da expressão desse gene como um novo alvo terapêutico para o carcinoma da laringe.

Figura 5. Proteína kinase WNK1 promove expressão do GLUT-1 na

superfície celular pela regulação da fosfoproteína TBC1D4. Fonte: Mendes et al. (2010).

Membrana plasmática

Compartimento de armazenagem

A forte expressão do GLUT-1 em neoplasias é observada em condições em que as células necessitam da via glicolítica anaeróbica como fonte de energia durante a isquemia ou hipóxia tecidual que ocorrem como conseqüência de um fornecimento insuficiente de O2 pelo sangue, resultante de uma rede vascular tumoral desestruturada.

Portanto, a hipóxia tumoral induz uma superexpressão de genes específicos associados ao crescimento e progressão tumoral, como o GLUT-1, CA-IX e o VEGF os quais podem ser controlados pelo HIF-1 (AIRLEY et al., 2003; KUNKEL et al., 2003; AHOBA et al., 2010 ).

Como já relatado, o HIF-1α, GLUT-1 e CA-IX podem ser considerados como marcadores intrínsecos de hipóxia para diversas lesões tumorais. Entretanto, têm sido identificada a superexpressão do GLUT-1 induzida pelos oncogenes Ras e Src (FLIER et al., 1987), não estando, portanto, relacionado diretamente à hipóxia. Consistente com estes últimos achados, Pedersen et al. (2001), relataram o efeito independente de hipóxia do GLUT-1 sobre a resistência a radiação em pequenas células de câncer de pulmão, devido ao papel fundamental da glicose na regulação da sobrevivência celular e apoptose.

Mineta et al. (2002), analisando 99 casos de carcinoma hipofaringeal evidenciaram uma forte imunoexpressão do GLUT-1 em 46% dos espécimes, os quais estavam correlacionados com a taxa de sobrevida de 5 anos nas lesões que se encontravam estágio III e IV, porém não foi possível estabelecer uma associação estatisticamente significativa com gênero, gradação histológica, tamanho do tumor e estágio linfonodal.

No ensaio realizado por Kato et al. (2002), foram evidenciados que dos 95 casos estudados de carcinoma esofágico, 51,6% (> 30% das células neoplásicas imunomarcadas) dos espécimes imunoexpressos pelo GLUT-1 revelaram uma correlação com o estágio tumoral (p < 0,0001), estágio linfonodal (p < 0,005), metástase à distância (p < 0,01) e gradação histológica (p < 0,0001). Adicionalmente, nas lesões que apresentaram imunoreatividade positiva, os pacientes alcançaram uma taxa de sobrevida menor, quando comparado com os tumores não imunoreativos. Assim, os autores inferem que o GLUT-1 pode ser um marcador útil para análise de agressividade e como critério de prognóstico nos carcinomas esofágicos.

Adicionalmente, Tohma et al. (2005) asseguraram, em um ensaio de 63 casos de carcinoma esofágico, que a taxa de sobrevida em 5 anos para pacientes com forte imunoexpressão para o GLUT-1 foi significativamente menor do que em pacientes com fraca expressão (p < 0,01). A análise estatística revelou que o risco relativo de morte para pacientes com forte marcação era 2,02 vezes maior que em pacientes com fraca expressão (p = 0,064), sugerindo, com isso, um possível valor preditivo independente do GLUT-1 para prognóstico.

Li et al. (2008), ressaltando a importância da expressão do GLUT-1 como preditor de prognóstico em 25 casos de CE de cabeça e pescoço, constataram que a expressão imuno-histoquímica dessa molécula era significantemente mais fraca nas lesões primárias e bem diferenciadas quando comparada com os tumores recorrentes (p = 0,03) e indiferenciados (p = 0,02).

De forma consensual, Ogane et al. (2010), analisando 96 casos de carcinoma esofágico, constataram que a intensa imunoexpressão membranar e nuclear do HIF-1α e do GLUT-1, respectivamente, estavam correlacionados com a taxa de sobrevida livre de doença, taxa de sobrevida global e com a metástase linfonodal regional. Os autores ressaltam que esses marcadores de hipóxia poderiam ser úteis para prever o desfecho clínico dos carcinomas esofágicos.

Analisando a imunoexpressão do GLUT-1, -2, -3 e 4 em 24 espécimes de displasias epiteliais em graus variados, 19 casos com metástase linfonodal e 40 espécimes de CE de cabeça e pescoço, Reisser et al. (1999) evidenciaram a forte expressão do GLUT-1 nos estágios avançados de displasia, em carcinoma in situ e metástase linfonodal. A imunoexpressão era fortemente evidenciada na periferia das ilhas tumorais dos carcinomas e ausente no centro, onde havia uma maior quantidade de células diferenciadas e ricas em glicogênio. Em contrapartida, houve ausência de marcação do GLUT-2, -3 e 4 em todas as lesões analisadas. Os autores constataram que o GLUT-1 poderia ser um marcador confiável de prognóstico em lesões potencialmente malignas da região orofaríngea.

Johann et al. (2007), buscando o diagnóstico diferencial entre o hemangioma (HEM) para a malformação vascular (MV) e o granuloma piogênico (GP), investigaram a imunoexpressão do GLUT-1 em 14 casos de HEM, 48 GP e 17 MV, observaram que

nenhum dos casos de lesões vasculares benignas da cavidade oral foi imuno-positivo para GLUT-1. Os 19 casos diagnosticados inicialmente como HEM de cavidade oral mostraram negatividade para GLUT-1, sendo reclassificados como GP ou MV. A análise histológica não foi suficiente para concluir o diagnóstico de HEM pelo fato de nenhum desses ser HEM verdadeiro. Todos os casos com classificação inicial de GP e MV foram imuno-negativos para esta proteína, o que demonstrou a eficácia da análise histológica para estas lesões orais. Portanto, os autores asseguraram que o GLUT-1 é um marcador efetivo para auxiliar no diagnóstico das lesões vasculares benignas da cavidade oral.

Mori et al. (2007), avaliaram que o nível de GLUT-1 mRNA, detectado pela técnica RT-PCR, nos tumores de glândulas salivares benignos (38) foi significantemente menor em relação as lesões malignas (49). Nos tumores malignos, a expressão do GLUT-1 estava relacionada com o tamanho do tumor (p < 0,002) e metástase à distância (p < 0,007). Já a taxa de sobrevida estava vinculada com metástase para os nódulos linfáticos (p < 0,042) e a expressão do GLUT-1(p < 0,022). Portanto, esses resultados sugerem que esse marcador de hipóxia pode auxiliar na informação prognóstica dos pacientes acometidos por carcinomas de glândulas salivares.

Sallas et al. (2008), analisando a aplicabilidade do GLUT-1 nas lesões de nervos periféricos da cavidade oral, utilizando uma amostra de 15 casos de neuromas traumáticos, 11 neurofibromas, 4 neurilemomas e 4 lesões malignas da bainha de nervos periféricos, evidenciaram que as lesões benignas foram positivas na imuno- histoquímica para GLUT-1, exceto em dois (18,2%) casos de neurofibromas. No neuroma traumático, o perineuro foi imumnopositivo para GLUT-1. Nos neurofibromas, a imunorreatividade foi heterogênea, sendo verificada nos níveis de 54,5% na periferia da lesão, 9,1% no centro e 18,2% em ambos. O neurilemoma demonstrou imunopositividade na cápsula. Apenas um caso do tumor maligno apresentou marcação homogênea positiva nas ilhas tumorais, incluindo as estruturas perineurais. Os autores suportam que o GLUT-1 poderia ser útil como marcador de células perineurais, bem como ser incluído para auxíliar no correto diagnóstico de lesões da bainha de nervos periféricos.

Demasi et al. (2010), buscando uma perspectiva para o entendimento do metabolismo energético celular de 26 casos de carcinoma mucoepidermóide, através da

utilização de imunomarcadores associados com a glicólise e a fosforilação oxidativa, relataram que a peroxiredoxina I foi expressa na maioria dos casos, independente da gradação histológica das lesões. Em contra partida, o GLUT-1 foi significantemente mais fortemente expresso nas neoplasias com comportamento mais agressivo. Estes resultados sugerem que a fosforilação oxidativa poderia contribuir para o fornecimento de ATP em todos os estágios da lesão e que a glicólise anaeróbica atuaria no crescimento tumoral em uma baixa concentração de O2 pelo mecanismo de ação do

GLUT-1, o qual é estimulado em condições de hipóxia. Além disso, a peroxiredoxina I poderia fornecer uma proteção às células malignas contra ERO, os quais são oriundas da fosforilação oxidativa e do ciclo hipóxia-reoxigenação. Outrossim, os autores acreditam que o GLUT-1 e a peroxiredoxina I constituem uma das estratégias adaptativas para o crescimento e progressão tumoral em um ambiente com grande instabilidade de oxigenação.

Kunkel et al. (2003), enaltecendo o mecanismo do metabolismo da glicose no crescimento e desenvolvimento tumoral em 118 espécimes de CEO, concluíram que a imunoexpressão do GLUT-1 era mais fraca nos indivíduos com taxa de sobrevida superior a 138 meses quando comparado com os pacientes com taxa de 60 meses (p = 0,0034). Além do mais, aqueles pacientes que apresentaram uma resposta negativa a radiação pós-operatória obtiveram uma forte expressão, constatando, portanto, uma alta atividade glicolítica nessas lesões.

Corroborando com seus achados, Kunkel et al. (2007) avaliando a correlação da expressão imuno-histoquímica do GLUT-1 com a radioresistência em CEO constataram, em 40 espécimes teciduais, que os tumores que apresentaram uma imunomarcação superior a 65% eram resistentes a radiação (p = 0,023) e a taxa de sobrevida era maior naquelas lesões que evidenciaram uma fraca expressão, confirmando, assim o valor significativo de prognóstico do GLUT-1 na radioresistência tumoral.

Oliver et al. (2004), objetivando correlacionar os aspectos clínicos de 54 casos de CEO tratados cirurgicamente, através da imunoexpressão do GLUT-1, verificaram que a forte expressão dessa proteína estava associada com a alta taxa de recidiva (p = 0,032), metástase linfonodal (p = 0,005), bem como com o número de mortes relacionado a doença. Os autores acreditam que a intensa marcação do GLUT-1 poderia

ser utilizada para predizer a necessidade de quimioradioterapia nos pacientes acometidos pelo CEO.

Choi et al. (2007), objetivando analisar a importância do GLUT-1 como adjuvante no critério de diagnóstico e na estratégia de tratamento do CEL verificaram, em sua pesquisa de 60 casos, que a forte imunoexpressão do GLUT-1 estava associada com a localização primária da lesão, metástase para os linfonodos regionais e estágio tumoral (p < 0,05). Evidenciaram, ainda, que o marcador de proliferação celular, Ki-67, estava correlacionado com a expressão do GLUT-1 e que a taxa de sobrevida dos grupos com imunomarcação forte foi inferior, quando comparado com as lesões fracamente marcadas.

Eckert et al. (2008) observaram, em uma amostra de 42 casos de CEO, que 32 lesões tiveram uma fraca ou ausência de marcação para o GLUT-1, enquanto que 10 amostras obtiveram uma expressão de moderada a forte. Assim, na análise multivariada, os pacientes cujos tumores tiveram uma moderada a forte expressão para o GLUT-1 possuíam um risco 4,9 vezes maior de morte relacionada ao tumor, em comparação com os outros pacientes.

Adicionalmente, Ohba et al. (2010) investigaram a expressão imuno- histoquímica do GLUT-1 em 24 casos de CEO e observaram que a intensa marcação estava associada a áreas de front de invasão, profundidade do tumor (p < 0,023) e a taxa de sobrevida, sugerindo um pior prognóstico (p < 0,046), porém os autores não puderam inferir uma relação da expressão dessa proteína com os parâmetros idade, gênero, tamanho do tumor e estágio linfonodal.

Segundo Ayala et al. (2010), analisando as características clínico-patológicas de 142 casos de CEO de acordo com o padrão de expressão do GLUT-1 e GLUT-3, verificaram que a expressão do GLUT-1 apresentou uma associação significativa com o consumo de álcool (p = 0,004) e um padrão de marcação membranar forte em 50,3% dos casos. Por sua vez, a expressão nuclear foi observada em 49,7% dos casos analisados. A expressão do GLUT-3 foi detectada em 21,1% dos casos e sua marcação membranar estava associada com o avanço do estadiamento clínico dos tumores (p = 0,005), com a menor taxa de sobrevida livre de doença (p = 0,021), bem como com a embolização vascular (p = 0,005). Assim, inferiram que as expressões das proteínas

GLUT-1 e GLUT-3 são, significativamente, as indicadoras de pior prognóstico em CEO, provavelmente devido ao maior metabolismo glicolítico das células neoplásicas.

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