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3.4 A que serve esta resiliência? A resiliência das mulheres e periferias

4.2.3 Tratamento e análise das narrativas

A análise dos resultados do trabalho foi pautada na hermenêutica filosófica, a qual pode ser definida como uma ciência que trata da interpretação de textos, e de como essa interpretação deve ser realizada (Schmidt, 2014).

A hermenêutica como hoje conhecida, ou seja, a hermenêutica moderna, surge quando Friedrich Schleiermacher propõe a criação de uma hermenêutica universal utilizando os diferentes métodos de interpretação, as diferentes teorias hermenêuticas, já existentes à época.

Schleiermacher define a hermenêutica como a arte, isto é, o saber fazer, da compreensão. A esta definição estava ligado um conjunto de regras que compunham o que Schleiermacher propunha como a metodologia da hermenêutica (Schmidt, 2014). Nesta perspectiva, a linguagem, enquanto um conjunto de gestos e sinais que funcionam como uma esquematização da experiência, é essencial à interpretação. Deste modo, para Schleiermacher, por meio de uma linguagem comum entre orador e ouvinte, o intérprete pode compreender o que o autor quis dizer. Schleiermacher posteriormente destaca ainda, na sua concepção sobre a hermenêutica, a reconstrução do processo criativo, destacando a interpretação psicológica (Schmidt, 2014).

Apesar do intuito de Schleiermacher de propor uma hermenêutica universal, outros teóricos seguiram pensando a hermenêutica a partir de outros olhares. Dilthey, outra figura importante na história da hermenêutica, expande a tarefa hermeneuta da reconstrução para incluir a compreensão nas Ciências Humanas. Heidegger, por sua vez, designa à hermenêutica a tarefa de integração advinda da realização de Dasein que está relacionada ao movimento de compreensão. Em seguida, Gadamer apresenta uma crítica ao romantismo e à possibilidade a- histórica no exercício hermenêutico, presente nas visões anteriores, tendo em vista que quem compreende, ou seja, o historiador, está marcado também pela história que conta, o que significa que está dentro do círculo hermenêutico da compreensão e não pode dele escapar. (Schmidt, 2014).

Gadamer desenvolve sua teoria da compreensão a partir da descrição ontológica heideggeriana das estruturas prévias da compreensão, as quais define como preconceitos, os quais podem ser legítimos ou ilegítimos – estes últimos sendo aqueles que não levam à compreensão. Gadamer explica ainda de que maneira justificamos nossos preconceitos no evento da compreensão, ressaltando a autoridade da tradição, a qual pode comportar muitos dos preconceitos legítimos. Por fim, a compreensão, para Gadamer, faz-se na fusão de horizontes,

ou seja, fusão de amplitudes de visão. Neste processo, o horizonte do intérprete se expande para que possa incluir um horizonte diferente do seu, do outro, do projetado no passado (Schmidt, 2014).

Em uma proposta recente, que inegavelmente bebe das anteriormente citadas, Bicudo (2011a) destaca que a investigação hermenêutica consiste em um movimento de compreensão por meio da abertura aos sentidos e significados do expresso pela linguagem. Nesta perspectiva, não se trabalha a partir de teorias e pressupostos previamente conhecidos.

Para a mesma autora, toda experiência vivida, que se estrutura enquanto fenômeno pelos atos da consciência, quando expressa pela linguagem, solicita enxertos hermenêuticos à sua compreensão. Bicudo (2011a) destaca que a linguagem lança o percebido pelo sujeito de forma definitiva na realidade intersubjetiva e objetiva, esta última entendida como “tecida em redes de significados que fazem sentido e são tomados, na esfera da intersubjetividade, como significativos e válidos para os contextos histórico-culturais aos quais se referem” (Bicudo, 2011, p. 47).

Destaca-se a importância da busca por compreensões que vão além dos modos cotidianos de interpretar a linguagem, fugindo de interpretações imediatas, pragmáticas (Bicudo, 2011). Segundo a autora:

A análise hermenêutica de textos escritos em linguagem proposicional foca em palavras ou sentenças que dizem e o modo de dizer no contexto interno e externo ao próprio texto. Uma prática importante dessa análise é destacar as palavras que chamam atenção em unidades de significado, ou seja, sentenças que respondem significativamente à interrogação formulada, e buscar pelas origens etimológicas, focando também o que querem dizer na totalidade do texto analisado e quais possíveis significados carregam no contexto do texto (Bicudo, 2011, p. 49).

Os textos formados a partir das descrições das experiências vividas pelo sujeito são uma totalidade que se destaca de um contexto, e trazem consigo “o dito pelo sujeito que relata a experiência como por ele sentida” (Bicudo, 2011, p. 50).

Com este norte, a análise compreendeu quatro passos: leitura ampla da transcrição de entrevistas; demarcação de unidades de sentido; estabelecimento das unidades de significado; associação das unidades de significado com categorias abertas, conforme processo descrito por Ribeiro (2014).

Neste processo, segundo Ribeiro (2014, p. 73), as unidades de sentido “normalmente são notadas diretamente na descrição, nas idas e vindas da leitura, à medida que o pesquisador percebe uma mudança significativa de sentido no texto”. As unidades de sentido são constituintes de um contexto, qual seja o do texto de transcrição, que esteve nesse passo sob análise preliminar da pesquisadora. As unidades de sentido não foram, portanto, destacadas deste contexto, mas serviram para elucidar as mudanças de sentido nessa primeira análise.

Deste primeiro processo partiu-se para o trabalho de elucidação das unidades de significado, “a partir de trabalho reflexivo e analítico do pesquisador, em linguagem condizente com a de seu campo de inquérito” (Ribeiro, 2014, p. 75). Neste passo, já puderam ser explicitados aspectos mais reveladores do fenômeno, à luz da perspectiva da pesquisadora. Os significados puderam então ser depurados, diante da totalidade dos contextos, intuindo ideias sobre o fenômeno investigado.

A convergência das unidades de significado pôde formar categorias abertas, como grandes regiões de compreensão sobre o fenômeno (Ribeiro, 2014). A articulação de unidades de significado e categorias abertas foi representada em rede de significados, como uma forma gráfica de exposição dos núcleos de ideias sem que fossem separados significações e significados, tentando dar conta da complexidade de articulação de sentidos nos textos a serem analisados (Bicudo, 2011).

Com atenção às características da Pesquisa Orgânica, a pesquisadora buscou atentar a atravessamentos de sentimento, a intuição, a sensação ou pensamentos, registrados no diário de

pesquisa, que se articulavam às narrativas das participantes. Tais anotações auxiliaram na composição de contexto para as narrativas das mesmas e, consequentemente, contribuíram para a análise (Clements, 2011).