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Tratamento de dados: análise de conteúdo

A pesquisa social tem acompanhado a evolução da humanidade e à medida que se distancia da visão positivista, associa e aperfeiçoa propósitos da pesquisa qualitativa, dentro do paradigma interpretativo. Isso acontece pelo entendimento do homem como um agente social que influencia e é influenciado pela organização social, dotado de percepções específicas da realidade, que permitem uma interpretação própria da sua realidade. Neste contexto, o processo no qual ocorre a interacção do agente e o fenómeno social, é atravessado por um emaranhado de conceitos e significados, construídos socialmente.

Para analisar tal processo levanta-se algumas teorias com base na interpretação subjectiva do indivíduo da própria realidade. Nesta investigação abordaremos duas teorias:

a Teoria de Representações Sociais e a Ecologia do Desenvolvimento Humano. Importa pois referir como afirma Charpak (1998) “o que lhes for transmitido pela família, pela

sociedade, desde tenra idade até à vida adulta, terá uma influência determinante no curso da sua vida.”

Tais teorias fundamentam a análise de conteúdo como método de análise do discurso expresso pelos actores sociais. A proposta que acompanha a análise de conteúdo refere-se a uma decomposição do discurso e identificação de unidades de análise ou grupos de representações para uma categorização dos fenómenos, a partir da qual se torna possível uma reconstrução de significados que apresentem uma compreensão mais aprofundada da interpretação de realidade dos grupos dois grupos estudados.

Importa pois relembrar que o presente trabalho tem como finalidade:

a) Realizar um levantamento das imagens de ciência, tecnologia e cientista que têm as crianças dos dois níveis de ensino. E, se possível saber de onde provêm essas imagens.

b) Fazer o levantamento e o posicionamento das crianças face à ciência como actividade humana, feita por pessoas, para a sociedade.

c) Saber se as crianças têm alguma concepção sobre tecnologia. Se na forma como a compreendem, existe interdependência ciência /tecnologia/sociedade.

O âmbito desta investigação, que, como já se referiu é de tipo qualitativa, considerou-se a análise de conteúdo a técnica de tratamento dos dados, a mais adequada à natureza dos dados recolhidos. Bardin (1977) (citado por Carmo e Ferreira, 1998, p.251) salienta que a análise de conteúdo não deve ser utilizada apenas para se proceder a uma descrição do conteúdo das mensagens, pois a sua principal finalidade é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção, com a ajuda de indicadores. Como método, é trabalhoso e permite uma análise formal dos significados pessoais de uma maneira que poucas técnicas oferecem. Convém salientar que existem no mercado alguns programas para a análise de conteúdo, mas a investigadora optou pela análise de conteúdo clássica.

Como técnica de tratamento de informações, a análise de conteúdo de acordo com Vala (1999) é hoje uma das técnicas mais comuns na investigação empírica realizada pelas diferentes ciências humanas e sociais. Bardin (2000) refere que a análise de conteúdo tem como base “uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência”. Enquanto esforço de interpretação a análise de conteúdo oscila entre dois pólos: do rigor da

objectividade e da fecundidade da subjectividade. É tarefa paciente de “desocultação”, (...) analisar mensagens, por esta dupla leitura onde uma segunda leitura se substitui à leitura “normal” do leigo, é ser agente duplo, detective, espião...” (Bardin, 2000).

Neste sentido a análise de conteúdo pressupõe uma (des)construção necessária para a realização da análise propriamente dita através da inferência, ou seja, da dedução lógica por parte do investigador, assumindo assim a forma de uma nova construção. Nesta perspectiva, a análise de conteúdo permite-nos fazer inferências e deduções sobre a fonte, a situação em que esta foi produzida, o material que se constitui o objecto da análise, sendo que a finalidade desta análise é efectuar inferências, com base numa lógica explicitada e de acordo com o objecto a ser analisado.

Bardin (2000) considera dois objectivos principais que correspondem à “subtileza

dos métodos da análise de conteúdo”, ou seja a “superação da incerteza”, pela procura e

verificação e o “enriquecimento da leitura” no sentido que exige uma leitura e uma análise cuidada que potencia a produtividade e a pertinência. Segundo a mesma autora (2000), a análise de conteúdo de mensagens podendo ser aplicável a todas as formas de comunicação possui duas funções que podem ou não dissociar-se quando colocadas em práticas. A primeira diz respeito à função heurística, ou seja, a análise de conteúdo enriquece a tentativa exploratória e aumenta a propensão à descoberta. A segunda refere-se à administração da prova, em que hipóteses, sob a forma de questões ou de afirmações provisórias servem de directrizes apelando para o método de análise de uma confirmação ou de uma infirmação.

De acordo com as técnicas da análise de conteúdo, constituindo-se assim as seguintes etapas (Carmo e Ferreira, 1998; Vala, 1986): a) definição de objectivos e do quadro de referência teórico; b) constituição de um corpus (exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência); c) definição de categorias (grupos significativos definidos à priori ou à posteriori, que servem para classificar o conteúdo, devendo ser exaustivas, exclusivas, objectivas e pertinentes); d) definição de unidades de análise (segmento mínimo considerado necessário para poder proceder à análise); e) interpretação dos resultados obtidos.

Os elementos de conteúdo agrupados por parentesco de sentido irão ser organizadas sob as devidas categorias de análise decididas à priori, apoiadas no ponto de vista teórico que o investigador submete frequentemente à prova da realidade. De acordo com Laville &

Dionne (1999), um bom conjunto de categorias deve ser pertinentes, tão exaustivas quanto possíveis, não demasiadas, precisas e mutuamente exclusivas.

Neste estudo, o investigador procurou que cada unidade de registo fosse colocada um cada categoria de análise, recorrendo à técnica de recorte e colagem das afirmações feitas pelos intervenientes e que possuíam indicadores relativos a cada uma das dimensões estabelecidas. Foram consideradas cinco dimensões de análise.

Tabela 3 – Categorias e dimensões de análise

Categorias e Dimensões de análise - Concepções das crianças da

educação Pré-Escolar sobre Ciência, Tecnologia e Cientista.

- Concepções das crianças do 2.º ano do 1.º CEB sobre Ciência, Tecnologia e Cientista.

- Dimensão Ciência e Cientista. - Dimensão Tecnologia.

- Dimensão Social da Ciência. - Inter-relação Ciência/Tecnologia. - Dimensão Ciência Escolar.

Os indicadores de caracterização das concepções das crianças dos dois níveis de educação/ensino foram seleccionados de acordo com as dimensões de análise estabelecidas com base em aspectos referidos na revisão da literatura (capítulo 2).

No decurso de análise de dados recolhidos na presente investigação, pretendeu-se evidenciar significados de uma realidade em estudo que é complexa e dinâmica e que revela um carácter interactivo e qualitativo (Lüdke e André, 1986). Assim, começou-se por ler todo o material recolhido, para se construir uma visão global dos dados sendo designada por Bardin (2000) como leitura “flutuante”. De seguida, fez-se uma leitura mais atenta de cada uma das partes para se organizar em diferentes partes – unidades ou episódios (Bogdan e Biklen, 1994), de modo a identificar-se ocorrências regulares, tendências e padrões relevantes no sentido da sua compreensão e interpretação (Lessard- Hébert et al 1994; Lüdke e André 1986). A fundamentação teórica presente no Capítulo 2 deste trabalho, suporta a investigação, no sentido em que se procurou extrair significados dos dados e estabeleceu-se relações e efectuou-se inferências (Lessard-Hébert et al 1994;

Lüdke e André 1986; Pardal 1995; Vala 1999).

Sublinha-se a importância deste conjunto de dimensões, para se explorar, compreender e avaliar as inter-relações Ciência, Tecnologia e Sociedade, nomeadamente as que irão afectar as vidas pessoais, as carreiras e o futuro dos alunos (Aikenhead, 1998).

O presente estudo é analisado sob o enfoque da teoria das Representações Sociais e da teoria da Ecologia do Desenvolvimento Humano. O que permite ao pesquisador o entendimento das representações que o indivíduo apresenta em relação à sua realidade e a interpretação que faz dos significados a sua volta.

Berger & Luckmann (1987, p. 11) elucidam a importância do estudo do processo de construção social na confirmação de que a realidade é construída socialmente e que a sociologia do conhecimento deve analisar o processo em que este fato ocorre. A experiência da vida quotidiana envolve processos simbólicos e, portanto processos de significação referentes a diferentes realidades que estão relacionadas à interpretação dos agentes sociais, ou seja, à representação social dos significados. O processo descrito refere- se a uma visão interpretativa da realidade do ponto de vista das crianças envolvidas neste estudo. Esse processo tem predominado na pesquisa qualitativa, seja por critérios da teoria das Representações Sociais ou da teoria Ecologia do Desenvolvimento Humano.