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Realizar um trabalho dessa natureza me fez examinar por diversas vezes qual era o meu verdadeiro papel aqui. Primeiramente, me sentia deslocada por “invadir” as vidas de pessoas as quais eu não conhecia, não tinha a mínima proximidade ou afinidade, e depois publicar estórias e histórias que pudessem ser vistas como julgamentos e avaliações generalizantes e redutoras de minha parte.

Igualmente, temi expor uma considerável quantidade de textos polifônicos e polissêmicos e ser interpretada como alguém que arrogantemente se sente no direito de dar voz a um grupo socialmente marginalizado. Ainda, cogitei a possibilidade de apresentar interpretações que pudessem ser lidas como indevidas ou incorretas.

Porém, no decorrer da pesquisa, entendi que meu trabalho era dar a minha compreensão acerca do entrelaçamento de significações produzidas pelas travestis e mulheres trans que tão gentilmente concordaram em colaborar com a minha construção de conhecimento, no tocante ao seu processo de envelhecimento.

Deste modo, presumo que a prática da pesquisa consiste em uma análise de certo fenômeno social agregado a um determinado contexto. Com isso, intuito maior é compreender o emaranhado de significações produzidas por/sobre as travestis/transgêneras no tocante ao seu processo de envelhecimento.

O produto concebido ao final da pesquisa pode experimentar uma infinidade de outras interpretações que se diferenciam de acordo com o contexto e com a postura do observador (KING; HORROCKS, 2010), o que implica na interpretação diferenciada se o pesquisador que se debruçar sobre aqueles dados for outro.

Com isso, as diversas interpretações não podem ser classificadas como verdadeiras ou falsas, certas ou erradas, visto que expressam a verdade do ponto de vista de uma determinada pesquisadora, em um dado tempo, de um espaço fixado, e de um contexto sóciohistórico estipulado (MUYLAERT et al, 2014).

80 Nesse encadeamento, Denzin & Lincoln (2006) garantem que a abordagem qualitativa-interpretativista se constitui em uma alternativa investigativa que propicia proximidade e harmonização eficazes entre os envolvidos: as atrizes sociais – as travestis/mulheres trans – e a pesquisadora. Percebe-se, portanto, a característica colaborativa de interação, troca, diálogo, engajamento e respeito entre as interlocutoras (MUYLAERT et al, 2014).

De outra via, a pesquisa qualitativa baseia-se na escolha adequada de métodos e teorias para a sua prática (FLICK, 2009). Em adendo, ancora-se nas perspectivas e na reflexividade tanto das participantes da pesquisa como da pesquisadora (FLICK, 2009), ou seja, é estritamente simpática à subjetividade dos envolvidos. Essa abordagem metodológica tem por objetivo compreender o desconhecido e aprimorar as teorias empiricamente fundadas, tendo a comunicação da pesquisadora em campo como parte explícita da produção do conhecimento (FLICK, 2009) e autotransformação.

Concordando com Denzin e Lincoln (2006), e King e Horrocks (2010), ao analisar e apresentar a entrevista como parte das minhas descobertas, tendo a gerar nova visão do todo (FLICK, 2009). Assim, o estudo qualitativo-interpretativista é conveniente para este trabalho visto que busco pontos de vista subjetivos na descrição de situações sociais (FLICK, 2009).

Respeitando tal proposta, meu intuito foi trabalhar com entrevistas narrativas combinadas com a entrevista semipadronizada para a geração dos dados os quais fora interpretados com o auxilio das concepções de corpo e poder de Foucault 2008, 2007, 1996, 1994, 1987, 1988), bem como de alguns preceitos da Teoria Queer (BUTLER, 2003, 1993), e definições de pesquisadores que se debruçaram sobre o tema (SIQUEIRA, 2004, 2012; SILVA, 1993; Antunes, 2010; Leite Jr (2017; Casteleira, 2014; Costa, 2013, entre outros).

A entrevista semipadronizada (ou semiestruturada) foi desenvolvida entre os anos de 1980 e 1990 por psicólogos que almejavam a análise de fenômenos em ambientes escolares, entre outros (FLICK, 2009). A ideia dos psicólogos era desenvolver um método diferenciado de entrevistar sujeitos e sujeitas e alcançar as suas subjetividades (FLICK,

81 2009). Com isso, os(as) entrevistados(as) participam da entrevista de maneira espontânea tendo perguntas abertas55 complementadas por suposições implícitas (FLICK, 2009).

O intuito é reconstruir a teoria subjetiva das participantes a respeito da problemática levantada. Esse modelo de entrevista apresenta três variações: a. Questões

abertas as quais são respondidas com o conhecimento imediato do(a) participante, sem a

necessidade de uma reflexão mais profunda; b. Perguntas Controladas geralmente são feitas com opções e voltam-se para a literatura científica do tópico, de modo a explicitar o conhecimento do(a) participante. Nesses tipos de perguntas, suposições/opções são ofertadas; c. Questões confrontativas são as que são postas de modo a contrapor a opinião expressa do (a) participante (FLICK, 2009).

Já a entrevista narrativa caracteriza-se pela condução do (a) participante à apresentação de uma narrativa improvisada a respeito de um dado tema (FLICK, 2009). A ideia é que o (a) pesquisador (a) faça o (a) informante contar uma história que será compreendida por meio de detalhes contextuais e relações oferecidas pela narrativa (FLICK, 2009).

Para tanto, o (a) pesquisador (a) precisa ter a consciência de que a narrativa não seja obstruída e/ou interrompida, de maneira a estimular o participante a persistir na sua narrativa até o final (FLICK, 2009). Muylaert et al (2014) reforçam que a influência do pesquisador (a) é mínima, contudo, este (a) deve utilizar a mesma linguagem do (a) entrevistado (a) de modo a criar um ambiente de comunicação mais real.

Además, as entrevistas narrativas56 permitem o aprofundamento das

investigações, guiando os (as) participantes para o relato de eventos que evidenciem aspectos não explícitos para os (as) entrevistados (as) (MUYLAERT et al, 2014).

55 A perguntas abertas são aquelas que exigem do(a) entrevistado(a) respostas completas as quais requerem

o uso de conhecimentos e a expressão de sentimentos dos(as) envolvidos(as). São objetivas, diretas e de maneira alguma inferem as respostas das pessoas entrevistadas.

56 Há certa confusão recorrente entre “entrevista narrativa” e “pesquisa narrativa”. A entrevista narrativa

tem por intuito conduzir o entrevistado à construção de uma narrativa acerca do tema abordado (MUYLAERT et al, 2014; FLICK, 2009), enquanto que a pesquisa narrativa, que não é o caso desta pesquisa, baseia-se em narrativas enquanto investigação, tendo o processo de formação relacionado nas histórias contadas pelos sujeitos, de maneira a reconfigurá-los. Desta forma, a narrativa constitui-se num meio para compreendermos a experiência e para a efetivação da aprendizagem humana (CLANDININ & CONNELLY, 2011; CLANDININ & ROSIEK, 2007).

82 Ainda, fiz uso de ferramentas digitais como Facebook, Whatsapp e e-mail, ferramentas estas que me permitiram uma proximidade ainda maior com as sujeitas: trocamos mensagens, atualizamos informações, enviamos fotos e documentos, bem como, às vezes, nos falávamos apenas para saber como uma ou outra estavam, e/ou ter acesso à outras participantes da pesquisa.

Notei, então, que utilizei inúmeros recursos além dos dispostos pelas entrevistas narrativa e semipadronizada. Me detive a fatos e relatos contidos em meu diário de campo, comentários realizados em postagens do Facebook, trocas de mensagens via Whatsapp realizadas, às vezes, sem intenção nenhuma de gerar dados.

Mas compreendi que as interações nestes contextos eram essenciais para que eu conseguisse compreender as minhas interlocutoras com os fragmentos faltantes, entender um pouco mais sobre suas constituições e identidades. Paraíso (2012) e Caldeira & Paraíso (2016) defendem o uso desta técnica – que elas identificam como bricolagem metodológica – e que tem por intuito utilizar uma miscelânea de metodologias e ferramentas na realização da pesquisa. É como se cada pesquisador(a) construísse o seu percurso metodológico de modo a (re) significar a pesquisa (CALDEIRA; PARAÍSO, 2016).

A temporalidade da pesquisa se limitou entre março de 2016 a setembro de 2018. A princípio, levantei informações junto às participantes no tocante ao nome social, idade, cor, origem, escolarização, formação e profissão, conforme exposto mais adiante. A maioria das entrevistas foi realizada individualmente, mas nem todas foram presenciais e/ou contínuas. Uma vez que algumas das participantes moravam em outras regiões do país, que não a região Centro-Oeste, usufruí dos recursos tecnológicos e de rede para poder me comunicar com as meninas. As entrevistas presenciais foram registradas por meio de gravador de voz, conforme explicado e autorizado pelas participantes. As entrevistas via webcam do Facebook Messenger também foram gravadas, mas infelizmente, não consegui otimizar os audios a ponto de transcrevê-los na íntegra. Sendo assim, os dados foram de imediato lançados no diário de campo57.

57 Chamei de Diário de Campo o meu caderno de notas acerca das coisas que considerava interessantes

quando encontrava com as interlocutoras, ou no momento em que realizava as entrevistas, de modo a registrar gestualidades, expressões faciais, gírias e comentários que pudessem facilitar a compreensão dos áudios.

83 Ainda, em determinados momentos em que realizava as entrevistas presenciais, a entrevistada precisava interrompê-la por motivo de outros compromissos. Retornávamos em outro dia e horário, no modo presencial, ou via video chamada do

Facebook ou Whatsapp, como ocorreu com Dê Silva, Adriana Liário, Rebeca e Jéssica

mais de uma vez. A ideia era garantir a construção de um espaço em que as narrativas acerca de suas emergissem e os sentidos acerca do processo de envelhecimento fossem se construindo, sem comprometer as atividades regulares de cada uma das colaboradoras.

Não houve uma linearidade na realização das entrevistas. Explico: mesmo tendo um roteiro de questões previamente estabelecido, conversei com as interlocutoras inúmeras vezes, não apenas acerca do previsto no roteiro mas também acerca de dúvidas que surgiam quando eu ouvia as suas entrevistas.

Meu primeiro contato foi com Amanda, indicada por um amigo professor que a conhecia. Como à época ela estava viajando, me indicou Patrícia para a primeira entrevista, caracterizando um método conhecido por “bola de neve”, na abordagem qualitativa, no qual uma entrevistada indica outra. Vinuto (2014) assegura que este método é muito útil quando a pesquisa debruça-se sobre assuntos de âmbito privado e/ou seus(suas) participantes são de difícil acesso.

Adriana Liário, por exemplo, que estabeleci contato on-line pela primeira vez, também foi outra intermediadora de entrevistas. Ela sugeria nomes, comentava com possíveis interlocutoras que eu as procuraria, e, em determinados momentos, consegui as entrevistas, como foi o caso com Kate, Jussara e Dê Silva, todas conhecidas de Adriana. Assim que comecei a analisar o material coletado percebi a necessidade de “confirmar” algumas informações com as participantes pois me via perdida entre a teoria e a prática real, ou seja, os autores que eu tinha lido até então, eram na sua maioria homens cisgêneros, retratando realidades que divergiam de alguns fatos que me eram relatados.

Entretanto, comecei a perceber que havia muito mais mulheres trans/travestis acadêmicas do que eu poderia sequer imaginar. Logo, ao realizar uma busca rápida pela internet, encontrei nomes como os de Luma Nogueira, Gabriela da Silva, Adriana Sales, Sayonara Nogueira, Marina Heidel, Bruna Raysa, Megg Rayara, Amara Moira, entre outras ativistas, militantes, professoras, acadêmicas tão importantes para a construção teórica e prática acerca desta temática no país. Nada mais justo que fazer menção a todas

84 elas na minha pesquisa de modo a ratificar as entrevistas com as pesquisas desenvolvidas por estas estudiosas.

A minha intenção era a de ter na pesquisa participantes de todas as regiões do país, o que justifica a minha busca desmedida pelas redes sociais. O maior desafio se configurou como sendo conseguir que as interlocutoras aceitassem participar da pesquisa, considerando-se que não queria ser vista como a mulher cisgênera que tenta analisar os relatos de mulheres transgêneras como se estivessem em um “laboratório”. As pessoas tem muitas coisas para fazer, são ocupadas e não são todas que conseguem dispor de um tempo em suas vidas atribuladas para colaborar com uma estranha que adentrará em suas particularidades.

Infelizmente não consegui convencer todas as mulheres que interpelei a participar do meu estudo. Como se não bastasse, algumas possíveis participantes responderam à minha solicitação quando eu já tinha encerrado o período de geração dos dados (setembro de 2018).

Com o material todo registrado e arquivado por gravador ou em arquivos de áudio e textos, como nos casos das conversas ocorridas por intermédio do Facebook

Messenger, fragmentei o material empírico em partes distintas. Ouvi inúmeras vezes os

áudios, li as transcrições e comparei com as informações/anotações do diário de campo. Organizei, então, o quadro que identificava as participantes deste estudo, como veremos na próxima subseção.

Seguidamente, reli todas as transcrições das entrevistas e anotações do diário de campo em busca dos temas que se faziam recorrentes em suas narrativas. Identificados os temas recorrentes, parti para a incidência de falas de cada uma das participantes, acerca dos temas identificados, conforme exemplificado abaixo:

85 QUADRO I: SISTEMATIZAÇÃO DAS NARRATIVAS DE ACORDO COM OS TEMAS

Dentre os temas recorrentes constatei como sendo o primeiro a violência verbal, física ou psicológica, além das visões e definições acerca do processo de envelhecimento, o que remete-nos à observação de outros temas como futuro, beleza, posições de destaque nas comunidades, prostituição. Após a divisão por temas e a evidenciação dos relatos, iniciei a seleção para a análise dos dados.

É relevante registrar que fiz uso de uma ferramento do Google Docs chamada

Cloud Speech-to-text58, a qual compila em forma de texto escrito os textos sonoros, isto

é, transforma em textos escrito os textos gravados em áudio. Infelizmente esta ferramenta não se mostrou extremamente eficaz na transcrição das narrativas gravadas em locais públicos e cheios de sons alheios às entrevistas. Trata-se de uma ferramenta gratuita disponível em inúmeros sites que discutem tecnologia.

Determinadas entrevistas realizadas em locais os quais havia muito ruído/barulho foram transcritas aos moldes convencionais, isso é, ouvindo-as frase por frase, interrompendo o áudio, fazendo a transcrição e depois, ao final da transcrição, conferência, visto que o aplicativo Speech se torna ineficaz quando a gravaçao apresenta interferências. Quatro entrevistas foram assim transcritas sem o auxilio do aplicativo.

Na subseção subsequente, mostro um pouco mais acerca das interlocutoras da pesquisa.

58 Aplicativo gratuito disponível em https://cloud.google.com/speech-to-text/?hl=pt-br. Acesso em 07 de

86

3.2 As tias, as vós e as novinhas: Elas arrasam

59

!

Onze participantes, de todas as regiões do país, formaram o universo da pesquisa investigado, sendo uma da Região Norte (Kate), uma da Região Nordeste (Rebeca), sete da Região Centro-Oeste (Jessica, Amanda, Jussara, Fabiula, Dê Silva, Adriana Liário e Patrícia), uma da Região Sudeste (Sara Wagner) e uma da Região Sul (Gabriela da Silva). É relevante dizer que, embora Kate seja oriunda da Região Norte, a entrevista foi realizada na casa da Meire, na Região Centro-Oeste, onde ela vive atualmente.

Diante dos objetivos preliminarmente listados estabeleci como requisito para as sujeitas comporem os domínios da pesquisa terem a partir de 25 (vinte e cinco) anos. A princípio, ao redigir o projeto de pesquisa dessa tese, estabeleci a idade de 40 (quarenta) anos para a participação das sujeitas na pesquisa por acreditar que, considerando-se o número de violências contra as pessoas trans e que a expectativa de vida desta população gira em torno dos 35 (trinta e cinco) anos, o processo de envelhecimento desta população, provavelmente, as acomete mais cedo que à população cisgênera (CASTELEIRA, 2014). Na época ainda não tinha me comunicado com nenhuma das participantes e meu conhecimento era extremamente raso acerca das realidades das interlocutoras, principalmente no tocante ao possível marco para o início de seu processo de envelhecimento.

Entretanto, percebi com as leituras e entrevistas que existem poucas pessoas com a faixa etária estabelecida dispostas a colaborar com a minha pesquisa. Das 50 (cinquenta) pessoas abordadas, apenas 15 (quinze) concordaram em colaborar, e dentre estas quinze, concluí as entrevistas com apenas 11 (onze) interlocutoras. Em alguns momentos, trago alguns dados e obsevações de meu diário de campo que são oriundos de reflexões e comentários tecidos por estas 4 (quatro) participantes que não concluíram as entrevistas, ou não autorizaram que eu utilizassem seus dados na pesquisa antes da data estipulada para o término da geração dos dados. Contudo, são informações e dados que

59 Arrasar é outro termo do bajubá muito utilizado por entre as mulheres da minha pesquisa. As variações

87 depois se confirmaram com os dados obtidos com as entrevistas realizadas com as demais meninas.

Vejamos cada uma delas, em detalhe:

Amanda, 32 anos, cor autodeclarada branca, mulher trans, heterossexual,

solteira. Possui Ensino Superior Incompleto. No momento do primeiro contato, Amanda trabalhava como cabeleireira no salão de beleza de uma amiga. Dia desses ela me contou que estava trabalhando como auxiliar de cozinha em um restaurante universitário. Foi a primeira colaboradora do meu trabalho de pesquisa. Embora não tenha sido a primeira participante a ser entrevistada.

Amanda é uma mulher linda, alta, de um sorriso marcante, olhos profundos e claros, cabelos pretos lisos e compridos, corpo orgulhosamente esculpido por meio de várias intervenções plásticas e uma elegância de dar inveja a qualquer mulher. Quando nos reencontramos alguns meses depois em uma pizzaria para podermos realizar a nossa entrevista, ela me revelou aspectos da sua infância, sua transição, sua família, trabalho, romance, formação e velhice. Em seu relato, Amanda, inconscientemente, ao discorrer sobre o processo de envelhecimento demonstrou que mesmo tendo sofrido muita discriminação e preconceito desde a época escolar, não expressa preocupação com o tema. É como se a temática estivesse muito longe de sua realidade, mesmo tendo forte proximidade com sua mãe, já idosa. Conversamos várias outras vezes pessoalmente, via

Facebook e também via Whatsapp e Amanda afirmou em todas essas vezes que não havia

problema com a divulgação de seu nome verdadeiro neste trabalho. Contudo, por termos nos desencontrado diversas outras vezes, acabei não obtendo a sua autorização por escrito para tal.

Patrícia, nome fictício, 32 anos, cor autodeclarada parda, transgênera,

heterossexual, solteira. Possui Ensino Superior Completo, com duas graduações: Recursos Humanos, em uma Faculdade particular e, História pela UFMT. É secretária escolar em uma instituição pública de ensino fundamental e médio. É residente e domiciliada na cidade de Rondonópolis-MT. Meu primeiro contato com Patrícia foi via o aplicativo Whatsapp. Consegui seu contato com sua amiga, Amanda, que também compõe o quadro de informantes desta pesquisa.

88 Patrícia demorou um pouco a me responder, o que me levou a pensar que ela talvez não tivesse interesse em participar da entrevista. Depois de certo tempo, respondeu as minhas mensagens de maneira muito receptiva, e marcou a nossa primeira conversa na escola em que trabalha. Na escola, Patrícia estava bem ocupada, e tive a impressão de que ela era o braço direito do diretor, o que depois se confirmou pelo próprio diretor que afirmou tê-la nomeado por uma questão política, de ativismo, “pra incomodar muita gente mesmo”. Todavia, andando pelos corredores da escola com Patrícia, percebi que os alunos a chamavam pelo nome de registro masculino, mesmo ela sendo toda uma construção feminina. Perguntei a ela se tal fato não a incomodava ou porque ela não exigia que eles a chamassem pelo seu nome social, contudo, ela expressou não ligar muito pra isso, mas que exigia muito respeito por parte deles. Para ela, ser respeitada e valorizada enquanto uma profissional competente era muito mais importante do que ser chamada pelo seu nome social.

Patrícia é uma mulher muito bonita: as pernas bem torneadas, marcadas pelos jeans, cabelos e unhas bem feitos, maquiagem delicada, saltinhos, andava pela escola e era interpelada por todos. Sempre tinha uma aluna que a parava e lhe dava um abraço, ou queria ver o seu cabelo, suas unhas.

Ela também me contou que tinha acabado de sair de um relacionamento abusivo. Ela tem casa própria, e à época, morava sozinha, sem relacionamento sério, porém alertou que nada a impedia de dar uma namorada. Me confessou que também participou de movimentos como o centro acadêmico e diretório central dos estudantes quando estava na graduação em História.

Patrícia comenta já ter trabalhado como profissional do sexo por ser uma profissão que a permite receber “um dinheiro fácil”. Como ela mesma alega, é extremamente difícil conseguir um emprego se você é uma pessoa transgênera. Os empregadores negam a existência de vagas em suas empresas para pessoas transgêneras, pois, em conformidade com Patrícia, tais empregadores pensam que a contratação de pessoas transgêneras pode afastar clientes de seus negócios, além de não quererem vincular a sua marca a uma imagem abjeta e subversiva.

Pensando nisso, Patrícia se dedicou à formação escolar, tendo concluído dois cursos universitários: Graduação em Recursos Humanos em uma faculdade particular, e

89 Licenciatura Plena em História, pela Universidade Federal de Mato Grosso.