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Imediatamente após a realização dos grupos focais e das entrevistas- narrativas, foi realizada a transcrição das falas. De modo a afinar a escuta deixando aflorar os temas, atentando para a construção, para a retórica, permitindo que os investimentos cognitivo-afetivos emerjam (SPINK, 1995), foi realizada a leitura flutuante do material, intercalando a escuta do material gravado com a leitura do material transcrito.

Durante a leitura/escuta, foi necessário atentar às características do discurso que podem dar pistas valiosas quanto à construção das representações. Neste sentido, Potter e Whetherell (1987 apud SPINK, 1995) sugerem incluir entre essas características a variação, ou seja, as versões contraditórias que emergem no discurso e que são indicadores valiosos sobre a forma como o discurso se orienta

51 Neste modelo conceitual, proposto por Dahlgren e Whitehead (1991), os determinantes são agrupados em um esquema gráfico sob diferentes camadas, iniciadas pelas características individuais dos sujeitos, passando pelas camadas que representam os seus comportamentos e estilos de vida individuais. As camadas intermediárias são representadas pelas redes comunitárias e de apoio e, também, os fatores relacionados às condições de vida e de trabalho dos sujeitos, finalizando pela camada que expressa os macrodeterminantes relacionados às condições econômicas, sociais e ambientais. Este modelo pode ser visualizado no Apêndice D deste trabalho.

para a ação, o que revela constelações representacionais; os detalhes sutis, como silêncios, hesitações, lapsos, risos, que demonstram importantes pistas quanto ao investimento afetivo presente; e a retórica, ou a organização do discurso de modo a argumentar contra ou a favor de versões dos fatos, interpretações da realidade.

A partir das transcrições, o tratamento dos dados qualitativos foi realizado por meio da técnica de análise de conteúdo temática segundo proposta de Laurence Bardin (2011). Trata-se de um método de análise que compreende um conjunto de técnicas que utiliza procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens capaz de formar indicadores que permitam tornar válidas inferências sobre dados de determinado contexto.

Esta técnica de análise de conteúdo temática pressupõe a realização de três fases: (1) pré-análise; (2) exploração do material; e (3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Na pré-análise, após a transcrição integral das entrevistas e grupos focais, editaram-se as falas para retirar os ‘vícios de linguagem’ (né, tá, tipo assim etc), a fim de conferir maior fluidez à leitura dos discursos, sem, contudo, alterar seu sentido e conteúdo. Os documentos produzidos foram reunidos, dando-se origem ao corpus analítico, codificados e organizados, considerando-se as regras de exaustividade, não seletividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. Na sequência, o corpus foi submetido à leitura flutuante, que consiste num procedimento para se estabelecer contato com os documentos, deixando-se invadir por impressões. A codificação consistiu em dar um código a cada sujeito entrevistado e a cada um dos grupos focais para fins de preservação do anonimato e apresentação dos fragmentos de discurso na apresentação dos resultados. Desta forma, adotou-se a letra E – de entrevistado, seguido por um algarismo arábico e para os participantes do grupo focal, adotou-se a G – de grupo focal, seguido por um algarismo arábico.

A etapa de exploração do material teve por objetivo destacar os recortes de ordem semântica do corpus, enumerá-los e categorizá-los. Nesta etapa, inicialmente, procedeu-se com o destacamento das unidades de registro (UR)52, correspondentes, neste estudo, a termos-chave; na sequência, as UR foram

+52 A unidade de registro (UR) é a unidade de significação codificada e corresponde ao segmento de conteúdo considerado unidade de base, visando à categorização e a contagem frequencial.

contabilizadas e agrupadas em unidades de contexto (UC)53, neste estudo, correspondeu aos recortes das falas, e, estas, por sua vez, deram origem às categorias temáticas, conforme a Tabela 1.

Tabela 1 - Frequência de unidades de registro (UR) por categoria e subcategoria temática. Categorias/subcategorias Total UR N %* Os gatilhos da obesidade 19 15,8 Gravidez 5 4,2 Hábitos de vida 5 4,2 Ocorrência traumática 7 5,8 Hereditariedade 2 1,7 Descobrindo-se obeso 8 6,7 Percebendo-se obeso 5 4,2

A descoberta da obesidade a partir do outro 3 2,5

A obesidade é doença 10 8,3

Sou doente porque sou obeso 6 5,0

Sou doente por causa das doenças associadas à obesidade 4 3,3

Os ecos da obesidade 26 21,7

As limitações 8 6,7

Baixa autoestima 5 4,2

Discriminação: o olhar do outro sobre o meu corpo 13 10,8

Cultura de aceitação da obesidade 3 2,5

As tecituras da rede social 17 14,2

Família: uma parceira de cuidados 7 5,8

Família que magoa 5 4,2

Amigos, nem sempre amigos 2 1,7

O empregador como um aliado 3 2,5

Indústria cultural da magreza: como pensam as representações

sociais de sujeitos em situação de obesidade, considerada grave 11 9,2

As propagandas são enganosas 6 5,0

O magro como representante da obesidade 4 3,3

Eu quero, mas não posso comprar 1 0,8

As tentativas de emagrecer: métodos da moda 5 4,2

A Via Crucis para o tratamento da obesidade 21 17,5

Os itinerários terapêuticos (IT) dos sujeitos em situação de

obesidade, considerada grave 12 10,0

Os profissionais de saúde como fonte de preconceito 5 4,2 Hospital Universitário: o fim da Via Crucis 4 3,3

Total 120

*Percentual em relação ao total de UR. Fonte: elaborado pela autora.

53 A unidade de contexto (UC) serve de unidade de compreensão para codificar a unidade de registro e corresponde ao segmento da mensagem.

Além disso, como forma de ilustrar as palavras mais manifestadas nos extratos de texto que compuseram as categorias, foi utilizada a estratégia de representação visual conhecida como Nuvem de Palavras, que oferece a possibilidade de classificação hierárquica de maneira proporcional, por incidência. Para isto, utilizou-se o programa de informática Wordle® (FEINBERG, 2014), de livre acesso.

E, finalmente, na última fase de inferência e interpretação, as informações foram condensadas e destacadas, possibilitando interpretações e análise crítica do material. O resumo das etapas de tratamento dos dados encontra-se ilustrado na Figura 2.

Figura 2 - Etapas desenvolvidas para o tratamento dos dados por meio da análise de conteúdo sugerido por Bardin (2011).