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B) ECOGRAFIA DE URGÊNCIA – UTILIZAÇÃO DE AFAST E TFAST

12) TRATAMENTO E ESQUEMAS TERAPÊUTICOS

3) RODENTICIDAS ANTICOAGULANTES DE SEGUNDA GERAÇÃO

Estas moléculas, também chamadas superwarfarinas, foram descobertas na década de 1970, sendo consideradas mais tóxicas e podendo dar origem a sinais clínicos compatíveis com toxicidade em ratos quando ingeridas numa toma única, não havendo necessidade de várias tomas (Tobin e Fall, 2004; Vandenbroucke et al., 2008; Damin-Pernik et al., 2017).

Surgiram pela necessidade de controlar populações, uma vez que vários estudos da época documentaram a resistência de roedores a compostos de primeira geração, como já foi referido anteriormente neste trabalho (Rowe e Redfern, 1968). Desta forma, e por serem moléculas criadas como alternativa, diferem dos compostos de primeira geração em quatro características muito próprias: estão ativos após uma única ingestão, possuem tempos de permanência no organismo aumentados, as hemorragias induzidas têm uma duração mais longa e são eliminados em natureza, isto é, como compostos praticamente inalterados (Bidny et al., 2015).

Estruturalmente, estas superwarfarinas são formas da warfarina quimicamente modificadas, a que se juntaram anéis de fenil modificados na porção da 4-hidroxicumarina. A perceção de porque é que estes compostos de segunda geração são tão mais tóxicos do que os compostos mais antigos não é clara, embora haja uma ideia de que a adição de anéis de fenil às moléculas aumenta substancialmente a sua lipofilia, o que se traduz por um aumento da acumulação e retenção nos tecidos (falando em valores medidos no plasma). São bem absorvidas a nível gastrointestinal, com uma biodisponibilidade de 90%, atingindo a concentração máxima no plasma ao fim de doze horas. A metabolização hepática apresenta duas fases: uma fase inicial de metabolização mais célere, com uma semi-vida de três dias, e uma fase mais lenta, com uma semi-vida de cerca de cento e vinte a cento e trinta dias, em oposição à warfarina, que tem uma semi-vida de quinze a cinquenta e oito horas (Murphy e Lugo, 2015; Feinstein et al., 2016).

O brodifacum é um dos exemplos de um rodenticida de segunda geração. Este composto tem sido de grande utilidade, não só para erradicar roedores, mas também para erradicar outras espécies - temos, como exemplo, os lagomorfos da espécie Oryctolagus cuniculus em ilhas e Trichosurus vulpecula na Nova Zelândia (Robertson, Colbourne e Nieuwland, 1993; Taylor e Thomas, 1993; Towns et al., 1993; Buckle, Prescott e Ward, 1994; Eason et al., 1999). Uma das suas formulações comerciais mais comuns é o Talon 20P®, sendo um isco de cerca de 0,8g (Towns et al., 1993). É absorvido no trato gastrointestinal e terá a sua ação no fígado, embora não existam estudos que tenham avaliado a duração desta molécula no organismo de diferentes mamíferos, estima-se que permaneça mais de um ano no organismo dos mesmos (Crowell et al., 2013). Esta ideia é suportada pelos estudos levados a cabo na área, que nos mostram que o brodifacum tem uma semi-vida em ratos de cerca de

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trezentos e sete dias, o que suporta a teoria de que estes rodenticidas se mantêm durante um intervalo de tempo superior em circulação. Em oposição à warfarina, e de acordo com o que já foi descrito acerca desta classe de anticoagulantes, o brodifacum é bastante hidrofóbico, contendo uma porção de brometo orgânico na sua constituição, o que poderá justificar a sua toxicidade (Vandenbroucke et al., 2008; Ware et al., 2015).

A bromadiolona, outro composto muito usado, tem uma semi-vida de cerca de trinta e três dias nos roedores da espécie Mus musculus – outro dado importante que suporta a necessidade de conhecer a molécula implicada numa intoxicação, de forma a instituir a terapia de vitamina K1 adequada (Crowell et al., 2013).

Já o flocoumafeno é uma molécula menos tóxica para os mamíferos em geral, com a exceção dos cães, em que a sua DL50 é muito reduzida (Lund, 1988). Após a criação da molécula, a mesma foi testada em roedores resistentes à warfarina e verificou-se ter potencial para estas estirpes, tendo uma toxicidade intermédia entre a bromadiolona e o brodifacum (Lund 1988). No entanto, apesar de menos tóxica, alguns estudos realizados em roedores, na década de 1980, permitiram concluir que a biodisponibilidade desta molécula aumenta quando o seu efeito cumulativo aumenta, embora haja diferenças de tolerância para a molécula em animais da mesma espécie. No trabalho de Huckle, Hutson e Warburton (1988), está descrita uma redução, após seis semanas, dos níveis de plaquetas e de cálcio, elementos fundamentais para a coagulação, sendo referido que isto poderá ser um indício de uma atuação através de diferentes mecanismos de ação (Huckle, Hutson e Warburton, 1988).

14 4) INANDIONAS

As inandionas são um grupo de rodenticidas sobre o qual os autores não têm uma opinião consensual acerca da sua caracterização, podendo incluí-las nos rodenticidas de primeira geração ou juntamente com os de segunda geração (Pelfrène, 1991; Tran e King, 2015). As moléculas mais comuns deste grupo são a difacinona e a clorofacinona, pelo que serão os dois compostos referidos a seguir (Murphy e Lugo, 2015).

A difacinona é utilizada com frequência em países como a Turquia e a Rússia e, por norma, só é utilizada por profissionais. Tem como finalidade não só o controlo de roedores, bem como o controlo de outros mamíferos. Apesar de ter uma toxicidade superior à warfarina, a sua palatibilidade é inferior e, portanto, será menos eficaz a promover um efeito letal. Em cães, a semi-vida no organismo está descrita como sendo de trinta dias, o que poderá dever- se a uma ligação forte às proteínas do fígado, a uma taxa de excreção diminuída ou a ambos os fatores (Pelfrène, 1991; Crowell et al., 2013; Murphy e Lugo, 2015).

Já a clorofacinona é uma molécula que apresenta a vantagem de não induzir o fenómeno “bait shyness”, já referido anteriormente. O seu uso é compatível com cereais, frutas, raízes e outras substâncias que possam ser utilizadas como isco (Murphy e Lugo, 2015). É um rodenticida anticoagulante frequentemente usado, mas tem um carácter tóxico para outros mamíferos e é extremamente tóxico para organismos aquáticos (Gómez-Ramírez et al., 2014). Atua no fígado não só pela impossibilidade de síntese dos fatores de coagulação, mas também pelo dano concorrente da permeabilidade capilar. Difere das hidroxicumarinas porque poderá induzir lesão neurológica e cardiopulmonar, já descrita em roedores, o que poderá ser a causa da morte ainda antes do quadro hemorrágico surgir. O tratamento com recurso a vitamina K1 deverá ter uma duração prolongada, havendo relatos de intoxicações em humanos cuja vitamina K1 foi necessária por um período de sete semanas (Pelfrène, 1991).

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5) APRESENTAÇÃO DE RODENTICIDAS ANTICOAGULANTES EM PORTUGAL Em Portugal, os rodenticidas enquadram-se na categoria 14 segundo a Direção Geral de Alimentação e Veterinária e os produtos que poderão ser comercializados para uso profissional e não profissional incluem o difenacume, a bromadiolona, o brodifacum e a difetialona (DGS, 2015; DGAV, 2017).

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6) CONSEQUÊNCIAS PARA AS ESPÉCIES NÃO ALVO – MEIO RURAL E URBANO A intoxicação acidental com RA está reportada em espécies como cães, cavalos, gatos e animais selvagens de diversas espécies, bem como em humanos (Valchev et al., 2008; Dutto, Di Domenico e Rubbiani, 2018).

A ingestão destes compostos poderá ocorrer de forma primária ou secundária. A forma primária está relacionada com o consumo direto do isco; a forma secundária requer que uma espécie não-alvo ingira as presas contaminadas com o veneno, o que, no caso dos rodenticidas, é mais frequente serem roedores, que poderão estar vivos ou mortos. Os riscos de intoxicação secundária poderão ser, ainda, o consumo do isco por pássaros que se alimentem do chão ou por insectívoros que ingiram insetos que carreguem o isco (Buckle e Fenn, 1992; Towns et al., 1993). No entanto, há autores que sugerem que o risco para aves predadoras e mamíferos é sobre-estimado, com a proporção de mortalidade a ser diminuída quando comparada com a frequência de utilização (Towns et al., 1993; Rattner et al., 2014). No entanto, num trabalho realizado em Itália por Muscarella et al. (2016), o grupo dos rodenticidas anticoagulantes foi responsável pelo maior número de intoxicações em cães e em gatos, sendo também detetado em várias espécies de aves, incluindo aves aquáticas, em coelhos e raposas.

Com a crescente utilização do brodifacum, a contaminação secundária de aves e mustelídeos em meios rurais tem sido motivo de preocupação (Eason et al. 1999). No entanto, em outros estudos realizados observou-se que os iscos com brodifacum têm elevada palatibilidade para roedores e diminuído interesse para aves, embora estas, quando intoxicadas com brodifacum, tenham sinais clínicos idênticos às outras espécies, tais como prostração, anemia e hematomas subcutâneos (Buckle e Fenn, 1992; Hydock, DeClementi e Fish, 2017). O composto poderá ser encontrado em órgãos como os rins, pâncreas e fígado por um período mínimo de seis meses. Em análises realizadas em suínos intoxicados, os níveis hepáticos de brodifacum alarmaram os investigadores, não só pelo risco de intoxicação secundária do suíno ou outros vertebrados, como os cães, que ingiram roedores, mas também pelo risco de uma intoxicação terciária cumulativa para o Homem enquanto consumidor de carne (Eason et al., 1999; Hydock, DeClementi e Fish, 2017). A proibição de uso de rodenticidas de segunda geração em alguns países poderá fazer surgir a necessidade de utilização de outros compostos (DeClementi e Sobczak, 2012). Assim, poderá ser real o aumento do uso de inandionas, como é o caso da difacinona, estudada num trabalho de Rattner et al. (2011), em que as aves de rapina com ingestão de doses letais não possuíam evidências de hemorragias, apresentando alterações neurológicas como ataxia e alterações de comportamento.

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À ideia das intoxicações em espécies não alvo é, ainda, necessário juntar informações como aquelas referidas no trabalho realizado por Gómez-Canela et al. (2016), que indicam a presença de RA em lamas adjacentes a estações de tratamento de águas residuais, o que nos poderá indicar uma permanência dos compostos não só em seres vivos, como em natureza, reforçando a ideia das intoxicações secundárias.

Em humanos, os RA já foram utilizados por grupos radicais, dada a sua disponibilidade em várias apresentações, tanto sólidas como líquidas. Estas apresentações poderão pressupor a sua utilização em comidas e águas ingeridas por grandes grupos e consequente surgimento de sinais clínicos. No caso específico do brodifacum, há vários registos de ocorrências, desde duzentos homens que manifestaram sinais de coagulopatia durante a Guerra Fria no sul de África ou o consumo de carne com RA por prisioneiros de uma cadeia em Nova Iorque, tendo havido várias mortes reportadas. Dado estes cenários, as autoridades e as equipas médicas deverão ter em atenção grandes grupos de pessoas que tenham participado nos mesmos eventos e que manifestem sinais compatíveis com estas intoxicações, tendo em atenção o surgimento tardio dos sinais clínicos (Murphy e Lugo, 2015; Feinstein et al., 2016).

18 7) FORMAS DE INTOXICAÇÃO

É normal pensar que o meio onde os animais habitam será aquele que terá maior risco de contaminação para os mesmos (Mahdi e Van der Merwe, 2013). Assim, os animais domésticos que tenham acesso ao exterior de forma não supervisionada, e que habitem em áreas em que seja frequente o controlo de roedores têm um risco superior de sofrer intoxicações (Merola, 2002; Kohn, Weingart e Giger, 2003). Juntamente com a procura por comida, típica de vários animais mas essencialmente de canídeos, a ingestão acidental de rodenticidas ocorre em todas as regiões geográficas, repetidamente no tempo (McLean e Hansen, 2012; O’Neil et al., 2017). Um outro estudo realizado nos Estados Unidos da América e que analisou, durante três anos, as chamadas telefónicas efetuadas para a seção de toxicologia de um laboratório universitário, classificou a ingestão oral como a via de envenenamento mais frequente (cerca de 90% das chamadas), da inalação e, por último, da via intra-venosa (Mahdi e Van der Merwe, 2013). Poderá haver, ainda que menos frequente, ingestão de água em que os RA estejam presentes, uma vez que os compostos hidroxicumarínicos são solúveis em água (Valchev et al., 2008). Por último, referir que estas moléculas atravessam a barreira placentária, podendo atuar no feto ou embrião, com a possibilidade de causar um quadro hemorrágico e, consequentemente, deslocamentos de placenta e abortos, contribuindo para a mortalidade neonatal (Peterson e Talcott, 2013; Tilley e Smith, 2016).

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8) MECANISMO DE AÇÃO, TOXICOCINÉTICA E TOXICIDADE

A hemóstase é um processo fundamental para o mecanismo de defesa de animais vertebrados. Vem do termo grego, em que “hemo” nos remete para sangue e “estase” nos remete para “paragem”. Esta ocorre em duas alturas que não se dissociam: num primeiro momento, a hemóstase primária, as plaquetas aderem ao endotélio vascular que foi lesionado, formando um tampão plaquetário; num segundo momento, verifica-se a hemóstase secundária, onde, através de um processo enzimático, ocorre a ativação dos fatores de coagulação e a formação de um tampão de fibrina. O termo coagulação também deve ser referido nesta altura, uma vez que é o processo que conta com a participação das proteínas pró-coagulantes do plasma, que são denominadas, por convenção, fatores de coagulação. Estes fatores de coagulação são designados por letras romanas, como será observado nesta secção (Gentry, 2004; Palta, Saroa e Palta, 2014). Há vários fatores de coagulação, que se dividem na família do fibrinogénio (fibrinogénio ou fator I; fator V; fator VIII e fator XIIII), nos fatores dependentes da vitamina K (fatores II, VII, IX e X) e na família de contacto (fatores XI, XII, entre outros) (Palta, Saroa e Palta, 2014).

No processo da coagulação, é importante ter em atenção que as proteínas ou fatores envolvidos na coagulação sanguínea só alteram o seu estado inativo para o estado ativo quando há perturbação da vasculatura e comprometimento da hemóstase. A trombina é a enzima mais importante do processo hemostático e tem origem no seu percursor, a protrombina, que está normalmente em circulação e reage a qualquer estímulo ativador. A cascata de coagulação é controlada por várias proteínas anticoagulantes ou inibitórias, que irão garantir que a formação de trombina esteja confinada à área onde ocorreu o traumatismo vascular e que não seja produzida em excesso. Antigamente considerava-se a via intrínseca

Figura 2 - Cascata de coagulação - nomenclatura não atual. Estão sublinhados os fatores de coagulação dependentes da vitamina K e está presente o fator III como fator iniciador da cascata de

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e a via extrínseca da coagulação, em que a via intrínseca era a via responsável pela formação da trombina após traumatismo vascular e a via extrínseca era uma via complementar para que a trombina pudesse ser formada. No entanto, embora os termos utilizados neste trabalho sejam referentes à antiga nomenclatura e o esquema a considerar seja aquele representado na figura 2, é importante referir que atualmente apenas se considera uma única via, a via do fator tissular (do original “tissue factor pathway”), antigamente conhecida como a via extrínseca, que é aquela envolvida na iniciação da formação de trombina. A via intrínseca é, atualmente, enquadrada nas vias de amplificação e de propagação (Gentry, 2004; Byers, 2017). Assim, pelas informações atuais, a cascata de coagulação inicia-se na fase de iniciação, onde, após a agressão da vasculatura, o fator tissular ou fator III, que é um cofator da proteína VIIa, se vai ligar a este último de forma a formarem um complexo capaz de ativar os fatores IX e X. Após este passo, o fator Xa irá ligar-se ao fator II, a protrombina, de forma a gerar trombina. Nesta fase do processo, o processo que gera trombina não é definitivo e poderá ser revertido se o fator tissular for inibido. Após a fase da inibição, ocorre a fase da amplificação. Nesta fase, a trombina que foi gerada anteriormente não é suficiente para promover a hemóstase, pelo que se geram vários feedbacks positivos que a irão ligar às plaquetas. Esta trombina ativará, também, o fator V e o fator VIII, que serve de cofator no complexo protrombinase e aceleram a ativação do fator II pelo fator Xa e do fator Xa pelo fator IXa, respetivamente. A fase de propagação sucede-se e os complexos enzimáticos acumulados na superfície das plaquetas irão suportar grandes quantidades de trombina a ser gerada e ocorrerá, também, ativação plaquetária. Isto promove a formação sucessiva de trombina e, subsequentemente, de fibrina para que se forme um tampão plaquetário de dimensões suficientes. Por fim, dá-se a fase de estabilização, em que a trombina gerada leva à ativação do fator XIII, que é o fator estabilizador da fibrina. Este fator irá ligar-se aos polímeros de fibrina e providenciar que a fibrina presente no tampão plaquetário seja suficientemente forte e estável. Adicionalmente, a trombina ativa o inibidor da fibrinólise ativado pela trombina, que irá impedir que o tampão plaquetário sofra fibrinólise (Palta, Saroa e Palta, 2014).

Como tem sido frisado ao longo do trabalho, a absorção de RA pelo trato gastrointestinal ocorre de forma rápida, sendo que estes são metabolizados no fígado. Em animais, atingem a sua concentração plasmática máxima doze horas após a ingestão oral, sendo depois excretados maioritariamente na urina e uma pequena percentagem nas fezes (Valchev et al., 2008; Merola, 2002; Bates, 2016). Uma vez que estes compostos têm ação no ciclo da vitamina K, o funcionamento normal do mesmo e as consequências das suas alterações serão aqui referidas. A vitamina K enquanto personagem central de vários processos fisiológicos tem sido descrita na literatura desde há vários anos, tanto em humanos

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como em animais (O’Neil et al., 2017). Esta vitamina foi descoberta em 1929, segundo a pesquisa histórica elaborada por Ferland (2012). Nesta altura, o bioquímico da Universidade de Copenhaga, Henrik Dam, apercebeu-se de que uma dieta sem gordura e colesterol, em galinhas, culminava no surgimento de hemorragias musculares e subcutâneas, bem como em aumentos do tempo de coagulação. Intrigado, Dam descobriu que o composto necessário para colmatar estas deficiências era lipossolúvel, mas distinto das outras vitaminas já conhecidas (vitaminas A, D e E), uma vez que a adição dos nutrientes essenciais já conhecidos não prevenia esta condição. Desta forma, e tendo em conta que a ausência do composto provocava alterações na coagulação, decidiu nomeá-lo vitamina K, com a inicial da palavra “Koagulation”, a variante da palavra coagulação nas línguas escandinavas. Link, após a descoberta da estrutura da vitamina K, apercebeu-se que esta e o dicumarol possuíam estruturas idênticas (Kresge, Simoni e Hill, 2005; Ferland, 2012; O’Neil et al., 2017).

Após vários estudos, concluiu que haveriam vários tipos de vitamina K, consoante a sua estrutura química, tal como está descrito na figura 3: todos possuíam um anel 2-metil-2,4- naftoquinona, mas diferiam na estrutura na sua ligação 3. Assim, individualizou três tipos de vitamina K. A primeira, e a mais importante para este trabalho, é a vitamina K1, filoquinona ou fitomenadiona, que é sintetizada em plantas verdes de folha escura. A segunda é a vitamina K2 ou menaquiona, cuja síntese ocorre no cólon por bactérias anaeróbias, mas tem uma absorção limitada; está presente em queijos, carnes e produtos fermentados. Por fim, a vitamina K3 ou menadiona: esta última não existe em natureza, mas é um fator de crescimento bacteriano, processo no qual é sintetizada em menaquionas nos tecidos dos mamíferos e aves, tendo como limitação o facto de não conseguir participar na gama-carboxilação de proteínas vitamina K-dependentes, processo explicado mais à frente (Ferland, 2012; O’Neil et al., 2017).

Figura 3 - Estrutura química dos diferentes tipos de vitamina K (Ferland, 2012)

Portanto, a vitamina K1 é um cofator na ativação dos fatores de coagulação (ou proteínas de coagulação) II (protrombina), VII, IX e X. Estes exercem um efeito pro- coagulante, contrário às proteínas C e S, que são as proteínas inibidoras da coagulação. Quando esta vitamina não está disponível, estes fatores de coagulação não são ativados, sendo chamados percursores não funcionais – do termo inglês PIVKA (proteins induced by

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vitamin K antagonism or absence) (2003; Feinstein et al., 2016). Assim, os PIVKA são percursores dos fatores de coagulação, denominados PIVKA-II, PIVKA-VII, PIVKA-IX, PIVKA- X, PIVKA-Proteína C e PIVKA-Proteína S. Os percursores não funcionais estão, normalmente, restritos ao retículo endoplasmático rugoso dos hepatócitos, local onde são convertidos em proteínas funcionais. Quando a sua concentração está consideravelmente aumentada, saem dos hepatócitos e entram na circulação sanguínea (Mount, Kim e Kass, 2003; Spahr, Maul e Rodgers, 2007).

A ativação destes percursores ocorre devido à enzima gama-glutamil carboxilase, que irá carboxilar estas proteínas, ativando-as nos hepatócitos. Este processo utiliza a vitamina K1 hidroquinona como

cofator, como se pode ver na figura 4. Como se pode acompanhar pelo esquema, a forma oxidada da vitamina K, a vitamina K epóxido é reduzida à sua forma original, a vitamina K1 quinona, pela enzima epóxido redutase (VKOR) e o processo sucede-se ciclicamente.

Quando ocorre uma

intoxicação por RA, estes ligam-se às enzimas epóxido redutase da

vitamina K (VKOR) e à enzima redutase da vitamina K quinona com os seus aniões, inibindo o seu funcionamento. Como a figura 4 indica, quando se bloqueia algum dos passos deste ciclo da vitamina K, esta deixa de ser alterada da sua forma inativa para a forma ativa, deixando de estar disponível para todos os outros processos biológicos em que é necessária (Porter, 2010; Murphy e Talcott, 2013; Feinstein et al., 2016).

Ter o conhecimento de que a vitamina K obtida unicamente pela dieta é insuficiente para promover a ativação dos fatores de coagulação é muito importante. Assim, quando o ciclo da vitamina K está condicionado, ocorre uma depleção gradual da sua forma ativa nos hepatócitos. Se esta não está disponível, os fatores de coagulação estão, também eles, inativados, sendo que apenas estão disponíveis aqueles que foram ativados no momento

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