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4 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL E ANÁLISE

4.3 Treaty shopping como abuso de direito

Na Convenção Modelo da OCDE, esclarece-se que o escopo das Convenções sobre dupla tributação é o de promover o comércio de bens e serviços e o movimento de pessoas e capitais através da eliminação da dupla tributação internacional; porém, os tratados não devem estimular a elusão125 e a evasão fiscais126.127

Nesse sentido é que a Comissão Fiscal da OCDE sempre se preocupou quanto ao uso impróprio ou abusivo dos tratados de bitributação, assinalando, dentre outros casos,

123 FERNANDES, R. B. O. ; FRATTARI, Rafhael Bonito. Treaty shopping: planejamento tributário no

plano internacional ou forma de abuso de direito (?). Revista da Faculdade de Direito da UERJ, v. 1, p. 1-51,

2013. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/2204/4742>. Acesso em 12 de julho de 2013.

124 OLIVEIRA, L. G. A elisão fiscal decorrente do planejamento fiscal: treaty shopping. Revista do

Mestrado em Direito (UCB), 2008. Disponível em:

<http://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/article/viewArticle/2565>. Acesso em 12 de julho de 2013.

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Para Livia De Carli Germano, in Planejamento tributário e limites para a desconsideração dos negócios

jurídicos, São Paulo: Saraiva, 2013, p. 60-61, “Por não se tratar de descumprimento frontal da lei (ato contra

legem) a elusão não se confunde com evasão. Neste sentido (e apenas neste), a conduta elusiva se aproxima da elisão fiscal, tendo em vista que ambas se utilizam atos formalmente lícitos com os quais se logra evitar o nascimento do dever tributário. Ocorre que o recurso a meios lícitos ao máximo exclui a qualificação do ato como passível de sanção, mas não determina sua admissibilidade para o direito especialmente para fins fiscais. Assim, ao contrário da elisão, na elusão fiscal a licitude é apenas aparente, sendo portanto passível de correção (a depender da estrutura do ordenamento jurídico em que foram praticadas), em virtude de ferir indiretamente o

ordenamento.”

126Para Livia De Carli Germano, in Planejamento tributário e limites para a desconsideração dos negócios

jurídicos, São Paulo: Saraiva, 2013, p. 57, evasão fiscal seria “[...] a conduta que enseja o não pagamento de

tributos mediante a prática de atos diretamente contrários ao ordenamento. Mesmo no âmbito internacional é possível perceber uma padronização na terminologia, já que a violação direta da norma (com efeitos tributários) é definida na doutrina anglo-saxã como tax evasion, na espanhola como evasíon fiscal e na italiana como evasione fiscale.”

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justamente aquele de uma pessoa física ou jurídica (residente ou não de um Estado contraente) que aja através de uma entidade jurídica (conduit company) criada num Estado com o único objetivo de obter benefícios de um tratado ao qual, de outra maneira, não faria jus.

Tal descrição nada mais se trata que o próprio fenômeno do treaty shopping, conforme foi detalhadamente explanado acima.

Existem vários argumentos que dão suporte à tendência dos Estados de tratar o treaty shopping como forma abusiva da utilização dos tratados de bitributação.

Primeiramente, defende-se que tal fenômeno infringe a reciprocidade de um tratado e quebra a balança de concessões aí atingidas entre os dois Estados contratantes128. Como leciona Mazzuoli, um tratado internacional define-se como “[...] um acordo formal de vontades concluído entre os sujeitos de Direito Internacional Público, regido pelo direito das gentes e destinado a produzir, imprescindivelmente, efeitos jurídicos para as partes que a ele

aderiram.”129

Vê-se, portanto, que o tratado deve ter eficácia nos termos e no alcance daqueles Estados que dele fizeram parte, não fazendo sentido que um terceiro Estado, estranho à comunhão de vontades daqueles, faça jus às concessões de um acordo o qual não aderiu originariamente.

Ademais, tem-se que, quando o residente de um terceiro país usufrui de determinado tratado, as concessões e benefícios acabam por se estender também ao terceiro Estado não participante desse acordo, sendo que esse Estado não tem deveres nem direitos recíprocos para com os contratantes. Logo, a balança do tratado acaba ficando comprometida, e o processo, subvertido.130

Outro importante argumento que deve ser levado em consideração é que o treaty shopping acaba por desincentivar os países de negociar tratados. Isso porque, a partir do momento em que se pode fazer uso de um tratado e de seus consequentes benefícios sem dele ter que fazer parte, isso acaba por comprometer o estímulo para a cooperação fiscal

128 FERNANDES, R. B. O. ; FRATTARI, Rafhael Bonito. Treaty shopping: planejamento tributário no plano

internacional ou forma de abuso de direito (?). Revista da Faculdade de Direito da UERJ, v. 1, p. 1-51, 2013. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/2204/4742>. Acesso em 12 de julho de 2013.

129MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 3a. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2008, p. 156.

130 FERNANDES, R. B. O. ; FRATTARI, Rafhael Bonito. Treaty shopping: planejamento tributário no

plano internacional ou forma de abuso de direito (?). Revista da Faculdade de Direito da UERJ, v. 1, p. 1-51,

2013. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/2204/4742>. Acesso em 12 de julho de 2013.

internacional.131

Além desses pontos sob uma perspectiva internacionalista, tem-se que levar em conta, ainda, a própria legislação brasileira pertinente à matéria.

O Código Civil brasileiro, em seu artigo 187, quando trata de abuso de direito,

dispõe que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos

bons costumes.”

Aqui, tem-se que ocorrerá abuso de direito sempre que alguém invocar uma autorização legal para atingir um objetivo não tolerado pelo consenso social.

Daí que se poderia pensar que um contribuinte, ao valer-se de uma autorização legal de planejar-se da maneira que melhor lhe seja favorável, acabar por abusar da forma legal que lhe é permitida.

No âmbito do Direito Tributário Brasileiro, a mudança mais recente em termos de legislação referente ao planejamento tributário foi a Lei Complementar nº 64/2001, que alterou o art. 116 do CTN, acrescentando o seguinte parágrafo único:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

Trata-se de uma norma geral “anti-elisiva”, na medida em que autoriza o administrador a desconsiderar os negócios jurídicos que tendam, de alguma forma, a fraudar o Érario.

Mas o mais importante ponto a ser considerado, para a análise da compatibilidade ou não do treaty shopping face à legislação brasileira são dois pontos: o princípio da soberania, enunciado no art. 1o, I, da nossa Carta Maior; a supremacia dos tratados internacionais face à lei interna, nos termos do art. 98 do Código Tributário Nacional.

Conforme já mencionado acima, a soberania é um dos máximes aplicadores princípios nas relações internacionais e, também, um dos principais fundamentos da nossa Carta Maior.

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Relembra-se que

Cada país é soberano também em assuntos tributários e não há princípio ou regras gerais internacionais que limitem o soberano poder de tributar além daqueles poucos que limitam a soberania de um país em geral. Assim, a atitude de um país em relação à bitributação - e em relação ao direito tributário internacional em geral - depende muito, se não inteiramente, de seus interesses econômicos nacionais, na estrutura de sua posição internacional diante de outros países.132

Nesse sentido, chega-se à conclusão de que o Brasil, sempre que firmar um acordo internacional com outro Estado para dispor sobre bitributação, o faz exercendo seu poder ilimitado soberano, decidindo sobre a matéria a partir de seus próprios interesses econômicos nacionais.

Ao estipular com um Estado uma cláusula anti-elisiva, nos moldes da OCDE, por exemplo, o Brasil está decidindo que, para aquela relação internacional específica, não há que se falar em aproveitamento, por parte de terceiro, das cláusulas acordadas exclusivamente entre os dois países contratantes.

Ademais, deve-se entender que, no momento em que um tratado internacional é firmado pelo Brasil e entra em vigor, este se torna lei específica sobre aquele determinado assunto, nos termos do art. 98 do CTN. A partir daí, deve-se interpretar o fenômeno do treaty shopping, no caso concreto, a partir do que foi acordado entre o Brasil e um outro Estado. Se existe cláusula restringindo ou impossibilitando referido instituto, não caberia à alguma empresa brasileira utilizar-se dele para ter minorada sua carga tributária.

Logo, se considerarmos o treaty shopping como forma abusiva de utilização de um tratado internacional, se feita a análise perante a legislação brasileira, resta uma problemática: como conter esse fenômeno específico.

Para se conter o treaty shopping, existem dois métodos anteriomente citados: através de medidas unilaterais e/ou de medidas bilaterais.

No caso do Brasil, utilizar-se de medida unilateral seria fazer com que o legislador editasse normas internas com o fito, específico, de tratar o treaty shopping como forma de abuso de direito, nos moldes do § único do art. 116 do CTN.

Ocorre que tal medida unilateral barraria em uma norma já existente no Direito

132FERNANDES, R. B. O. ; FRATTARI, Rafhael Bonito. Treaty shopping: planejamento tributário no plano

internacional ou forma de abuso de direito (?). Revista da Faculdade de Direito da UERJ, v. 1, p. 1-51, 2013.

Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/2204/4742>. Acesso em 12 de julho de 2013, apud JR HOORN, J. O papel dos tratados no comércio internacional. In: TAVOLARO, Agostinho Toffoli; MACHADO, Brandão; MARTINS, Ives Granda da Silva (Coords.) Princípios tributários no direito brasileiro e comparado: estudos em homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 420-421.

brasileiro: o art. 98 do CTN. Então, se considerarmos que os tratados sobre dupla tributação prevalecem sobre o direito interno, o combate ao treaty shopping, no Brasil, por meio de leis ordinárias, não teria eficácia.133

Até porque aplicar a norma de direito nacional a tratados acaba por ferir o próprio pacta sunt servanda, o qual estabelece que um pacto firmado deve ser cumprido. Ademais, se se trata de um objeto de Direito Internacional, nele que devem ser buscadas as soluções pra tal problemática.134

Logo, caso o Brasil siga a tendência internacional de considerar o treaty shopping como forma abusiva de utilização dos tratados internacionais, a solução mais cabível será que se recorra às soluções bilaterais, ou seja, quando da confecção de convenções bilaterais, que sejam colocadas cláusulas, como aquelas de acordo com os moldes da OCDE, que sejam inibidoras da prática aqui discutida.

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LEAL, Rhauá Hulek Linário. Uso de tratados sobre dupla tributação no planejamento tributário

internacional: treaty shopping. Revista do mestrado em direito UCB, v. 4, p. 124-151, 2010. Disponível em: <

http://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/article/viewPDFInterstitial/2514/1532>. Acesso em: 15 de julho de 2013.

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