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4 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL E ANÁLISE

4.2 Treaty shopping como planejamento tributário

O planejamento tributário é utilizado, principalmente, por grandes empresas que exercem influência no produto interno bruto nacional. Isso porque, ainda que boa parte delas tenha benefícios fiscais legalmente concedidos, através de políticas extrafiscais, buscam, na prática, outras vantagens no campo tributário, a fim de conduzir seus negócios de maneira mais eficiente.114

Mencionado fenômeno consiste, basicamente, na “atividade desenvolvida por

pessoa física ou jurídica, pública ou privada, de forma estritamente preventiva e transparente, a fim de alcançar licitamente a economia tributária.”115

Complementando referida conceituação, Livia De Carli Germano define

114

FARIAS, R. B. L., O Exame da Constitucionalidade da Utilização dos Paraísos Fiscais como

Instrumento de Planejamento Tributário. 2007. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito,

Universidade Federal do Ceará, 2007, p. 19.

115CARVALHO, Ivo César Barreto de. Elisão tributária no ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: MP

mencionado planejamento como:

[...]o estudo que, antecipando os efeitos dos atos e negócios jurídicos passíveis de serem praticados, acaba por influenciar a escolha, pelo contribuinte, daquele que seja fiscalmente menos oneroso. O termo não designa, necessariamente, a prática de atos lícitos ou ilícitos, mas apenas a atitude de programar atos e negócios levando em consideração a economia dos tributos.116

Nos moldes da legislação brasileira, o planejamento tributário, também conhecido

como “elisão fiscal”117

, é ato lícito e encontra seu fundamento de validade na própria Constituição Federal, nas palavras de Ivo Cesar Barreto de Carvalho:

O planejamento tributário tem fundamento constitucional no enunciado do preâmbulo da Carta da República de 1988 que, ao instituir um Estado Democrático, destinou-se a assegurar, entre outros, a liberdade, a segurança e o desenvolvimento. O planejamento tributário é permitido constitucionalmente, mediante outras garantias elencadas na Constituição Federal, basicamente no princípio da legalidade geral (art. 5, II) e da legalidade tributária estrita (art. 150, I).118

O princípio da legalidade geral, que enuncia que “ninguém será obrigado a fazer

algo senão em virtude da lei”, leva-nos a pensar que, em inexistindo norma expressa na legislação brasileira que imponha que deve-se escolher uma forma de pagamento de tributos da maneira mais elevada possível, com o objetivo de proporcionar ao Governo a maior soma possível de impostos, pode o contribuinte utilizar-se de maneiras alternativas para planejar suas dívidas para com o Erário.

Junte-se a isso o fato de que o planejamento tributário é considerado como um expediente a serviço da autonomia privada e da livre iniciativa119, na medida em que o nosso ordenamento garante a propriedade privada, dentro dos limites da função social, facultando ao

116 GERMANO, Livia De Carli. Planejamento tributário e limites para a desconsideração dos negócios

jurídicos. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 28.

117

FARIAS, R. B. L., in O Exame da Constitucionalidade da Utilização dos Paraísos Fiscais como

Instrumento de Planejamento Tributário, 2007, Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, 2007, “Planejamento tributário e elisão fiscal são conceitos sinônimos,

representados como a organização do sujeito passivo da obrigação tributária, para não incorrer na incidência da norma tributária, utilizando-se de meios legais postos a sua disposição.”

118 CARVALHO, Ivo César Barreto de. Elisão tributária no ordenamento jurídico brasileiro.São Paulo: MP

Ed. 2007, p. 111.

119 Art 1o - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissoúvel dos Estados Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e como fundamentos: [...] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”

[...] Art. 5o [...]

XXII - é garantido o direito de propriedade; XX III - a propriedade atenderá a sua função social; [...]

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

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contribuinte organizar-se de forma que se lhe imponha a menor carga tributária possível. Assim, na medida em que inexiste incompatibilidade entre o dever constitucional de contribuir e os princípios da livre iniciativa e da autonomia privada, permite-se ao contribuinte que planifique suas decisões da maneira mais adequada a seus interesses.120

Então, não poderia o Fisco Brasileiro punir quem, utilizando-se do treaty shopping, buscasse alternativas para diminuir ou eliminar a cobrança do imposto de renda.

Isso porque, querendo ou não, o treaty shopping é uma ferramenta utilizada, também, como forma de alavancar o próprio fluxo de capitais nos países subdesenvolvidos como o Brasil. No caso da Índia, por exemplo, a Suprema Corte negou-se a aplicar uma causa anti-treaty shopping no acordo bilateral entre a Índia e a ilha Mauritius, enfatizando que, nos países em desenvolvimento, o treaty shopping tem sido visto como uma forma de incentivo fiscal para atrair investimento estrangeiro de capital ou tecnologia. Chegou-se à conclusão, no Judiciário desse país asiático, que a perda com a arrecadação fiscal seria insignificante se comparada a outros benefícios não-fiscais em sua economia. O treaty shopping seria, então,

um “mal necessário”, tolerado em países subdesenvolvidos, para se atingir um

desenvolvimento a longo termo.121

Tem-se, ainda, que, em se tratando em cobrança de imposto de renda de empresas (o tributo que, conforme já visto, é a principal fonte do Fisco Brasileiro), a utilização desse fenômeno chega até a ser uma questão de sobrevivência das empresas no Brasil, tão excessivamente onerados atualmente. A diminuição da carga tributária contribui também, para maior oferta de empregos, o que gera, consequentemente, maiores riquezas em nível de economia local, regional e nacional.122

Finalmente, deve-se destacar que o treaty shopping, para ser caracterizado, envolve, entre outros aspectos, que a companhia interposta em um dos Estados assinantes do acordo de bitributação (empresa canal ou trampolim) tenha atividade mínima na jurisdição em

120

GERMANO, Livia De Carli. Planejamento tributário e limites para a desconsideração dos negócios

jurídicos. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 29-30.

121AVI-YONAH, Reuven S. PANAYI, Christiana HJI. Rethinking Treaty-Shopping: Lessons for the European

Union, Michigan: Public Law and Legal Theory working paper series, Work paper nº 182, Empirical Legal

Studies Center, 2010, p.4. Disponível em:

<http://www.law.umich.edu/centersandprograms/lawandeconomics/abstracts/2010/Documents/10- 002aviyonah.pdf>. Acesso em 14 de julho de 2013.

122CARVALHO, Ivo César Barreto de. Elisão tributária no ordenamento jurídico brasileiro.São Paulo: MP

que se localiza.123 Ocorre que pode haver casos em que a companhia desempenha atividade econômica relevante justamente para fazer jus ao que se quer ter beneficiado pelo tratado. De certa forma, essa companhia contribuirá tanto para a economia local quanto para a economia

do seu país originário, independente do “animus” pelo qual foi movida quando o seu estabelecimento.

Em suma, tem-se que a elisão fiscal ou o planejamento tributário, por si só, não se configura como ilícito, tratando-se de faculdade dada, pelo legislador, ao próprio contribuinte. para que este busque a maneira mais vantajosa de operar seus negócios. Ocorre que o treaty shopping, embora dotado de uma roupagem lícita, não tem sido considerada como legítima, sendo alvo de medidas adotadas pelos países, inclusive pelo Brasil, a fim de combatê-lo.124

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