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TREINAMENTOS E COMPETIÇÕES: ALGO SOBRE UM

2. CAPÍTULO I – CORPO E GINÁSTICA RÍTMICA:

2.3. TREINAMENTOS E COMPETIÇÕES: ALGO SOBRE UM

O grupo que analisamos neste estudo foi apresentado em trabalhos anteriores (BOAVENTURA, 2008; 2011) e aqui é reapresentado e atualizado. A equipe observada fica localizada em uma cidade do interior do estado de Santa Catarina e teve seu início em 1985 com uma treinadora licenciada em Educação Física e ex-atleta de ginástica rítmica. Obteve excelentes resultados durante toda a sua história, entre eles: foi campeã de um dos Joguinhos Abertos de Santa Catarina, várias vezes suas atletas foram campeãs estaduais por equipe e individualmente nas diversas categorias. Uma ginasta participou da seleção brasileira em 1998 e 1999 e outra atualmente é integrante da equipe nacional. Apesar de ser integrante da seleção, esta última atleta esteve vinculada à equipe investigada até 2014 e atualmente está cadastrada em uma equipe de outra cidade.

Em toda sua trajetória, a equipe frequentemente participou de eventos locais, estaduais e nacionais. No estado, os eventos da Fundação Catarinense de Esporte (FESPORTE)26 são: Olimpíada Estudantil

Catarinense; Joguinhos Abertos de Santa Catarina e Jogos Abertos de Santa Catarina. As competições da Federação de Ginástica de Santa Catarina (FGSC)27 podem ser programadas em quatro ou cinco etapas

26 A FESPORTE tem como objetivo “executar e facilitar a execução da política pública do esporte catarinense, através da realização de programas e projetos esportivos com gestão estratégica focada na inovação, pesquisa e tecnologia para o esporte, em busca da excelência esportiva e do bem-estar da população de Santa Catarina”. Suas atividades funcionais são: “organização e realização dos eventos esportivos oficiais do Estado (calendário anual com 15 grandes eventos – 417 no total, entre microrregionais, regionais e estaduais); desenvolvimento de programas/projetos esportivos (estudantes, terceira idade, deficientes, comunidade, etc.); organização e acompanhamento das delegações catarinenses em eventos oficiais (nacionais e internacionais)” (FESPORTE, 2011, p. 1). 27 A Federação de Ginástica de Santa Catarina (FGSC) “é uma associação de caráter desportivo, sem fins lucrativos, ou econômicos, constituída neste ato pelas entidades filiadas, e tem por finalidade desenvolver a prática da Ginástica em âmbito estadual, com aplicação integral de seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais. [...] A FGSC reúne todas as entidades

estaduais durante o ano e contemplam todas as categorias. É preciso dizer que as categorias das ginastas são divididas em: mirim, pré-infantil, infantil, juvenil e adulto. A categoria mirim28 contempla as meninas com

menos de oito anos de idade, a pré-infantil com idades de oito a dez anos; a infantil, de onze a doze anos; a categoria juvenil, de treze a quinze anos; e a adulto (sênior), a partir dos dezesseis anos, mas podendo dela participar atletas já a partir de quinze anos de idade.

Os treinamentos da equipe de rendimento do grupo observado são realizados em um ginásio, de segunda a sexta-feira, no período vespertino. Nessa realidade local, as categorias pré-infantil e infantil geralmente praticam ginástica três vezes na semana, e algumas vezes de quatro a cinco, dependendo da disponibilidade da ginasta, da quantidade de tarefas para treinar e se há competição próxima. As categorias juvenil e adulto treinam cinco dias na semana, em torno de quatro horas por dia, podendo chegar até a oito horas durante as férias escolares. Para todas essas categorias, sábados e domingos são utilizados excepcionalmente quando há competição próxima ou em razão de alguma atividade eventual.

O local dos treinos fica fora do centro da cidade. Nesse ginásio, a área de treinamento é delimitada por oito tapetes que ficam guardados e enrolados no canto esquerdo da quadra, juntamente com as barras de ferro de ballet não fixadas e bancos de madeira no lado direito, quando não há treino. Para a utilização da quadra, os tapetes são abertos e divididos em duas áreas, cada uma constituída por quatro deles. Uma parte é destinada às ginastas mais velhas das categorias juvenil e adulto ou para as treinadoras montarem as séries; e a outra às ginastas mais novas das categorias pré-infantil, infantil, às escolinhas ou para aquelas que estão treinando na hora em que uma ginasta está passando sua série com música29 no outro lado.

A estrutura física dos locais de competição diferencia-se de maneira ínfima. O ginásio é geralmente dividido em dois espaços, um de apresentação e outro de treinamento, conforme ilustrado na Figura 2.

de Ginástica esportiva de âmbito estadual, clubes, Associações, Sociedades e outras Entidades filiadas.” (FGSC, 2014, p. 4).

28 Conforme a organização do grupo analisado, na categoria mirim as ginastas não participam de competições “oficiais”, mas de festivais e torneios.

29 Passar com música significa executar a sequência de movimentos que uma ginasta possui em sua série com acompanhamento musical.

Figura 2: Estrutura da competição

Fonte: Elaboração própria (BOAVENTURA, 2016).

Como podemos visualizar na Figura 2, temos: (a) apresentação da competição, com os tapetes unidos30, formando um quadrado de

13x13m (quadra de competição), no qual as atletas passam suas séries com música; (b) outro espaço com outros tapetes não necessariamente unidos (quadra de treinamento), no qual as ginastas repetem os movimentos corporais sem suas músicas; (c) entre a quadra de competição e a de treinamento é colocado um divisor geralmente em forma de painel ou biombo, para evitar que os aparelhos passem da quadra de treinamento para a em que a ginasta está se apresentando; (d) as mesas das árbitras ficam dispostas à frente dos tapetes de competição; e (e) o som a uma distância próxima da banca de arbitragem.

O investimento mensal de cada atleta dessa equipe para treinar varia entre dez e vinte e cinco reais, dependendo da categoria. Essas mensalidades são obrigatórias para todas as participantes. Os gastos com sapatilhas (apenas um par), tapetes de treinamento, aparelhos de GR e materiais de treino em geral (colchonetes, pesos, barras, bancos, etc.) são supridos, em grande parte, pela Fundação Municipal de Esportes (FME)31

30 Os tapetes são unidos por uma fita adesiva para que não desgrudem e atrapalhem o exercício de alguma ginasta. Há, também, uma fita que contorna toda a área de competição, delimitando o espaço do tapete que pode ser utilizado durante a apresentação e a parte externa, que, se utilizada durante a série, despontuará a nota da ginasta.

31 A FME constitui-se como um órgão governamental, vinculado à prefeitura e tem como objetivo implantar políticas públicas de desenvolvimento do esporte na cidade. Essa instituição incentiva e mantém as modalidades e seus respectivos

e pelos recursos oriundos das mensalidades. São emprestados às ginastas alguns objetos do figurino de treinamento, como, por exemplo, shorts, tops, collants sem bordados ou aqueles que não são mais utilizados nas competições e os agasalhos da equipe. Os gastos com o figurino são para comprar arranjos de cabelo, como grampos, amarradores, enfeites, entre outros, e os collants de competição. Esse figurino competitivo é de responsabilidade de cada atleta, sendo que um collant de competição pode custar em torno de R$300,00 com bordados em lantejoulas e R$ 5.000,00, ou mais, com cristais Swarovski. Geralmente, as atletas possuem um collant para cada série individual e um para cada conjunto.

As maiores despesas estão concentradas nas viagens para os eventos. Em cada competição e apresentação, há gastos com transporte, hospedagem, inscrição e alimentação. A participação das ginastas em alguns eventos é custeada pela FME, com exceção dos campeonatos brasileiros, que são pagos pelos pais, patrocinadores ou com recursos oriundos de eventos promocionais coletivos. Pela carência de patrocínio, a equipe arrecada grande parte do dinheiro para investir em competições estaduais e nacionais por meio de promoções, rifas, feijoadas e cafés. A treinadora e os pais se reúnem esporadicamente para discutir as formas de obtenção de recursos financeiros.

Em anos anteriores, esse dinheiro também possibilitou a contratação temporária de algumas treinadoras estrangeiras ou de outras equipes com o intuito de aprimorar as técnicas corporais das ginastas, melhorar o treinamento físico e montar as séries das ginastas com um número maior de elementos corporais diversificados. Atualmente, a equipe não conta com qualquer treinadora estrangeira, mas, por várias vezes, algumas ministraram treinos para o grupo. Dentre elas, duas foram cubanas, ficando uma por um mês (1997) e a segunda por três meses (1999), além de outras de nível nacional convidadas.

A divulgação do grupo é realizada a partir de um convite às escolas do município, estaduais e particulares. Nesse comunicado, as treinadoras convidam à participação todas as meninas dessas escolas para um “aulão”. Nele é realizado uma amostra do que é um treinamento de ginástica rítmica, como uma forma de divulgação da modalidade para a comunidade. Nessa seleção, a expectativa é de encontrar novos talentos para participarem da equipe de rendimento. As treinadoras escolhem as

treinadores em diversas categorias nos naipes masculino e feminino, que representam a cidade em competições locais, estaduais, nacionais e internacionais.

melhores meninas para entrarem nesse grupo e as participantes não selecionadas ficam indicadas para frequentarem as escolinhas. As aulas oferecidas às escolinhas do grupo observado acontecem duas vezes na semana, em um total de uma hora e meia ou duas horas de duração, e podem realizar-se nas instituições esportivas, escolares e outros ambientes, em que meninas com idades a partir dos três anos podem participar.

Esse recrutamento é realizado, preferencialmente, no início do ano, no mês de fevereiro, para que as ginastas entrem para a equipe no começo das tarefas anuais. Em relação à dinâmica de treinamentos do grupo, há um cronograma anual para que as atletas aprimorem suas técnicas corporais e de aparelho e progrida em suas apresentações nos campeonatos. Esse cronograma estabelece os treinamentos que são destinados à adaptação do grupo após as férias, a montagem das séries e a distribuição das competições. De maneira geral, em fevereiro, geralmente é realizado apenas o trabalho de aquecimento, sem “pegar aparelho”, sem muita exigência técnica, focando mais na correção postural, exercícios de flexibilidade de perna e coluna e reconhecimento do próprio corpo. Após esse período de adaptação, durante os dois meses seguintes, as atletas trabalham com os aparelhos específicos da modalidade, escolhem músicas e iniciam as montagens das séries. Depois das séries prontas e ensaiadas, é feita uma reformulação dos movimentos excluindo e incluindo os exercícios aos quais as atletas não se adaptaram. Elas só começam a treinar a série com música quando executam os movimentos corretamente e ligados entre si numa sequência pré-definida. Após serem montadas e treinadas, essas séries são regularmente apresentadas conforme uma ordem específica que depende da categoria de cada ginasta e dos aparelhos que são exigidos nos campeonatos. Da etapa de montagem de séries até o final do ano, o cronograma é definido conforme o calendário das competições.

Durante todo o treinamento é realizado um trabalho de preparação técnica, tática e psicológica, em que as ginastas executam os exercícios corporais em uma sequência diária e rotineira de atividades. Quase em todas as sessões de treinamento elas chegam ao ginásio, aquecem e alongam as articulações e os músculos por cerca de vinte minutos. Após essa primeira parte, trabalham força e flexibilidade por meio de movimentos no solo/chão (as alunas se dispersam pelos tapetes e executam deitadas, sentadas ou em pé os exercícios solicitados), ou fazem deslocamentos e saltos na linha diagonal do tapete (as alunas andam em

colunas e executam os exercícios indicados). Há, também, o trabalho de flexibilidade no banco32, no qual devem permanecer em máxima

amplitude. Além desses procedimentos, há exercícios voltados à preparação do ballet executados nas barras. Quando há aulas de ballet voltadas às técnicas de GR, estas, geralmente, são realizadas no início dos treinamentos como forma de aquecimento e fortalecimento muscular. Para finalizar o treinamento, as atletas fazem preparação física, com exercícios que visam ao fortalecimento e melhoria dos sistemas funcionais mais importantes do organismo da ginasta. Parte desse trabalho de treinamento visa aperfeiçoar e manter as qualidades físicas necessárias à realização dos elementos técnicos da modalidade. Para esta preparação física, é importante saber identificar, em uma técnica de ginástica rítmica, qual a musculatura principal envolvida, para poder fortalecê-la e, assim, melhorar os exercícios que exigem força e resistência muscular e possibilitar executar gestos técnicos mais precisos, associando-os a um melhor rendimento.

Há também, além das sessões padronizadas, o treinamento controle. Este é realizado para analisar o trabalho que está sendo feito e para que as ginastas se sintam “ameaçadas” diante da equipe técnica, administrativa e dos familiares. Simula-se uma competição. Assim, as meninas se vestem e se maquiam como nas competições e apresentam suas séries individuais e de conjunto para os visitantes.

Os treinamentos durante as competições são um pouco distintos daqueles do dia a dia e do treinamento controle. As atletas chegam ao ginásio de competição, alongam e aquecem a musculatura. Depois disso, passam a treinar os aparelhos da competição, sem parar. Antes de apresentarem as séries, as ginastas param os exercícios físicos e trabalham a concentração com a treinadora. Em consequência disso, durante as competições, em vários momentos, o trabalho feito com as atletas é “praticamente psicológico”, segundo uma de nossas informantes. Ali, realizam exercícios de meditação e relaxamento, ficando o máximo do tempo focadas no “pensamento competição” e não realizam muito esforço físico, além do exigido no treinamento no ginásio de competição.

Essas informações sobre a dinâmica de treinamentos e competições de um grupo específico possibilitam-nos pensar a construção dos corpos

32 A ginasta deve abrir espacate ou spaccata [do italiano] (abertura das pernas) de perna direita, esquerda e frente, apoiar uma ou as duas pernas (uma na frente e a outra atrás) em bancos, cadeiras ou elevados e fazer a máxima amplitude possível. A expressão utilizada pelos sujeitos é “fazer banco”.

que buscam o rendimento, e são essas rotinas e discursos que pretendemos analisar neste trabalho. Apesar de compreendermos que a organização e realidade de um grupo podem não ser equivalentes à de outros, alguns elementos nos permitem entender o próprio subcampo33. Para tanto, no

próximo capítulo, apresentaremos os procedimentos metodológicos para tal fim.

33 Sobre o retrato da GR brasileira de alto rendimento, pesquisar Toledo; Antualpa (2014).

3. CAPÍTULO II INTERDISCIPLINARIDADE E

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