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6 PERCURSO METODOLÓGICO

6.1 Pressupostos teóricos e metodológicos

6.1.1 Triangulação de métodos: arte e ciência

Partindo do princípio de que nenhum método de produção e análise de informações/dados se esgota em si mesmo, resolvemos combinar diferentes destes, processo esse reiteradamente recomendado por Minayo (2010) e Flick (2009), sob a égide de triangulação, abordagem útil para aprofundar o conhecimento obtido através de métodos qualitativos.

A triangulação de métodos nesse trabalho (Figura 1) é parte de nosso firme propósito de aprimorar a análise das observações empíricas em conjunto informações quantitativas e qualitativas apreendidas nos documentos consultados, integrando-as, conferindo validade interna aos achados da própria pesquisa. Nesse ínterim, Cellard (2010, p. 421) aponta que a validade reside, essencialmente, na “exatidão e pertinência da ligação estabelecida entre as observações empíricas e sua interpretação”, valorando o sentido como lugar central na análise dos fenômenos humanos.

Porém, a análise de informações qualitativas não deve ser ingênua a ponto de eleger a pretensão de empregar um enfoque “correto” ou selecionar a técnica (ou

conjunto delas) “apropriada”. Diante da complexidade e das limitações da própria compreensão, tal labor científico requer competência e rigor intelectual, bem como um relativo conhecimento epistemológico e metodológico, abertura ao diálogo acadêmico (COFFEY; ATKINSON, 2003), e, em especial, à criatividade e à reflexividade. Movimento do pensamento por tal sentido compreensivo passa pela ousadia de combinar, com rigor, aprendizado científico e o desenvolvimento de múltiplas dimensões de análise (artística, intuitiva, dialógica, etc.), mas que não se coaduna com “aventuras” (BOSI, 2007) ou apegos ideológicos.

Diante da diversidade de dimensões analíticas – assumindo uma postura que buscou articular reflexividade e dialética – optou-se nesse trabalho pelo uso da

triangulação de métodos na perspectiva de uma estratégia de diálogo

interdisciplinar. Para tanto, nosso empreendimento analítico valorou o entrelaçamento entre o discurso sobre o PBF e seus desdobramentos no contexto envolvido, considerando com primazia o ponto de vista dos beneficiários em contraste com a linguagem técnica dos documentos oficiais, especialmente normas jurídicas e administrativas, agregando-se na discussão uma diversidade de formulações teóricas sobre os temas destacados.

Por tal enfoque metodológico partimos da consideração de que são tensas e

complexas as relações entre o informalismo da linguagem comum e o formalismo da linguagem técnica, especialmente a jurídico-estatal, sobretudo porque essa última tem o condão de criar uma atmosfera de oficialidade e, por coseguinte, se reveste de uma função instrumental na retórica institucional e casuística dos agentes políticos (SANTOS, 2006), não raro estranhas ou distanciadas dos anseios populares, a exemplo da vontade comumente manifesta no discurso dos beneficiários de uma política compensatória de renda.

Cumpre assinalar, portanto, que por tal emprego da triangulação de métodos – atento à advertência de Coffey e Atkinson, (2003) – não se buscou a acumulação de estratégias analíticas distintas (análise documental + entrevista dialógica) com o fito de elaborar uma imagem coerente e completa da realidade empírica estudada, mas, isto sim, explorar facetas distintas dos nossos dados, especialmente em face da complexidade neles presentes conforme a nossa própria compreensão, construir versões de mundo coerente com a realidade estudada, e, nesse sentido, uma forma de arte.

Igualmente es importante saber que la combinación de diferentes técnicas de investigación no reduce la complejidad de nuestra comprensión. Mientras más examinamos nuestros datos desde puntos de vista diferentes, más podemos revelar - – o em realidad construir –, acerca de su complejidad (COFFEY; ATKINSON, 2003, p. 17).

Sobre arte e ciência, pode-se traçar um paralelo entre fins e meios distintivos dos domínios de atuação de artistas e cientistas, conforme representados em notável síntese pelo físico e historiador alemão Thomas Kuhn.

O cientista, à semelhança do artista, é orientado por considerações estéticas e guiado por modos estabelecidos de percepção. (...) O que quer que signifique o termo ‘estética’, o objetivo do artista é a produção de objetos estéticos, os enigmas técnicos são o que eles têm de resolver a fim de produzir esses objetos. Para os cientistas, os enigmas técnicos resolvidos são o objetivo, e a estética é um instrumento para sua consecução. Quer no domínio das produções, quer no das atividades, os fins dos artistas são os meios dos cientistas e vice-versa (KUHN, 2009, p. 364).

Conquanto longe da certeza assumidamente egocêntrica de Nietzsche (2010, p. 12), manifestada na segunda metade do século XIX, no aforismo: “que a gente se torne o que a gente é pressupõe que a gente não saiba nem de longe, o que a gente

é”, preferimos nesse processo hermenêutico, que também é de autoconhecimento, a estranheza do processo de revelação, suposto por Heidegger (2006), pelo qual o sujeito ganha existência, mediada pela palavra em seu sentido mais fundo.

Reconhecer a importância do sentido na análise é, sobretudo, considerar o papel da subjetividade na ação humana como pressuposto de validade interna da pesquisa qualitativa, bem como da complexidade de sua implicação no contexto natural. Para tanto, é indispensável investir na qualidade das interações entre pesquisador e sujeitos da pesquisa, com emprego de abordagens discretas, valorando o conhecimento aprofundado do contexto pesquisado e dos posicionamentos dos atores sociais e do investigador, enfim, realizar uma escuta simultaneamente crítica e empática aos sujeitos pesquisados, ponderando uma e outra de acordo com as posições epistemológicas assumidas (CELLARD, 2010).

Ademais, na pesquisa qualitativa, as subjetividades e intencionalidades do pesquisador são reconhecidas como parte integrante da produção do conhecimento, e não uma variável a interferir no processo investigativo. Tornam-se dados em si mesmos e constituem material para a interpretação as reflexões do pesquisador qualitativo suas atitudes, irritações e sentimentos (FLICK, 2009).

Assis, Njaine e Minayo (2008) observam ser possível imprimir maior validação interna em uma pesquisa qualitativa quando as categorias conceituais empregadas tem significado mútuo e partilhado entre os participantes e o pesquisador. Assim, no contexto da pesquisa, a implicação do pesquisador e o envolvimento comprometido do sujeito pesquisado são pré-condições importantes para conferir rigor e verossimilhança em uma investigação que toma, por exemplo, a entrevista como base de dados.

Na análise das informações (expressas ou não) a partir das entrevistas, tomamos como referência uma máxima basilar do pensamento de Schleirmercher (2005) que impõe testar com procedimentos críticos, em relação a uma possível inverdade, a legitimidade da certeza de um entendimento efetivamente inserido na linguagem.

apenas proporciona entendimento e compreensão porque os interlocutores (intérprete e interpretado) pactuam uma aproximação de suas representações, e não porque tivessem acesso a um modo de validação absolutamente independente. A compreensão bem sucedida nunca chegará a ser evidente e não obtém da certeza singular daqueles que compreendem nenhum tipo de garantia metafísica para a sua correção (Op. cit.).