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Triangulação metodológica: o emprego combinado de análise histórica,

No documento : a escrita de si na era digital (páginas 42-45)

2 DA TEORIA À PRÁTICA: OPÇÕES TEÓRICAS, PERCURSOS E

2.4 Triangulação metodológica: o emprego combinado de análise histórica,

No tópico precedente, buscamos justificar o emprego da análise histórica como recurso metodológico apropriado à comparação entre os vários estágios de evolução das categorias estudadas. No entanto, o uso isolado desse método se revelaria insuficiente, notadamente porque se trata de uma pesquisa cujo núcleo temático está inscrito na ordem do dia, tal a atualidade de sua natureza. Assim, optamos pelo uso combinado de múltiplos procedimentos metodológicos, recusando as tradições monomaníacas das escolas que, como adverte Bourdieu, se constituem em torno de uma única técnica de coleta de dados.40

De fato, a metodologia empregada deve atender às especificidades do objeto de estudo delimitado. Como a nossa pesquisa se propõe à investigação da cyberintimidade, que se configura pela escrita de si na era digital, como modo de subjetivação do sujeito pós-moderno, usando como recorte o discurso produzido em blogs de caráter intimista, confessional e autorreferente, entendemos que seria muito profícuo o uso de entrevistas semi-estruturadas, conjugadas à análise do discurso propriamente dito dos blogs. O cruzamento de técnicas qualitativas nos possibilitaria, inclusive, confrontar os textos dos blogs com a visão que seus autores têm sobre sua própria escrita, como meio de escaparmos à desconcertante sensação que Philippe Lejeune revelou ter sentido, ao analisar o discurso de blogs, cujos autores tinham uma linguagem tão cifrada, em códigos inacessíveis ao comum dos mortais, que só mesmo a entrevista poderia tornar a sua intelecção menos opaca.41

Nesse quadrante, a escolha de técnicas qualitativas se deve à sua maior adequação ao objeto em estudo, sendo a sua utilização particularmente recomendável em face das “[...] situações nas quais a evidência qualitativa é usada para captar dados psicológicos que são reprimidos ou não facilmente articulados

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BOURDIEU, op. cit., p. 25.

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como atitudes, motivos, pressupostos, quadros de referência, etc.” 42 Assim, como os nossos escopos de trabalho se voltam à discussão de um novo modo de subjetivação, nada mais apropriado que a pesquisa qualitativa, mais afeita à captura de elementos cuja sutileza recôndita escaparia às técnicas tradicionalmente quantitativas.

Quanto às entrevistas, optamos por uma abordagem semi-estruturada, por entendermos que a adoção de um roteiro de perguntas (mais flexível que a aplicação de questionários) nos daria maior abertura para a descoberta de novas nuances ou aspectos interessantes que, por ventura, não tivessem sido vislumbrados originalmente. Quanto à seleção dos blogs a serem encampados pela pesquisa, nos valemos de dois critérios, sendo um objetivo e outro, subjetivo.

O primeiro critério de escolha, de caráter objetivo, foi o grau de acessibilidade aos blogueiros. Escolhemos pessoas que nos conheciam ou com quem tínhamos amigos e conhecidos em comum. Algumas vezes, foram os próprios entrevistados quem nos indicaram os seguintes. (Antes, havíamos tido algumas tentativas mal- sucedidas de abordar escritores sem intermediários). Nem sempre foi possível fazer as entrevistas de forma presencial. Das 10 que fizemos, 6 foram realizadas em tempo real (sendo 2 por Skype e 4 de forma totalmente presencial). As demais ocorreram por email.

O segundo critério de seleção dos blogs, de caráter eminentemente subjetivo, foi o grau de elaboração estética obtido em seus textos. Para a utilização de um critério estético, nos apoiamos na compreensão de que há uma infinidade de escritores talentosos, interessados em auto-narrativas, cuja produção jamais teria vindo a público se não fosse o poderoso instrumento de democratização da expressão escrita em que se converteram os blogs. Assim, a depender de uma intrincada rede de chancelas editoriais e de razões mercadológicas as mais complexas, boa parte de tudo que já se escreveu em blogs jamais teria saído do fundo de gavetas empoeiradas para ser publicado e ficar disponível à leitura de todo e qualquer interessado, mundo afora. Então, seja por um excesso de auto-

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Cf. LAZARSFELD apud HAGUETTE, Tereza Maria Frota. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópólis: Rio, 1987, p. 56.

complacência, seja por um senso de pragmatismo, pensamos: por que comer comida ruim se há tantos banquetes epifânicos a serem desfrutados na Internet?

Por outro lado, o fato de a pesquisa estar circunscrita a blogueiros de alguns Estados dentro do país (à exceção de uma autora portuguesa) nos levou a questionar a validade de um modelo micro para analisar um fenômeno de escala planetária, tal como a cyberintimidade, cuja ocorrência pode ser verificada ao redor do mundo. Mas chegamos à conclusão de que a era globalizada em que vivemos - até pelo modo homogeneizante com que atua sobre a realidade - autoriza, mais do que nunca, a realização de um raciocínio indutivo, segundo o qual chegamos ao todo pela parte. Em sentido convergente, entendem Norbert Elias e John Scotson:

Estudar os aspectos de uma figuração universal no âmbito de uma pequena comunidade impõe à investigação algumas limitações óbvias. Mas também tem suas vantagens. O uso de uma pequena unidade social como foco da investigação de problemas igualmente encontráveis numa grande variedade de unidades sociais, maiores e mais diferenciadas, possibilita a exploração desses problemas com uma minúcia considerável – microscopicamente, por assim dizer. Pode-se construir um modelo explicativo, em pequena escala, da figuração que se acredita ser universal - um modelo pronto para ser testado, ampliado e, se necessário, revisto através da investigação de figurações correlatas em maior escala. Nesse sentido, o modelo de uma figuração estabelecidos-outsiders que resulta da investigação de uma comunidade pequena, como a de Winston Parva, pode funcionar como uma espécie de “paradigma empírico”. 43

A fim de mapearmos valores e impressões relativos ao imaginário cibercultural, de sorte a iluminar algumas pré-compreensões conflituosas que trazíamos conosco em virtude de leituras discrepantes, decidimos, em certa altura da pesquisa, colher também uma amostragem não-probabilística, intencional, formada por acessibilidade, junto a 153 estudantes e professores universitários de Fortaleza, a fim de cruzar a análise dos dados obtidos com as informações colhidas nas entrevistas e nos blogs.

Dadas as especificidades do nosso objeto de estudo, e tratando – como se trata – de uma pesquisa que recai sobre as escritas de si na contemporaneidade, era mais do que natural que as nossas estratégias metodológicas focassem de modo mais expressivo na análise do discurso produzido pelos blogs investigados. E sendo a análise de sua discursividade o corolário de nossa pesquisa, convinha

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ELIAS, Norbert. SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 2000, p.20-21.

passar em revista as opções teóricas em que nos balizaríamos – o que passamos a fazer num tópico em separado.

No documento : a escrita de si na era digital (páginas 42-45)