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Tutela cautelar e tutela satisfativa

4 PRODUÇÃO DE PROVA ANTECIPADA NO NCPC

4.1 NATUREZA JURÍDICA DAS PROVAS ANTECIPADAS

4.1.2 Tutela cautelar e tutela satisfativa

A doutrina tradicional afirma que a tutela cautelar visa resguardar, a partir da

instrumentalidade, a eficácia de um procedimento principal226. Tal pensamento, em uma

noção mais ampla, serve de entendimento ao caráter publicístico da sua função, no que as cautelares se prestam à jurisdição e ao processo.

Divergindo de tal entendimento, surgiu uma corrente que enxerga que a função primordial da tutela cautelar seria a tutela do próprio direito material afirmado pela parte,

desde que submetido ao perigo da demora227.

Já as tutelas satisfativas seriam aquelas que se destinam a resolver as crises de

direito material228, os litígios trazidos ao judiciário pelas partes, a fim de estabelecer, em

uma das perspectivas, uma paz social.

Há quem entenda que se deva reconhecer um caráter satisfativo nas tutelas cautelares, caso em que o conteúdo satisfativo esteja circunscrito tão somente ao direito à cautela e não ao direito acautelado (via de regra material), que só seria protegido de

forma assecuratória229.

226 CALAMANDREI, Piero. Introdução ao estudo sistemático dos procedimentos cautelares. Tradução de

Carla Roberta Andreasi Bassi. Campinas: Servanda, 2000, p. 209. Também nesse sentido, “Estas medidas especíales determinadas por el peligro o la ur-gencia se llaman medidas de seguridad o de cautela (cautelares), porque surgen antes de que sea declarada la voluntad de ley que nos garantiza un bien o antes de que sea realizada su actuación para garantía de su futura actuación práctica y son distintas según la diversa naturaleza del bien a que se aspira. El poder jurídico de obtener una de estas resoluciones es na forma autónoma de acción (acción aseguradora): y es mera acción que no puede coñSid^fátlíe como accesorio del derecho asegurado (cautelado) porque existe como poder actual cuando aún no se sabe si aquel derecho existe; e ínterin, el demandado no tiene obligación ninguna de cautela antes de la resolución del juez. Y también aquí el derecho a la resolución de ^cautela» es un derecho del Estado fundado en las necesidades generales de la tutela del derecho; la p^te solo tiene el poder de provocar su ejercicio en el caso concreto. La medida provisional responde a la necesidad efectiva y actual de remover el temor de un daño jurídico: si este daño era en realidad inminente y jurídico, ha de resultar de la declaración definitiva”. (CHIOVENDA, Giuseppe. Principios de derecho procesal civil. Tomo 1. Madrid: Editora Reus, 1922, p. 262.)

227 “Conceituando a tutela cautelar, tivemos o cuidado de dizer que ela exerce a função de instrumento que

assegura a realização dos direitos subjetivos. Assegura, porém não satisfaz o direito assegurado”. SILVA, Ovídio Araújo Baptista de. Curso de processo civil: Processo cautelar (tutela de urgência). 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. V. 3, p. 38-39.

228 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de

urgência (tentativa de sistematização). 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 109.

229 Nesse sentido, SILVA, Ovídio Araújo Baptista de. Do processo cautelar. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense,

2006. No mesmo sentido sentido: MITIDIERO, Daniel. Antecipação da tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 49.

Nessa linha, a tutela cautelar não estaria vocacionada à garantia do processo (entendimento clássico), mas sim, para eliminar risco de dano ao direito afirmado pelas partes em face do decorrer do tempo até a prestação jurisdicional, de modo a assegurar a fruição do direito que se busca satisfazer, decorrente da relação material controvertida.

É prevenção ao dano imediato que seria capaz de afetar o interesse da parte

requerente e que comprometeria a eficácia da eventual tutela entregue mais a frente230.

No NCPC foi excluído o livro relativo ao processo cautelar, bem como todas as

ações cautelares nominadas231, de modo a consagrar o entendimento doutrinário que

afirmava pela impossibilidade de se enxergar o processo cautelar como um terceiro

gênero de tutela definitiva, mas sim como tutela provisória232. A tutela cautelar foi

colocada junto à tutela antecipada, como espécie de tutela provisória, não tendo havido supressão das diferenças existentes no CPC/73.

A utilidade da presente discussão em relação à prova antecipada é gritante, haja vista que, além de determinar as fundações da aplicabilidade do instituto, ainda pode significar a aplicação de um ou outro procedimento, a depender de qual fundamento se utiliza para a produção antecipada da prova.

O NCPC parece ter sido pensado sem a natureza cautelar do procedimento

autônomo de produção de provas233. Isso para aqueles que entendiam ser este o caráter da

PAP, no CPC/73, como visto no subtópico 2.2, do presente trabalho. Para estes, a produção antecipada de provas “perdeu” sua natureza cautelar, passando a ser ação probatória autônoma sem necessidade de comprovação do periculum in mora.

Também entendemos no mesmo sentido. Seguramente a Produção Antecipada de Provas não tem mais a natureza cautelar que possuía na vigência do CPC/73 – se levarmos em conta a letra fria da lei. A conotação era outra, tendo o NCPC ampliado as hipóteses de cabimento da PAP, reconhecendo o direito autônomo à prova, direito este que é incompatível que a limitativa noção meramente instrumental.

230 THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento da

sentença, processo cautelar e tutela de urgência. V. 1. 49ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 532. 231THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. V. 1. 57ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 614.

232 CALDAS, Adriano; JOBIM, Marco Félix. A produção antecipada de prova e o novo CPC. In: DIDIER

Jr., Fredie (Coord. Geral); JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos (Coord.). Coleção Grandes temas do Novo CPC. Direito probatório. v. 5. 2ª ed. Salvador, Juspodivm, 2016, p. 544.

233 NEVES, Daniel Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado. Salvador: Juspodivm, 2016,

Nesse sentido, a distinção entre a tutela satisfativa do direito material e a tutela satisfativa do direito autônomo à prova também é algo que se apresenta como ponto importante. Estudaremos essa perspectiva em momento posterior deste trabalho.

4.2 CLASSIFICAÇÃO

Com base no que a doutrina já desenvolveu, separaremos as classificações tradicionais em matéria de provas, dando o enquadramento adequado com relação à prova antecipada e tratando ainda das classificações próprias do instituto.

Assim como com relação a qualquer prova, temos algumas classificações que se aplicam também à Produção Antecipada de Provas. Quanto aos sujeitos, a doutrina esclarece que as provas podem ser reais ou pessoais, quando, respectivamente, a sua fonte for coisa/fenômeno ou pessoa.

Nenhuma novidade com relação à prova antecipada, que também pode ter como fonte de prova pessoas ou coisas, tendo em conta que permite qualquer meio de prova. Quanto à forma, podem ser orais, documentais ou materiais. Também nenhuma diferença em relação à classificação específica das provas antecipadas. Aqui, cabe apenas a menção à ampliação dos meios de prova que podem ser utilizados na PAP, já no sistema anterior previsto no CPC/73, havia limitação, conforme já vimos.

Quanto ao objeto, podem ser diretas ou indiretas, a depender se mantêm com o fato uma relação direta ou quando a prova do fato se dá pela comprovação de fato distinto,

que por meio de inferências leva ao fato principal que se pretende provar234.

Quanto à complexidade, como já afirmamos anteriormente, as provas podem ser simples, quando apenas uma prova for suficiente à demonstração do fato, ou compostas, quando seja necessária a produção de diversas provas. Quanto à sua preparação, podem ser: a) casuais ou simples, aquelas preparadas ao logo do processo, ou; b) pré-constituídas, entendidas como sendo aquelas preparadas preventivamente, em vista da utilização em

futuro processo235. Vejamos que na PAP (aqui entendida como gênero) podemos pré-

constituir provas ou mesmo requerer a exibição de outras já existentes, com enquadramentos jurídicos diferentes para cada uma das funções, conforme veremos.

234 DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito

processual civil. v. 2. 10 ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 43-44.

Finalmente, quanto à previsão legal, podem ser típicas ou atípicas, sendo as

primeiras previstas em lei236 e as demais não previstas expressamente237.

Por outro lado, a prova antecipada pode ser unilateral, bilateral, ou plurilateral, quanto à finalidade da sua produção e potencial de eficácia contra outrem.

Na prova unilateral, o requerente quer a prova apenas para formar o seu convencimento, a priori, sem finalidade contenciosa (tal convencimento é, por vezes, difícil, mas possível). Tal medida se aplica aos casos em que os fatos apenas são pertinentes à pessoa do justificante, como, por exemplo, ação promovida para

demonstração da própria idoneidade financeira238 ou para alteração de nome, seja para

pessoas físicas ou jurídicas.

Trata-se de hipótese em que o fato diz respeito exclusivamente à pessoa do requerente, não configurando prova de relação jurídica, em que se pressupõe a existência de demais pessoas envolvidas e a necessidade de citá-las.

Será bilateral quando a prova possa ser produzida e atingir a relação jurídica e a esfera subjetiva de dois sujeitos. E será plurilateral quando envolver mais de dois sujeitos e tiver contra todos eficácia, hipótese que inclusive cogita uma atuação ativa do juiz na colheita da prova em sede de PAP, ainda que com as limitações inerentes ao procedimento.

A prova antecipada também pode ser vista quanto ao momento da sua produção, podendo ocorrer de forma incidental ou antecedente. Incidental quando no bojo de um procedimento onde se visa obter declaração de direitos e algum dos sujeitos requer a antecipação da prova com base na urgência. Antecedente quando a prova antecede o eventual processo onde será debatido o direito substancial controvertido. Aqui caberá a escolha do procedimento apropriado, se o do art. 381 e ss., do CPC ou o da exibição de documentos etc.

Se incidental, seguirá o regramento próprio da prova que se visa produzir, conforme Enunciado FPPC n. 634, que será mais bem abordado adiante.

236 É o caso das provas emprestadas, ata notarial, depoimento pessoal, confissão, exibição de documento

ou coisa, prova pericial, prova testemunhal e inspeção judicial (arts. 372 e 384 e ss. do CPC/15).

237 A doutrina enumera as provas atípicas, exemplificativamente, dentre outras, como sendo: as

constatações por oficial de justiça, as declarações de testemunhas prestadas por escrito, prova cibernética, prova por amostragem, reconstituição de fatos etc.

Quanto ao interesse, a prova pode ser conservativa ou proativa.239 A conservativa

é aquela prova que recai sobre fatos relevantes para a resolução da eventual controvérsia e poderá ser produzida por qualquer interessado que possa vir a ser parte num futuro processo. É prova produzida antes da propositura da ação ou durante seu andamento, mas antes da instrução, com o fim de assegurar e conservar a prova, sempre que haja receio de perdê-la ou de alteração substancial, tornando dificultosa a comprovação em momento posterior240.

De outro lado, a prova proativa é aquela cuja produção pode determinar a medição da própria força dos interessados, mediante obtenção de informação sobre qualquer aspecto do conflito, viabilizando a autocomposição ou outro meio alternativo de resolução de conflitos, ou mesmo o conhecimento prévio dos fatos para dar maior segurança ou impedir ajuizamento de ação na justiça.

4.3 FUNDAMENTOS DO PEDIDO DE PROVA ANTECIPADA: REDUÇÃO DA