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UM “BENEDITINO” NA REPÚBLICA DAS LETRAS

CAPÍTULO 2. VALERY LARBAUD, TURISTA DAS FORMAS

2.1. LARBAUD E A HONRA LITERÁRIA

2.1.1. UM “BENEDITINO” NA REPÚBLICA DAS LETRAS

Certamente há infinitos caminhos a tomar para se falar de um autor, mas nossas escolhas se dão particularmente em função das relações possíveis de estabelecer entre os domínios da escritura e da viagem, já dito, estreitamente dispostas nas práticas larbaldianas e não apenas essas, mas agregar a elas seu pleno desprendimento em favor da literatura, conforme sua vocação que o tornou conhecido entre os amigos como “beneditino”.

Comecemos um pouco por suas leituras de infância, que produziam nele longos “devaneios literários” (LARBAUD, 1986, p. 15). Essas incluíam, entre suas preferências, obras sobre viagens, navegação e explorações geográficas, histórias das colonizações na África e na América, o clássico Julio Verne e outras afins. Faz parte das mesmas atividades sua seção de mapas, ainda hoje muitos conservados em sua Mediateca, que nutriram seus sonhos infantis e o habituaram a evocar outros mundos e que certamente deixaram rastros em sua vida adulta. Não só o gosto pelas viagens, mas, muito além delas, o modo como as realizava, associadas a livros e autores, afinal uma sensibilidade bem treinada, que não se assentava a um mero turista muito provido de dinheiro. No método de Larbaud, para ficar com o termo utilizado por Laforgue e relido por Bachelard, encontramos aquela “(...) tomada de consciência de um sujeito maravilhado pelas imagens poéticas” (BACHELARD, 1996, p. 01).

As viagens foram uma constante em sua vida, tal como os livros. Em seus mais tenros anos, sua primeira viagem além do território francês, de que ele confessa não guardar muitas memórias, foi à Suíça, acompanhado da mãe, em visita sentimental dela à terra que abrigou sua família nos anos de exílio vividos pelo pai, republicano, nos tempos de Napoleão III. Dessa passagem no exterior, contudo, conservou-se em sua memória a notável lembrança de não observar distinções ali das cores dos países, em suas divisões, “seu espanto de não ver, sobre a estrada, uma linha de demarcação, vermelha para a Suíça, malva para a França, tal qual ele via nos mapas geográficos” (AUBRY, 1949, p. 12). O valor de tal reconhecimento, feito em idade tão precoce, demonstra o quanto, para, nosso autor, perdurou o questionamento quanto às fronteiras e a ideia subliminar de seu caráter ficcional ou convencional.

Veremos adiante em Ce vice impuni, la lecture (Domaine anglais), que as verdadeiras fronteiras que se impõem para Larbaud são antes baseadas em critérios diversos e obedecem a outros regimes que concernem propriamente a especificidades da literatura. Em sua opinião,

Existe, de fato, uma grande diferença entre o mapa político e o mapa intelectual do mundo. O primeiro muda de aspecto a cada cinquenta anos; está coberta de divisões arbitrárias e incertas, e seus centros preponderantes são muito móveis. Ao contrário, o mapa intelectual se modifica lentamente e suas fronteiras apresentam uma grande estabilidade... (1998, p. 56).48

Alcançamos, assim, que o transpor fronteiras para Larbaud estava, prevalentemente, subordinado a critérios gerados pela atividade literária e a viagem estava imbuída de mudanças de outro cunho, isto é, não só consistia em atravessamento de países, da maneira comumente concebida; antes se dava pelo mergulho em determinada literatura, em qualquer caso, sustentado pelo trabalhoso domínio das línguas.

O jornalista e escritor angentino Hector Bianciotti (1930-2012), em sua ficção “Bonsoir les choses d’ici bas”, afirma que a viagem para Larbaud se revestia de outros significados: era sempre um tipo de convocação dos lugares como páginas a serem lidas. Bianciotti imagina seu personagem-autor, que não é outro senão Barnabooth, a rememorar um encontro dos dois em Córdoba, na Espanha, ativando a lembrança da “voz a um só tempo surda e enfática” de Larbaud declamando ali um soneto de Gôngora. Para ele, Larbaud “sabia que a viagem era um ato poético, e ele o praticava com fervor, como se lesse um livro mais vasto que os livros” (BIANCIOTTI, 1982, p. 265) 49.

Além disso, o domínio das línguas e o amor à tradução eram meios libertadores para a emancipação do apenas nacional, desejo que o movia para fora de qualquer tipo de fronteira xenofóbica. Com seu estilo, passou a integrar verdadeiramente uma elite, não destituída de particulares poderes, conforme observa Pascale Casanova, em seu livro A República Mundial

das Letras; passou a fazer parte de “um clero cosmopolita” (1982, p. 180), encarregado de

fomentar a existência de

uma espécie de agentes de câmbio, “cambistas” encarregados de exportar de um espaço a outro textos dos quais fixam, por aí mesmo, o valor literário. Valery Larbaud, grande cosmopolita e grande tradutor, descrevia os literatos do mundo inteiro como membros de uma sociedade invisível, de certa forma “legisladores” da República das Letras... (CASANOVA, 2002, p. 180).

48 Il y a, en effet, une grande différence entre la carte politique et la carte intellectuelle du monde. La première

change d’aspect tous les cinquante ans; elle est couverte de divisions arbitraires et incertaines, et ses centres prépondérants sont très móbiles. Au contraire, la carte intellectuelle se modifie lentement et ses frontières présentent une grande stabilité...

49 Je me rappelle la nuit claire, lointaine, sa voix à la fois sourde et emphatique déclamant le sonnet de

Gongora. Il savait que le Voyage était un acte poétique et il le pratiquait avec ferveur, comme s’il lisait un livre plus vaste que les livres.

Para a autora, essa “República”, é definida por seu capital intelectual e mundial, estabelecida também sobre leis, muito próprias, à qual também não faltam a dominação e uma escala de valores, com sua aristocracia, distinta, porém, do mundo político e seus regimes, e no qual a literatura é o grande objeto de disputas. E aqui, ela retoma Larbaud, em Domaine

anlglais, para dar mais vida a esse pensamento:

Existe uma aristocracia aberta a todos, mas que jamais foi numerosa em tempo algum, uma aristocracia invisível, dispersa, desprovida de marcas exteriores, sem existência oficialmente reconhecida, sem títulos e cartas patentes e, contudo, mais brilhante do que qualquer outra; sem poder temporal, mas que detém um poder considerável e tamanho que muitas vezes conduziu o mundo e dispôs do futuro. Foi dela que saíram os príncipes mais verdadeiramente soberanos que a história conhece, os únicos que, durante anos e, em alguns casos, séculos após sua morte dirigem as ações de muitos homens (apud CASANOVA, p. 37-38).

O poeta andante, como se definia, “introdutor e intermediário”, viajava com esse mapa na mão. Apropriadamente, Cocteau o denominou “um agente secreto das letras”. Disse, ao rememorar da época quando, em seu grupo, formado por gente de uma geração mais nova, lia-se Larbaud e “os jovens poetas de sua escolta”: “Fizemos, com ele, nossas verdadeiras viagens. E muito tempo Larbaud me evocará uma suntuosa mala diplomática, coberta de etiquetas multicoloridas, plena das mensagens secretas da República das Letras” (NRF, 1957, p.24).

Seu lugar de embaixador das letras, tão reconhecido, extrapola os campos reservados aos estudos literários, confirmado também em obras de ficção de outros autores até em nossos dias. Citemos como exemplo a literatura do escritor espanhol Vila-Matas, já apresentado, que em seu livro História abreviada da literatura portátil, propõe o personagem Larbaud como “embaixador secreto dos shandys” (2011, p. 52), Larbaud, a quem caracteriza como “o artista portátil por excelência” (2011, p. 48). Ademais, é no mínimo curioso que Larbaud se tranforme em personagem de pelo menos mais três obras de Vila-Matas: El viajero más lento,

O mal de Montano e Bartleby e Companhia. Esperamos também, em outros momentos, trazer

o Larbaud personagem de outras ficções, direta ou indiretamente declarado.

A vasta atmosfera condensada pelas vivências de Larbaud em torno da permeabilidade no conceito de fronteiras acarretou precocemente sua franca recusa de tudo que considerava nacional como acanhado e estreito, principalmente quando ele pensava o mundo político em relação ao mundo literário, como vimos, e considerava suas diferenças ou não correspondências. A absorção desses sentimentos foi uma determinante no trabalho de

toda a sua vida, torcendo, de muitas maneiras, as trajetórias que desenvolveu dentro da literatura. Para ele, todas as instâncias da literatura mantinham uma forte conexão, formavam uma extensa rede que incluía da leitura à escrita, e esta adquiria todas as possíveis expressões, na crítica, na tradução, na ficção, pois todas se intercambiavam. Suas práticas literárias restaram marcadas por um certo tipo de indiscernibilidade ou de difícil classificação.

A consequência de se colocar nesse lugar, obedecendo a um projeto pessoal derivado da sua empedernida inclinação de “amador”, foi a consolidação do que ele próprio definiu como uma “militância”, que compartilha de suas primeiras visões dos processos que ocorrem na literatura. Em carta de 1901, então à idade de vinte anos, vamos encontrá-lo a encorajar seu amigo Marcel Ray a publicar na França uma tradução do Fausto do poeta austríaco Nikolas Lenau (1802-1850), ao mesmo tempo em que também se considera capaz de expressar o que pensava como ideal para a literatura, nos seguintes termos: “Sou da opinião que se faça entrar uma grande corrente de espírito estrangeiro na França. Em minha pequena esfera, “invado” a literatura francesa, à frente de uma tropa de americanos, de ingleses, e logo, penso, de australianos e de canadenses...” (1979, p. 60).

Segundo Françoise Lioure, apresentadora e comentadora da correspondência desses dois amigos, em Larbaud se observa uma atitude contra toda limitação, mediada pela vontade de internacionalismo que “se impõe muito cedo em sua atividade literária por uma ação militante em favor das trocas entre os povos por meio do trabalho crítico e da tradução” (LIOURE, 1979, p. 20).

Do seu trabalho de crítica, a radicalidade de seu posicionamento contra o nacional é levantada a favor da expressão de cada literatura, acolhimento por excelência da voz de cada povo, e que todos contribuíssem com suas peculiaridades. É o que testemunhamos nos comentários que ele emite a respeito da obra de Güiraldes, Don Segundo Sombra, em carta já mencionada:

“Don Segundo Sombra” [...] é certamente o mais americano de seus livros, tanto pelo tema quanto pela língua na qual você o escreve. Sei bem que todos os seus livros são americanos por suas temáticas e que você foi um dos primeiros a romper completamente com a tradição que fazia das literaturas da América Latina as vassalas e imitadoras das literaturas europeias. [...] Você penetrou tanto em seu Continente que tive de fazer um certo esforço para segui-lo. Senti-me, por momentos, totalmente despaisado [...] Você voltou completamente as costas ao leitor europeu [...] “Dom Segundo

estão ausentes o espírito e a arte da Europa. Ele realizou nosso sonho (LARBAUD, 1962, pp. 20-22)50.

No ano anterior, em 1925, Larbaud já publicara um longo estudo sobre as letras sul- americanas em La Revue Européenne, “L’oeuvre et la situation personnelle de Ricardo

Güiraldes”, em que analisa uma renovação dessa literatura pela corrente hispano-americana,

tendo como motivo central uma crítica à obra do autor argentino (L’HERNE, 1992, p. 351). Transitando pela tradução, esta foi praticada sempre em seus estudos de línguas estrangeiras, como um expediente que lhe auxiliava na fixação do aprendizado e, ao mesmo tempo, foi um meio efetivo para aquisição do conhecimento literário. Ou, como ele mesmo confessa, por um “Primitivo instinto de apropriação” (LARBAUD, 1997, p. 70). Aliás, pode- se afirmar que a tradução esteve sempre presente no imaginário do futuro autor de Sob a

invocação de São Jerônimo, pois foi como tradução fictícia do grego que ele publicou, no ano

de 1900, a plaquete de uma comédia religiosa, Les Archontes ou la liberte religieuse, sob o pseudônimo de L. Hagiosy, ao que tudo indica, inspirado nas traduções do grego feitas pelo poeta e romancista belga Pierre Louïs (1870-1925) das obras Aphrodite e Les Chansons de

Bilitis (MOUSLI, 1998, p. 62).

No mesmo período, enquanto se ocupava de suas leituras inglesas, suas tentativas tradutórias passavam por trechos de uma história do Canadá, pelo romance A Casa das sete

torres, de Nathaniel Hawthorne, por páginas de Edgar Poe, Thomas de Quincey, poemas de

Rossetti, de Swinburne e sonetos de Milton (AUBRY, 1949, p. 61). De todos esses ensaios a que se entregava, poucos restaram. Seu primeiro trabalho nessa área que mereceu, de sua parte, uma publicação foi La Complainte du Vieux Marin, da obra The Rhyme of the Ancient

Mariner, de Samuel Taylor Coleridge, em 1901, edição paga pelo próprio tradutor, precedida

de um longo estudo sobre o poeta inglês. Anos mais tarde, em 1911, considerando insatisfatório seu resultado, Larbaud publicará nova versão dele, Chanson du vieux Marin, como um pedido de perdão para com sua primeira vítima: “cette amende honorable envers ma

première victime” (1949, p. 167).

As tentativas de escrever mesclavam-se, desse modo, com o estudo de línguas e ensaios de traduções e de crítica literária. Fascinado pela literatura de língua inglesa,

50 « Don Segundo Sombra »[ ...] est certainement le plus américain de vos livres, tant par son sujet que par la langue dans laquelle vous l’avez éctit. Je sais bien que tous vos livres sont américains par leur sujet et que vous avez été un des permiers à rompre complètement avec la tradition qui faisait des littératures de l’Amérique latine les vassales et les imitatrices des littératures européennes. [...] Vous vous êtes tellement enfoncé dans votre Continent que j’ai dû faire un certain effort pour vous y suivre. J’étais par moments tout à fait dépaysé [...] Vous aviez si complètement tourné le dos au lecteur européen [...] « Don Segundo Sombra » est le premier tant y est visible le caractère américain, tant l’esprit et l’art de l’Europe en sont absents. Il rélise notre rêve..

considerava-se já um anglicista. Nesses termos, propõe ao editor da revista, Karls Boès (1866- 1914) os seus serviços: “Sou um anglicista. Ocupo-me bastante especialmente das canções populares da Escócia e da Irlanda. Eu poderia enviar-lhe tanto quanto lhe apetecesse sob a rubrica. Uma obra estrangeira em tradução” (Apud Aubry,1949. pp. 62-63). Sua primeira investida obteve êxito e inaugurou, por assim dizer, sua vida pública de tradutor, com alguns fragmentos retirados do folclore celta: “’Ballads and Songs’, version en prose d’une ballade

irlandaise, ‘Anne de Lochrayan’, d’une ‘Chanson du Tabac’ (séc. XVIII), d’une complainte écossaise, ‘Saphia’, d’un fragment du ‘May-Pole’ et d’une chanson en patois du Northumberland, ‘Mollee’” (Cahier L’HERNE, p. 324).

Outras propostas ficaram aparentemente submersas em suas atividades de estudante, agora, da Sorbonne, os vários projetos de escrita e suas múltiplas viagens. Assim ocorreu com o estudo crítico sobre Walt Whitman que preparava para a mesma revista, que não será publicado conforme suas expectativas, mas apenas em 1918 pela NRF, como apresentação a uma tradução coletiva do poeta americano, concebida por André Gide, que lhe repassa a tarefa de coordenação daquela edição. Nesse meio tempo, porém, o prestígio de Larbaud já se encontra consolidado, pois, em 1908 já publica Barnabooth e as novelas “Portrait d’Éliane à

quattorze ans” e “Dolly” (1909), o romance Fermina Marquez e mais duas novelas: “Le Couperet” (1910), “Rose Lourdin” (1911) e, em 1913, as Obras Completas de Barnabooth.

Limitando-nos a 1913, no momento, fazemos notar que foi justamente em novembro daquele ano que foi publicado o primeiro texto de Larbaud sobre a tradução. “De la

Traduction” é uma clara demonstração do quanto foi contínua sua atuação nesse campo e uma

medida de seu engajamento para além de apenas “passeur” na literatura. Esse texto, posteriormente, foi amalgamado à Sob a Invocação de São Jerônimo.

Enquanto transcorreu o tempo entre aquela primeira tradução de Taylor Coleridge e outras realizações, Larbaud esteve em permanente e febril ação na tarefa de traduzir, tanto em viagens quanto colaborando com revistas literárias: em 1904, escreve para a revista L’Oeuvre

d’art international o artigo “Les Anges de la littérature”, baseado na obra do inglês George

Meredith (1828-1909), O Egoísta; e, a partir de 1908, principalmente em La Phalange, dirigida por Jean Royère (1871-1956), são fartos os artigos sobre autores ingleses (assinava uma coluna denominada “Lettres anglaises”), que resumimos apenas citando alguns nomes neles envolvidos: Thomas Carlyle, John Murray, Thomas Hardy, G. K. Chesterton, H. G. Wells, Digby Dolben, Oscar Wilde, entre outros. E muitos fragmentos traduzidos, como de Francis Thompson, R. L. Stevenson, William Ernest Henley, W. S. Landor e Arnold Bennett, além de envolver-se em diversas polêmicas sobre outros escritores e obras.

Nessa mesma revista, Larbaud publicou também suas primeiras novelas, que já citamos e vão compor depois suas “Enfantines”: “Portrait d’Éliane à quatorze ans” (1908) e “Dolly” (1909), até ser arrebatado pela Nouvelle Revue Française, por intermédio de Gide, em 1910. Ano a partir do qual os escritos para La Phalange tornam-se mais e mais esporádicos, dadas as exigências contratuais da NRF, difíceis de serem correspondidas pelo senso libertário que o orientava.

Deixando de lado suas relações com as revistas literárias, por si mesmo um longo capítulo na vida de Larbaud, já muito estudado, e que arrematamos apenas dizendo que, num crescente, suas produções se voltam, quase com exclusividade para a NRF a partir de 1911, incluindo aí suas obras de ficção. E, sem outros comentários, queremos voltar ao estudo sobre Walt Whitman, cuja descoberta tanto o fascinou, e que, por isso mesmo, adquire grande importância, não só na área da tradução, como também da escrita larbaldiana. Afinal, aos vinte anos, ele bradava ao mundo ser um whitmaniano, e, pelo que se sabe, apenas James Joyce, duas décadas depois, vai ocasionar semelhante impacto em sua visão da literatura.

Em 1913, Gide participa, em carta, o projeto de tradução coletiva de poemas de

Folhas de Relva, solicitando sua colaboração para organização do volume assinado por

diversos autores. Como vimos, Larbaud já esboçara um estudo sobre Whitman alguns anos antes. Para o projeto, além dos dois, são convidados Jules Laforgue, Jean Schlumberger, Francis Vielé-Griffinn, e Claudel, que declinará do convite em razão de suas divergências com Gide em função dos debates morais que sustentaram, em 1914, em torno do homossexualismo de algumas passagens de Subterrâneos do Vaticano, e também pelo mesmo motivo encontrado por Claudel na poesia whitimaniana.

Contudo, em consequência da guerra de 1914, o projeto será adiado até setembro de 1918, e Oeuvres choisis de Whitman aparecerá precedido de um amplo estudo, atendendo sugestão da editoria da NRF, assinado por Larbaud, que ainda se encontra na Espanha, trabalhando fortemente na tradução de obras de Samuel Butler, por solicitação de Gaston Gallimard. Cabe a ele, pois, além de participar da publicação como tradutor, ser também seu apresentador, atendendo a apelo de Gide:

Penso, com Coupeau e Gallimard, que o melhor seria que assumisses a direção da questão; estás mais bem qualificado que qualquer um de nós para assumi-lo. Se nisso consentires, conforme espero, eu te enviarei a coleção das traduções que recolhi. Há o suficiente para formar um volume bastante

espesso, que será aberto muito engenhosamente por teu prefácio (GIDE, 1989, pp. 159-160) 51.

A estadia de Larbaud na Espanha dura de 1915 ao início de 1920. Dispensado do serviço militar por motivos de saúde, e após a tentativa de servir, em Vichy, como enfermeiro de feridos no conflito, o autor muda-se para o outro lado dos Pirineus como correspondente de

Le Figaro, residente principalmente na cidade de Alicante. Esse período, mais que sua intensa

atividade de tradução da obra do escritor inglês Samuel Butler, foi rico em conhecimento de autores hispânicos, entre estes, Ramón Gomez de la Serna, de quem se tornará tradutor, e Gabriel Miró, de quem também encaminhará a entrada na França. Um dos resultados das afinidades e dos afetos desenvolvidos naquele país vizinho será o artigo escrito em 1924, contra a deportação de Miguel de Unamuno pelo regime de Afonso XIII, para o arquipélago das Canárias (in Cahiers l’Herne-LARBAUD, 1992, p. 222).

Essas rápidas tomadas demonstram, de uma forma bem ampla, o quanto a vida do autor se pautou sempre entre atividades bem variadas, nas quais incluía sua criação pessoal (em 1902 já dá forma a Barnabooth), e que ele nunca deixou de despender esforços para a divulgação de literaturas estrangeiras nas revistas mais influentes da França, fosse através da tradução, fosse pela dedicação à crítica, ou mesmo na pura defesa de seus escritores.