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1.3. Análise Combinatória em Salas de Aula

1.3.1. Um Breve Histórico da Análise Combinatória

A necessidade de contagem é muito antiga (SILVEIRA, 2016), assim, as origens da Análise Combinatória são remotas. O pensamento combinatório se desenvolveu no decorrer do tempo como consequência de inúmeros problemas que demandavam de métodos adequados de contagem (ROSA, 1998).

Há indícios arqueológicos de que a humanidade sabe contar há, pelo menos, 50.000 anos. Assim, alguns documentos provam a presença de conhecimentos de contagem em antigas civilizações, como, por exemplo, a China, a Mesopotâmia, a Índia e o Egito. Sabe-se também que a contagem surgiu, inicialmente, da necessidade dos povos resolverem situações práticas e utilitárias que envolviam processos de contagem (BASTOS; VICTER; LOPES, 2016).

De acordo com Gerdenits (2014), nos primórdios da evolução humana, contata-se que a humanidade possuía algum entendimento matemático relacionado com a contagem, como, por exemplo, a contagem de rebanhos e a quantidade de membros que participavam de uma tribo.

Nesse sentido, Bastos et al. (2016) argumentam que o primeiro processo matemático aprendido na infância é o de contar com os dedos das mãos os objetos que

nos cercam, procurando enumerar os elementos de um estipulado conjunto para obter o número de seus elementos.

Nesse contexto, pode-se afirmar que a origem das operações aritméticas está associada com os problemas de contagem, pois a:

(...) escrita veio depois da contagem, mas para a ocorrência da escrita também houve a necessidade de criar um conjunto de símbolos e regras, para o surgimento de palavras com sentido. Esse fato criou a necessidade de combinações com regras ou exigiu uma boa dose de análise combinatória (BASTOS et al., 2016, p. 15).

Nessa perspectiva, Cataldo (2013) afirma que foi a necessidade de calcular o número de possibilidades existentes nos resultados em jogos de azar que instigou o desenvolvimento do estudo dos métodos de contagem. Assim, Rosa (1998) argumenta que, no século XVI, jogava-se apostando dinheiro.

Por exemplo, Girolamo Cardano (1501-1776) perdia o seu dinheiro em apostas, desenvolvendo, assim, mais profundamente, as técnicas de contagem e combinações, contribuindo principalmente para o desenvolvimento do cálculo das probabilidades.

Desse modo, a Análise Combinatória é concebida como uma consequência do desenvolvimento de métodos que permitem contar, de uma maneira indireta, a quantidade de elementos de um conjunto, que estão agrupados sob certas condições.

Nesse direcionamento, encontram-se na história inúmeras situações envolvendo os conceitos de Análise Combinatória, como, por exemplo, o famoso problema das quatro cores, que é o problema 79 do papiro egípcio de Rhind, bem como o quadrado mágico Lo Shu.

1.3.1.1. Problema das Quatro Cores

Historicamente, o problema das quatro cores foi motivado por questionamentos realizados por Francis Guthrie (1831-1899), um matemático e botânico sul-africano, que percebeu que a maioria dos mapas encontrados nos atlas era colorida com no mínimo quatro cores, dado que os territórios adjacentes no mapa apresentavam cores diferentes (MACEDO; PETTY; PASSOS, 1997).

Questionando-se se era possível colorir qualquer mapa utilizando apenas quatro cores, Guthrie escreveu para o seu irmão Frederick, solicitando que elaborasse uma demonstração matemática que provasse porque quatro cores são suficientes para colorir quaisquer mapas, dadas as condições de que as regiões vizinhas tivessem cores diferentes

(MACEDO et al., 1997). Então, “Frederick encaminhou o problema para o matemático Augusto de Morgan, seu professor, que tentou em vão demonstrar o teorema” (MACEDO et al., 1997, p. 9).

De acordo com o Macedo et al. (1997), o desafio proposto por Guthrie ficou sem solução por mais de um século, sendo que, algumas tentativas de resolução:

(...) tiveram aceitação por muitos anos, mas foram superadas por outras mais abrangentes, não sendo nenhuma delas suficiente para resolver o problema. A solução, em princípio satisfatória, foi dada por Kenneth Apple e Wolfgan Haken, professores da Universidade de Illinois, em 1976, depois de seis anos de intensas pesquisas utilizando computador (p. 10).

Contudo, a solução apresentada por Kenneth e Wolfgang era “longa para ser verificada à mão e havia sempre a possibilidade de os computadores terem cometido algum erro de difícil detecção” (SOUSA, 2001, p. 134).

Por exemplo, Silveira (2016) argumenta que, no decorrer de alguns experimentos ao longo desses anos por meio da utilização de computadores, estudiosos chegaram à conclusão de que é possível que todo mapa possa ser colorido com no mínimo quatro cores, obedecida a condição de que os países vizinhos, com algum traçado de fronteira em comum, apresentem cores diferentes.

1.3.1.2. Problema 79 do Papiro Egípcio de Rhind

A civilização egípcia antiga vivia centrada no rio Nilo e, por consequentemente num estado de isolamento natural, resguardando-se de possíveis invasores. Devido ao clima seco predominante na região, muitos registros dessa civilização, os denominados papiros, foram conservados no decorrer da história (BASTOS; VICTER; LOPES, 2016). Dentre esses papiros, existem dois principais e mais antigos que estão relacionados com os registros matemáticos: o papiro de Rhind ou Ahmes (1650 a.C.) e o papiro de Moscou ou Golems (1850 a.C.) (BASTOS; VICTER; LOPES, 2016). Assim, de acordo com Bastos et al. (2016), no problema 79 do papiro de Rhind, encontram-se um dos mais antigos documentos sobre Análise Combinatória. A figura 07 mostra o papiro de Rhind.

Fonte: http://www.egiptologia.org/ciencia/matematicas/papiro_rhind.htm

Para Vazquez e Noguti (2004), as regras básicas de contagem e as suas aplicações têm sido apontadas, desde as civilizações mais antigas, por situações que destacavam a incerta propriedade da memorização, como, por exemplo, o problema nº 79 que é apresentado no quadro 03.

Quadro 03: Problema 79 do papiro de Rhind

Há sete casas, cada uma com sete gatos, cada gato mata sete ratos, cada rato teria comido sete safras de trigo, cada qual teria produzido sete hekat20 de grãos; quantos itens têm ao todo?

Fonte: Vazquez e Noguti (2004)

Na perspectiva de um raciocínio combinatório, a resolução do problema 79 sugere o emprego de dois princípios utilizados com frequência na resolução de problemas de Análise Combinatória: o princípio aditivo e princípio multiplicativo.

Por exemplo, Bastos et al. (2016) comentam que a união do conjunto das casas com o conjunto dos gatos pode ser calculada mediante a operação: 7 + 49 = 56. Por outro lado, o número de ratos deve ser calculado através do produto: 7∙7∙7 = 343.

1.3.1.3. Quadrado Mágico Lo Shu

De acordo com Vazquez e Noguti (2004), o problema mais antigo que correlaciona a teoria dos números com a Análise Combinatória 21, é o da constituição de quadrados mágicos. Nesse sentido, os “quadrados mágicos (de ordem n) [são] um arranjo

20Hekat é uma unidade de medida de grãos, utilizada no Egito Antigo, que equivale a 4,8 litros (VAZQUEZ; NOGUTI, 2004).

21Durante muito tempo, o conceito de cálculo combinatório foi considerado completamente desconectado do cálculo aritmético (VAZQUEZ; NOGUTI, 2014).

de números 1, 2,3 ... n2 em um quadrado n x n de forma que cada linha, coluna e diagonal deste quadrado possua a mesma soma” (p. 2).

Os quadrados mágicos consistem, desde as épocas remotas, um desafio que seduz a todos. Considera-se que os chineses foram os primeiros que descobriram as suas propriedades e, provavelmente, foram os inventores do primeiro quadrado mágico denominado de Lo Shu, que data do século I d.C. (SANTINHO; MACHADO, 2006).

Em concordância com a lenda, o imperador da antiga China, Yu (2800 a.C.), estava meditando às margens do Rio Lo no momento em que emergiu uma tartaruga, que era considerado como um animal sagrado, pois trazia estranhas marcas em seu casco (SANTINHO et al., 2006).

Ao reproduzir as marcas utilizando barbantes com nós, Yu percebeu que as marcas poderiam ser transformadas em números que, quando dispostos numa tabela somavam quinze em todas as direções (SANTINHO et al., 2006). A figura 08 mostra uma representação do diagrama construído no casco da tartaruga e a sua relação com o quadrado mágico Lo Shu.

Figura 08: Diagrama e quadrado mágico Lo Shu

Fonte: Vazquez e Noguti (2004)

Para esse quadrado mágico foi atribuída uma peculiaridade mística, pois se pensava que era o símbolo que combinava os elementos básicos formadores do universo. Assim, os números pares foram associados ao Yin, considerado pelos chineses como o princípio feminino (SANTINHO et al., 2006). Os números ímpares foram associados com o Yang, concebido como o princípio masculino. O número 5 (cinco) ao centro do quadrado corresponde a Terra e ao seu redor os quatro elementos principais: a água 1 (um) e 6 (seis), o fogo 2 (dois) e 7 (sete), a madeira 3 (três) e 8 (oito), os metais 4 (quatro) e 9 (nove) a mística (SANTINHO et al., 2006).

Nesses três episódios observa-se a aplicação do pensamento combinatório no processo de resolução de cada problema no decorrer da história. Assim, de acordo com Morgado, Carvalho, Carvalho e Fernandez (1991), a:

(...) Análise Combinatória teve um crescimento explosivo nas últimas décadas. A importância dos problemas de enumeração tem crescido enormemente, devido às necessidades de teorias dos grafos, em análise combinatória de algoritmos, dentre outros estudos (p. 05).

Por conseguinte, o raciocínio combinatório surgiu como um novo campo da Matemática em fins do século XVII, consolidando-se a partir do surgimento de notáveis publicações, como, por exemplo, o livro Dissertatio de Arte Combinatória, escrito em 1666, por Leibniz, que descreveu a Análise Combinatória como o estudo da colocação, ordenação e escolha de objetos.

No princípio do século XIX ainda não havia uma definição precisa para a utilização dos termos arranjo e permutação, contudo, Leibniz caracterizava as permutações por variações, cuja expressão é empregada, atualmente, para indicar arranjos (VAZQUEZ; NOGUTI, 2004). De acordo com Rosa (1998):

A partir de meados do século XVIII, a Análise Combinatória passou a ser utilizada em vários ramos da Matemática como Estatística, Álgebra, Probabilidade, Lógica, etc. e em outras áreas do conhecimento humano como Biologia Molecular, Programação de Computadores, Economia, Teoria da Programação para o bom Funcionamento da Empresa, etc. (p. 4).

Nesse direcionamento, Vazquez e Noguti (2004) argumentam que, atualmente, a Análise Combinatória pode ser considerada como uma base importante para o desenvolvimento de várias teorias matemáticas, como, por exemplo, a teoria das probabilidades e determinantes, a teoria dos números, a teoria dos grupos e a topologia.

Desse modo, Rosa (1998) afirma que, além de estar presente em diferentes ramos da Matemática, a Análise Combinatória também está presente em ciências diversas, como, por exemplo, a Física, a Química, a Biologia, a Economia e os Esportes.