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Um corpo para brincar

No documento Rafael Domingues Adaime.pdf (páginas 59-66)

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Idem. p. 65.

55 Idem. p. 84. 56 Idem. p. 85.

A po sição da e spr e ita cl ínica é se me lha nte a do Ze n – me nte

vaz ia , algo dis par a5 7. Se r ia inte r e ssante se pude sse se r assim . A

ar te caval he ire sca do ar que ir o ze n só atin ge sua pe r fe ição quan do o ind iví duo ze ra a infl uê ncia do 'e u' so bre si. É q uando e le pára de pe nsar que a fle cha é d ispara da. Mas co mo ne sse mo me nto e le não e stá al i e nqua nto su je ito, po is afasto u o e u, o que é que di spara?

“Co mo o dis par o po de o co r re r, se não fo r e u que o fize r aco nte cer ? ”

“Algo d ispara”, re spo nde u -me o me str e .

“Já o uvi e ssa r espo st a o utras ve ze s. Mo dif ico, po is, a pe r gun ta: co mo po sso espe rar pe lo di sparo, e sque ci do de mim me smo, se

e u não po sso e star pr e se n te? ”

“Algo pe r mane ce na te nsão máxim a”. “E o que é e sse algo ? ”

“Q ua ndo o se nho r so u ber a re spo sta , não pr e cisar á mais de mim. E se e u lhe de r algu ma pis ta, po upa ndo - o da e xper iê nc ia pe sso al, se r e i o pio r do s me str e s. Po r isso, não fale mo s mais! Prati que mo s!”5 8

Para não sub jugar um caso, tal vez se ja pre ciso inco r po rar algo co mo a não - me nte Ze n, um e stado de te nsão máx ima t ípico da espr e ita anima l, uma d imi nuição de si para não so bre po r-se ao caso, assi m, ta lve z , algo disp arasse no se nti do de uma nova pr ática , de uma nova e xper ime n tação.

No caso de Die go, atravé s do re lató r io da e sco la no te i que po der ía mo s co me çar pe lo de se nho. Mas no caso de um adu lto,

57 Eugen Herrigel, A arte cavalheiresca do arqueiro zen, Pensamento, p. 63. 58 Idem. p. 63

ge ralme nte é pe la fala que po de mo s pe r ce be r o u in tuir algu m dispo s iti vo, algo ao que li gá- la para que e le po ssa move r-se no se n tido de uma re inve nção de si. um se nt ido po ssí ve l para sair da cr ise . Uma pacie n te d isse -me que quando e stava tr iste ia para o chuve ir o to mar ban ho, era um in dica do r de saúde . Então, f iz uma e spé cie de e ntre v ista co m e la, uma co nve r sa so br e banho para co nhe ce r a sua inve nção. Per gu nte i se era chuve ir o o u banhe ira , po r e xe mp lo, que t ipo de su bstân cias para ba nho e la usava , o que e la faz ia, a fim de co mpo r uma ce na e am pli ar o s e fe ito s do banho pe la fa la e pe la inte r fer ê ncia do de se jo no ato da fala , abr indo para novas i nve nçõ e s, le vando o ban ho no se n tido de uma expe r ime ntaç ão clí nica .

No utr o caso, um jove m e m cr ise , co m o que lhe disse ram se r

síndr o me do pâ nico , falo u- me que se nti a-se be m pratica ndo

natação, mas que há mui to te mpo não nad ava. Novame n te , era o caso de uma pe sso a que diz o que po de lhe aju dar a sair da cr ise , do nde uma e ntr e vista po de func io nar co mo a e xpe r ime n tação de um assu nto, abr indo o indi víd uo ao s de vir e s. de ma pe ame nto : “Q uando vo cê co me ço u a nadar ? Q ue e stilo s de nado pra tica? Es tá pe nsan do e m vo ltar a nadar ? Co mo apre nde ste a nadar ? Etc .” Uma e ntre vis ta:

Pre ciso vo ltar a nadar , go sto mui to de nadar .

E co mo fo i que isso co me ço u?

Le mbr o de qua ndo e u t inha 3 ano s. Me u pai diz ia que pr ime ir o

e u fi que i o lhan do o mar um po uco assu stado , mas que lo go e ntre i . Eu le mbr o que e u e ntr ava no mar e cami nhava adian te se m que re r par ar , até que me u pai ia me bus car .

A ce na é fo r tíss ima! Um me n ino de 3 ano s que vai e m d ire ção ao o ce ano pro fu ndo. O pai o r e sgata , lhe diz do s l imi te s e do s r isco s atravé s de um ge sto. Há uma so ltura , um de ixar- se ir ao

il imi tado. “Q ue r o vo ltar a nadar, em pisci na”. Isso se par e ce co m uma via de sa ída, e vár ias que stõ e s sur ge m daí . Uma pe sso a que che ga 'travada' à clín ica e q ue sabe , pe lo me no s, de um mo do para so ltar- se um po uco. Ne sse s caso s, par e ce que um cor po e mbaixo do o r ganis mo ainda co nse gue visl umbrar uma saí da, e e le dispara - o co r po se m ó r gão s é algo . Do nde a espr e ita clí nica é també m uma ate nção ao s movime nto s do co r po se m ó r gão s, o ino r gânico no cor po. Mas ne m se mpr e a cr ise per mi te que a pe sso a faça o movi me nto e m d ire ção ao que lhe po de li ber tar, pe lo sim ple s fato de que re r, ne ssas ocas iõe s te mo s de ajudá -la a che gar lá . Por que o pac ie nte não po de de pe nde r do te rape uta para o r e sto da vi da, e le te m que r e to mar a sua po tê nc ia e xpe r ime n tal, até se l ibe r tar inc lusi ve do te rape uta . Sua capaci dade de br i ncar, co mo diz Winn ico tt , te m que se r le vada ao lim ite das suas po ssi bi lida de s, co m as pr e cauçõ e s de uma pr udê ncia i nve nta da por co nta pr ó pr ia na me tae stab il idade da pró pr ia e xper i me ntação.

Sua cr ise fo ra e nte ndi da e m no sso s e nco ntr o s, no pr i me iro mê s de psico te rap ia, co mo um pr o ce sso de bur o cr at iz ação pe lo qua l sua vi da fo ra to mada, ins talan do -se no p lano amo r o so, pass ando pe lo tra balho e pe la cr iaç ão até e nr ije cer quase que a to tal idade do campo vita l. Na pr ime ira se ssão, e le me havi a pe di do ind icaçõ e s de te xto s e scr i to s pe lo s au to re s que infl ue nciam me u mo do de traba lhar na clí nica e por causa das suas r e laçõ e s de traba lho, indi que i um te xto de G uattar i i nti tul ado “So mo s to do s gr upe lho s5 9”. De sse te xto e le cr io u uma palavra para dize r do que

lhe oco rr ia : “acho que acabe i bur o cr atiz ando a min ha vida ”, e co nclui u: “se eu pude sse br incar mais , tal vez acabasse m as cr ise s”.

O di agnó st ico pare ce ra-me per fe i to ! Insta le i gancho s na par e de

da clí nica pe nsan do que pu de sse m se r uti liz ado s por e sse pacie nte , no se nti do do br in car de que fa lava , que para mi m est ava na viz in hança do br incar Winni co tti ano. Pe nse i que a cr iação de uma r e de de lin has, co r dõe s, fitas , po der ia ajudar a mover o se u co r po para fora do maqu inis mo bur o cr ático que o havi a to mado, faze n do -o co me çar a fugir para uma r e inve nção de si. O cor po da cr ise de ver ia ser esq ue cido e m pr o l de um novo que pre cisar i a se r cr ia do. Inic ial me nte , e u não sab ia co mo po der ia uti liz ar o s gancho s, e e ntão, d urante as trê s se manas po ste r ior e s à fi xação do s me smo s nas par e de s, eram do ze gancho s, fiz al guns te ste s . Pe r ce bi que inst alar as lin has for man do uma espé cie de te ia e de po is se gu í- las co m os o lho s ve ndado s, e scapando da in te r pre tação visua l, pro duz ia , no mín imo, a se nsação de se e star jo ga do no ine spe rado, pe la via do tát il e do se nsíve l , inte r r o mpe ndo -se o fluxo in inte r r upto do pe nsame nto. Alé m disso, pe nse i que lançar -se ao ine spe rado de sse mo do, po der ia pr o duz ir se nsaçõe s mui to pare ci das co m o

pânico , que se gu ndo e le diz ia , pr e cisava se r vig iado a to do

inst ante , po is a “cr ise ine spe rada” po de r ia “apare ce r a qua lque r mo me nto ”. Esse e stado de vig ília co nstan te , ate nta a ir r upção das cr ise s, po de r ia se r suti lme nte avar iado co m a e xpe r ime n tação da insta lação das li nhas .

Ele passo u pe la e xper iê nc ia duas ve ze s. Na pr ime ira , ins talo u as lin has e nquan to e u lia em voz al ta A passage m das ho r as6 0, de Fe r nan do Pe sso a: “Mul tip li que i- me para me se nt ir / para me se n tir, fo i pr e ciso se nt ir tudo ”. Q uando e le acabo u co m um carr e te l e me io de l inha e disse que est ava pr o nto, per gu nte i co mo achava que po der ia e xpe r ime ntar a ins talação. Co mo não te ve idé ia algu ma, suge r i que lhe pusé sse mo s uma ve nda e que e le cami nhasse pe lo lugar se m enxe r gar. Ne sse mo me nto, pe r ce b i que a si tuação est ava inte r fer in do num po nto de amar ração da

cr ise , po is e le fico u co m “me do ” de po r a ve nda , e lo go de po is

de cidi u e nfr e ntar o de safio. A par t ir da í, caminho u po r cer ca de uma ho ra, e ntr e o s fio s da sua re de , e nquan to eu lia o e xte nso poe ma e m voz al ta.

Alg umas se man as de po is , nu m mo me nto e m q ue a co nve r sa fo i to cada pe lo assunto do me do de so ltar- se à vida vivi da no pre se nte , su ger i que e le pas sasse novame nte pe la e xper iê nci a de inst alação das l inhas . Fiz algu mas mo dif icaçõ e s no pr o grama, por exe mplo, não li te xto al gum dura nte o pr o ce sso to do, fique i e m silê nc io, aco mpanha ndo co m o s o lho s.

De po is que a re de de li nhas est ava insta lada , co lo que i -lhe a ve nda ao s o lho s e e le co me ço u a movi me ntar- se pe lo lugar. De ssa vez e le não te ve me do de co lo car a ve nda , o que par e ce u se r uma dife r e nça si gni fica tiva . Passado s algu ns m inu to s, co me ce i a so ltar bo las de pi ngue - po ngue pe la sala , ao s se us pé s, te ntan do pr o duz ir- lhe uma se nsação de inse gura nça ao cam inhar, pr ovo cando o cor po a inve n tar um o utro ti po de movi me nto para lo co mover- se pe lo espaço de sco nhe c ido. As bo las dis parava m um so m i nte re ssan te pe lo amb ie nte e o e fe ito ge ral era de r iso po r par te do pac ie nte ; co mo nu ma br i ncade ira de sco n traída , eu també m r ia e m silê ncio, sat isfe ito co m o que via – e le te ntava pe gar as bo l inhas pe lo so m e e sque cia de cuidar das l inhas , esbar ran do ne las distra idame n te .

Pe r cor r e u suas lin has e o e spaço po r ce r ca de tr inta min uto s, até e nco n trar-se e m um impasse impo r tan te . Ele disse ba ixi nho : “Pe r di a no ção do e spaço ”. Po r lo ngo te mpo e le havi a se de slo cado pe las lin has no ce ntr o da sala , se m e nco star- se e m pare de s e mó ve is , qua ndo de r e pe nte bate u na po l tro na que ficava ao la do da ja ne la. Na ho ra não pe r ce b i o que ti nha aco nte cido, e le co nt inuo u anda ndo pe la sala po r mais me ia ho ra,

quan do e ntão lhe pe d i que enco ntras se um mo do de final iz ar a e xpe r iê ncia . De ixo u a jane la o nde ficara no s úl timo s minu to s e re tir o u a ve nda. Então, co n to u-me o que oco rr e ra.

“Eu ach ava que e stava na po r ta e q uando bati na po l tr o na per ce bi q ue e stava ao lado da ja ne la”. To ma do pe lo pe nsame nto de te r pe r dido a no ção do e spaço , fo i invad ido pe las me smas se nsaçõ e s que pre ce dia m suas cr ise s, e te ve me do de so fr e r um

ataque de pânico naque le ins tan te . Se u pr ime ir o im pulso, di sse ,

fo i o de que r er r e tirar ime d iata me nte a ve nda que l he co br ia o s o lho s para situar- se e spacia lme nte e e vit ar a po ssíve l cr ise . Mas e le de ci diu po r não r e tir á-la e co ntin uo u a cam inhar, se ntin do o me do diss ipar- se le n tame nte até de sapare ce r.

Duas se manas mais tar de , sur giu um ó timo in dica dor do s e fe ito s disp arado s po r e ssa e xper i me ntação. Ele me d isse que e stava per ce be ndo que o alar me ant i- cr ise , ante s in inte r r uptame n te lig ado, ti nha passado lo ngo s pe r ío do s de sli gado no s últ imo s d ias.

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