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Um Ensino farmacêutico autónomo, mas ferido no seu estatuto académico

"Antes de 1902, não existia propriamente ensino oficial de farmácia, vigorando o regime arcaico de 1836, os candidatos à profissão de farmacêutico, tal como os cirurgiões antes de 1825 não possuíam nenhum curso: apresentavam- se a exame com oito anos de prática (efectiva ou fictícia) (...). Havia também os farmacêuticos de Ia classe; mas esses, além de constituírem uma ínfima percentagem do total, eram na sua quasi totalidade representados por estudantes de medicina, que, tiravam cumulativamente os dois cursos. O de farmácia era quasi nominal.

Nessa conformidade, eram tão numerosos os farmacêuticos criados cada ano e tão baixo o nível da sua preparação, que o descrédito da classe se agravava de ano em ano em proporções alarmantes" (A Pires de Lima, 1933: 11)

O século XX, com a publicação da Carta de Lei de 19 de Julho de 1902 sendo estadista Hintze Ribeiro1 2 6, vem a consagrar, em Portugal, o ensino

farmacêutico como ensino superior, a cargo de Escolas de Farmácia, anexas às Escolas Médico-Cirurgicas no Porto e em Lisboa, e à Faculdade de Medicina em Coimbra, e na dependência teórica e administrativa da Medicina, herdada do século XIX127. Para a matrícula passa a exigir-se, aos candidatos, o curso

complementar de ciências dos liceus e dois anos de prática, ou o curso geral dos liceus e três anos de prática. A prática farmacêutica devia ser validada por um exame realizado na Escola de Farmácia128 após o curso liceal. Um regulamento

de 27 de Novembro de 1902 obriga ao seu registo em livro especial na escola (Albuquerque, op. cit.: 2 - 6).

1 2 6 "A reforma foi tornada possível pela oferta que uma comissão de farmacêuticos fez ao Ministro (...) e pela qual a classe farmacêutica se onerava voluntariamente com um imposto sobre especialidades farmacêuticas destinado a custear as despesas com o ensino da farmácia" (Correia da Silva, 1969: 7). Por seu lado, Sousa Dias (1988: 11) considera que este foi o preço que os partidários da produção industrial se viram obrigados a pagar pela vitória.

1 2 7 Competia ao Lente de Matéria Médica da Escola Médico-Cirurgica que integrava o Conselho Escolar da Escola de Farmácia presidir aos exames gerais do curso de farmácia e presidir aos exames de 2o classe do do período transitório. (Anuário da Escola Médico-Cirurgica do Porto, 1906: 275).

1 2 8 Do exame constava a identificação de 12 plantas medicinais e de oito medicamentos compostos, a execução de uma preparação oficinal da farmacopeia Portuguesa e de duas preparações magistrais, e a interpretação do regimento de preços (Sousa Dias, idem: 11).

Esta Reforma punha termo à distinção entre farmacêuticos de Ia e 2a

classe, passando o curso de farmácia a ser obrigatório para todos os que quisessem seguir a profissão1 2 9 praticamente em igualdade de circunstâncias

com os demais candidatos ao ensino superior, o mesmo é dizer, às profissões com maior estatuto social.

Mais uma vez, "um senão embaciou esta lei: o largo período transitório que concedeu", (idem: 28) mercê do qual, por 10 largos anos, as escolas serviram sobretudo como instâncias legitimadoras dos "oito anos de boa prática1 3 0", mais do que instâncias de formação farmacêutica superior, na

senda da nova ciência química, o paradigma científico que reiteram ser a razão de ser da sua vocação académica131.

Subentende-se nesta afirmação o desejo de exorcizar definitivamente uma situação interna que apresentava efeitos desqualificantes no plano sócio- profissional e que constitui como que um pecado original desde a sua génese. Esta tensão oporá, cada vez mais, os farmacêuticos dos cursos relativamente regulares e os farmacêuticos da "escola prática" que, como vimos, mercê das

1 2 9 O Curso passou a ser constituído por quatro cadeiras com aulas teóricas e práticas, sujeitas a exame individual e exame final, a saber: no Io ano, História Natural das Drogas, Posologia (Ia cadeira) e Farmácia Química, Análises Microscópicas e Químicas aplicadas à Medicina e à Farmácia (2o cadeira). No 2o ano, Farmacotecnia e Esterilização (3n cadeira) e Análises Toxicológicas e Química Legal, Alterações e Falsificações de Medicamentos e Alimentos(4a cadeira) e ainda como curso auxiliar, Deontologia e Legislação Farmacêutica {Anuário da Escola

Médico-Cirurgica do Porto, 1906: 276).

130 pa r a além das condições exigidas para a frequência do curso regula, podiam frequentar a escola, ao abrigo do período transitório, indivíduos com seis anos de prática registada que apresentassem certidão comprovativa dos exames de: instrução primária, singular de francês ou inglês e ainda do exame singular de aritmética e de física. Para além disto existiam ainda os chamados "exames vagos" que habilitavam profissionalmente para o exercício indivíduos possuidores exclusivamente de prática farmacêutica. Serão estes que maioritariamente acorrerão às escolas para se profissionalizarem (Anuário da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, 1906: 272- 278).

Na Escola do Porto, apenas 42 matrículas se contam nos 9 anos de vigência desta lei (...) [dos quais] apenas 21 obtêm aprovação final, ao passo que até 1915 se fizeram 305 exames de 2a classe, o último de que se tem notícia ocorreu em Fevereiro de 1915 (Albuquerque, op. cit.: 28-37). Na mesma linha A. Pires de Lima (op. cit. 1933: 12), refere as "autenticas chusmas" de farmacêuticos de 2a classe que se examinaram, estimando que, ao abrigo desta lei, as três escolas só formaram em média 6,8 farmacêuticos por ano, ao passo que, entre 1890 e 1912 se formaram nas três Escolas, segundo o regime de 2a classe, cerca de 2.399 farmacêuticos.

1 3 1N a s lições inaugurais dos anos lectivos de 1906-1907 e 1907-1908, respectivamente Alberto de Aguiar, Director do Laboratório Químico e Carvalho da Fonseca, se referem à importância da química e da química farmacêutica na sociedade moderna, e da necessidade de dotar as escolas dos meios adequados ao seu ensino e prática laboratorial. (Anuário da Escola Medico-Cirúrgica do

condições de recrutamento e das habilitações exigidas, eram tendencialmente pobres e muito pouco escolarizados.

Se o regime republicano vem a encontrar o ensino farmacêutico numa transição que o aproximava do ensino superior, aquele vai sofrer ainda vicissitudes que procuram configurá-lo como um ensino intermédio, contrariamente às pretensões da classe, formuladas num parecer que a comissão formada por professores das três escolas apresentou, a seu pedido, ao Ministro do Interior. Segundo o parecer, o ensino devia ser considerado superior, tendo como preparatórios o curso complementar de ciências do liceu e ser ministrado nas três escolas superiores de farmácia (José Cypriano Diniz, 1937: 146).

Sendo ministro António José de Almeida, são elevados a Universidades os estudos superiores ministrados no Porto e em Lisboa132. Relativamente à

farmácia assiste-se a uma sucessão de regulamentos1 3 3, que se anulam

reciprocamente e que se retomam sucessivamente, de iniciativas junto do poder político por parte das organização farmacêuticas1 3 4. Estas iniciativas

traduzem uma luta contínua pelo seu estatuto de ensino superior e pela a u t o n o m i a académica, em d e t r i m e n t o da d e p e n d ê n c i a i n s t i t u í d a relativamente à Faculdade de Medicina e à Faculdade de Ciências135- C o m o

exemplo, podemos referir que o Decreto, promulgado em 26 de Maio de 1911, instituía 16 cadeiras constantes do Curso de Farmácia, das quais apenas 6 eram privativas destas escolas. Da mesma forma, no Conselho Escolar 8 membros

1 3 2 É sabida a vontade republicana de neutralizar a influencia da Universidade de Coimbra na sociedade portuguesa. "Conhece-se a oposição sem tréguas desde sempre movida pela Universidade de Coimbra à criação de escolas superiores fora da sua alçada, quer os ensinos dessas escolas fossem ou não directamente concorrentes dos seus. As Escolas de Cirurgia de Lisboa e Porto, ampliadas e organizadas desde D. João VI, funcionando junto aos Hospitais de S. José e St° António, e suas sucessoras, as Escolas Médico-Cirurgicas, foram impedidas durante anos, graças à acção de Coimbra, de conceder diplomas do mesmo nível que a faculdade de medicina (na altura sem Hospital anexo)" (Sérgio Grácio, 1992: 68). Acerca das prerrogativas académicas da Universidade de Coimbra veja-se ainda o artigo de Maria Eduarda Cruzeiro (1997).

133 Decreto de 26 de Maio de 1911, Decreto de 18 de Agosto de 1911, Decreto de 28 de Maio de 1912, Decreto de 17 de Outubro de 1914, Decreto de 25 de Novembro de 1914, Decreto de 27 de Dezembro de 1914

1 3 4 José Cypriano Rodrigues Diniz (1937:145 e segs).

13b Destaca-se a acção da Sociedade Farmacêutica Lusitana em defesa da pretensão do estatuto de faculdade autónoma para as Escolas de Farmácia (José Cypriano Rodrigues Diniz, op. cit.: 149).

seriam de estabelecimentos estranhos a p a r dos 4 de farmácia (Albuquerque,1937: 39).

Este decreto, que retirava o estatuto de "superior" ao ensino da farmácia, criou o curso, com a duração de quatro anos, conferindo o título de farmacêutico-químico1 3 6. A prática dos alunos farmacêuticos passaria a ser

realizada unicamente intra muros hospitalares (240 dias), nas farmácias dos Hospitais afectos às Faculdades, e eram redusidos os estudos preparatórios, sendo exigido apenas o curso geral dos liceus137- A Sociedade Farmacêutica

Lusitana protagonizou a luta pela anulação desta Lei, no que foi coadjuvada pela Sociedade Química Farmacêutica do Porto (José Cypriano Diniz, 1937: 150)

Finalmente, pelo Decreto de 9 de Setembro de 1915, ficaram as Escolas de Farmácia libertas da tutela das faculdades de medicina, passando, nos seus conselhos escolares, a ter assento apenas os professores privativos da farmácia138 (Albuquerque,1937: 42).

A supressão da tutela médica

Em 1918, no consulado de Sidónio Pais, "quando o negregado e elástico período transitório tinha acabado" (Pires de Lima, 1933: 13), está praticamente consolidada a autonomia da formação farmacêutica e a sua consagração como ensino superior. Com a Reforma do Ensino Superior (Decreto n° 4.554 de 6 de Junho de 1918) dá-se também a Reforma do Ensino Farmacêutico pelo Decreto n° 4.635, que reorganiza as escolas de farmácia e estipula que passem a designar-se Escolas Superiores. Como habilitação de acesso é exigido o curso complementar de ciências dos liceus e, no decurso da formação de 4 anos, é

136 " No v a s cadeiras são introduzidas no plano de estudos, como a Bacteriologia, a Química Biológica, dando-se maior desenvolvimento a outras como a Química, a Física, a Botânica e a Zoologia", bem como se define como objectivos das Escolas "educar profissionalmente os seus alunos e promover investigações científicas em todos os ramos da Farmácia (Correia da Silva, 1969, op.

cit.: 7-8)

1 3' Com esta lei registou-se um acréscimo de frequência do curso regular. De 1911 a 1918 inscreveram-se na Escola Superior de Farmácia do Porto 217 alunos, e apesar da lei só exigir o curso geral do liceu, muitos alunos apresentavam o curso complementar de ciências (Albuquerque, 1937, op. cit.: 53).

138 Relativamente ao ensino da farmácia no Porto restava resolver a questão das instalações, para o que a Câmara Municipal do Porto doou um terreno para a construção do edifício. (Albuquerque, idem: 46).

eliminado o estágio de 240 dias em farmácia hospitalar1 3 9. Com Leonardo

Coimbra e pelo Decreto n° 5.463, as Escolas Superiores de Farmácia passam a conferir o grau de licenciado e o título de Farmacêutico Químico. Este deve ser o diploma dos professores ordinários das escolas e dos assistentes (Tello da Fonseca, op. cit. II: 291 e 292).

A criação das Faculdades de Farmácia

Finalmente, em 1919, sendo Ministro da Instrução Leonardo Coimbra, o Decreto n° 5.463 concede o gran de Licenciatura à formação em farmácia. Em 1921, com Augusto Nobre, o Decreto n° 7.238 eleva à categoria de faculdades as três escolas de farmácia existentes. Nas considerações justificativas de tal medida é invocada a semelhança com o caso francês1 4 0 e espanhol. São

apontados como objectivos das novas faculdades o ensino profissional da Farmácia e da Química, a cultura e o progresso de todos os ramos e ciências afins. Após a realização de u m exame de estado, conferiam o título de Farmacêutico Químico, indispensável para o exercício da farmácia em todo o território, sendo este o diploma do corpo docente1 4 1. O ensino da farmácia

estava organizado em quatro anos e em quatro secções: Química Geral, Química Aplicada, História Natural e Farmácia.

Em 1926, o Decreto n° 12.698 remodela a organização das Faculdades de Farmácia ao abrigo do novo Estatuto da Instrução Universitária (Decreto n° 12.426). O curso passa a ter a duração de três anos mas exigem-se, como preparatórios para a inscrição na Faculdade, os exames de Química Geral, Análise Química pura e aplicada, Botânica Geral, Física e Geologia, feitos nas Faculdades de Ciências, pelo que o curso acabava por ter a duração mínima de quatro anos. Com este diploma é conferido o grau de licenciatura e o título de

1 3 9A s disciplinas do curso distribuíam-se por quatro secções: Ia) Química Geral ( 3 cadeiras), 2a) Química Aplicada (6 cadeiras), 3a) História Natural (5 cadeiras) e 4") Farmácia (4 cadeiras) . Nesta secção leccionava-se a cadeira de Deontologia e Legislação Farmacêutica. As cadeiras das Ia e 2a secções cursavam-se nas Faculdades de Ciências. (José Cypriano Rodrigues Diniz op. cit.: 174)

1 4 0 Em 1920, em França, as Escolas de Farmácia são elevadas a Faculdades (José Cypriano Rodrigues Diniz, op. cit.: 180).

1 4 1 Pelo Decreto n° 9.165 de 1932, promulgado por João Camoesas, os diplomados com o curso de farmacêutico químico podiam concorrer aos lugares de professores ordinários das Faculdades de Farmácia (idem: 181).

farmacêutico químico, ficando abolido o exame de estado (Albuquerque, 1937: 63-64).

Para surpresa geral, em 1928, o Decreto n° 15.365, invocando razões orçamentais, extingue as Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa, Letras da Universidade do Porto, a Escola Normal Superior de Coimbra e extingue também a Faculdade de Farmácia de Coimbra.

A reposição dos dois cursos

Com o Estado Novo, em 1930, sendo Ministro da Educação Cordeiro Ramos, publica-se u m novo Decreto reformulador do ensino farmacêutico (Decreto n° 18 432) passando aquele a dispor de 5 anos. Esta reforma, segundo A. Albuquerque (op. cit.: 67), "marca a perfeição máxima do ensino"1 4 2.

Idêntica posição apresenta A. Pires de Lima (1933: 15) segundo o qual o curso estava sobrecarregado nos seus quatro anos justificando-se, portanto, mais um. No entanto, pronuncia-se sobre a oportunidade estratégica de tal alongamento, dada a sombra dos farmacêuticos irregulares, "facto agravado com a falta de protecção aos diplomados". Entretanto, em 1932, é nomeada uma comissão1 4 3

para estudar uma nova reforma do ensino farmacêutico.

Perante as conclusões deste trabalho, e não julgando o governo oportuno aceitar as sugestões apresentadas pela comissão, é extinta a Faculdade de Farmácia de Lisboa (Decreto n° 21.853 de 1932) e, no seguimento desta

1 4 2 Lê-se no relatório de abertura do citado decreto: "O curso actual visa, no seu conjunto, à formação intelectual e à preparação profissional do farmacêutico, não como simples manipulador de medicamentos, mas como verdadeiro técnico que pode e deve vir a prestar grandes serviços ao País nos capítulos da medicina, da higiene pública, das indústrias químicas, da agricultura, etc. Mutilar o ensino em qualquer das suas disciplinas de especialização seria destruir a unidade e harmonia do conjunto. Não pode defender semelhante doutrina quem conhece o desenvolvimento que nos últimos tempos tem tido o campo da química farmacêutica, mormente agora que todas as nações cultas se empenham no progresso desta ciência".

1 4 3 Integravam esta comissão o Director Geral de Saúde,Dr. José Alberto Faria; o Director da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, Dr. A. Pires de Lima; os Professores Bissaia Barreto e A. Pires Celestino da Costa, das Faculdades de Medicina da Universidade de Coimbra e Lisboa. A composição desta comissão formada só por médicos teve o condão de exacerbar oa ânimos farmacêuticos que viam nela "uma direcção espiritual" e um atestado de menoridade intelectual que reputavam atentatórios da dignidade que a farmácia tinha grangeado, em suma a negregada tutela médica. A luta em torno da possibilidade de integração posterior de farmacêuticos teve ainda o condão de exacerbar os ânimos entre a Sociedade Farmacêutica Lusitana e o Centro Farmacêutico Português Para a história desta contenda veja-se o jornal da Sociedade

medida, procede-se a nova reforma do ensino farmacêutico em que é reeditada

a dualidade dos cursos144 "com a criação de duas ordens de diplomas de

diferente conquista e direitos iguais" (Albuquerque, 1933: 71). Organizando-se entre uma Faculdade, a do Porto, e duas Escolas, anexas às Universidades de Lisboa e Coimbra, o ensino passa a ser estruturado em dois ciclos, o curso

profissional e o curso universitário. O primeiro, com a duração de três anos,

confere o diploma de farmacêutico (a partir de então, indispensável para o exercício da profissão em oficina), constituindo este o nível de formação atribuído às Escolas de Farmácia. Este, podia também ser obtido na Faculdade de Farmácia do Porto, após a frequência dos três anos iniciais. O curso universitário,, unicamente leccionado no Porto e com a duração de cinco anos, conferia o grau académico de licenciatura (Químico Farmacêutico), concebido para o magistério da especialidade, chefias de Laboratórios, Institutos e Químicos, de Laboratórios de Análises, nomeadamente nos hospitais145-

Como estudos preparatórios para a obtenção destes diplomas, e para os alunos regulares, era exigido, pelo art. 9o, o curso complementar de ciências do

liceu1 4 6. Após o terminus do curso profissional, sendo a média final igual ou

superior a 14 valores, poder-se-ia obter o grau de licenciatura pela frequência de mais dois anos na Faculdade de Farmácia do Porto.

Estava prevista um categoria de alunos irregulares para os ajudantes de

farmácia. Estes, segundo o §2° do art. 9o, tinham reservada uma modalidade de

ingresso que, à semelhança do passado, capitalizava os anos de prática oficinal, estabelecendo a transição para o modelo académico. Assim, se dispusessem de quatro anos de prática registada e apresentassem como preparatórios o curso geral do Liceu, podiam inscrever-se nas Escolas de Farmácia para frequentar o curso geral

Em 1934, em plena reestruturação corporativa do trabalho, u m novo Decreto (n° 24.746) regulamenta as condições de matrícula dos Ajudantes de

1 4 4 Na sequência deste Decreto, A. Pires de Lima vem a demitir-se do cargo que ocupava na Faculdade de Farmácia do Porto. Por este acto vem a ser saudado publicamente numa sessão extraordinária da Sociedade Farmacêutica Lusitana {jornal da Sociedade Farmacêutica

Lusitana, 1933, Julho: 39)

1 4 ; 3 Esta solução encontrada para a profissão farmacêutica é similar à que então se estabeleceu para o curso de Direito, com a distinção entre bacharéis (funcionários do registo civil, notários) e licenciados, advogados, magistrados, etc. (Preâmbulo do Decreto n°21853).

1 4 6 Ou ainda, segundo o §1°, a certidão de aprovação no exame de admissão às Universidades para as Faculdades de Ciências e de Farmácia.

Farmácia. A certidão comprovativa da prática passava a ser da competência da Direcção Geral de Saúde, após informação dos Sindicatos do sector, provando que o praticante era seu associado. Por seu lado, os Farmacêuticos com praticantes ao seu serviço tinham que enviar para a Inspecção do Exercício Farmacêutico a sua inscrição e relatório de aproveitamento. A prática era posteriormente validada por um exame de admissão na Faculdade ou Escola e só então se podia efectivar a matrícula147.

A questão dos Ajudantes de Farmácia

A questão do ensino farmacêutico foi assim polarizada também por u m

antagonismo de interesses que lhe era intrínseco.1^- No polo da prática, era

capitalizado pelos aspirantes ou ajudantes farmacêuticos em torno dos benefícios, sobretudo materiais, decorrentes da posse do diploma escolar, que, entretanto, no polo material e simbólico, os farmacêuticos ciosamente defendiam de um aproveitamento abusivo e desqualificante. Pretende-se que o modelo de formação académico, mais consistente teoricamente ( pressupondo uma alteração das propriedades sócio-culturais do grupo desde a origem, como sejam os estudos liceais) conduza legitimamente a uma alteração da posição profissional. Tal virá a ser o pano de fundo da reivindicação profissional, na tentativa de fazer corresponder o estatuto profissional ao título académico. Por esta razão, José Cypriano Diniz enfaticamente refere que

(...) com a terminação deste período transitório acabou a categoria de de praticantes de farmácia, não mais havendo registo de prática na Universidade nem nas Escolas Médico-Cirurgicas, motivo porque não têm justificação plausível tantas reclamações feitas posteriormente por empregados de farmácia, alegando direitos que não possuem (José Cypriano Rodrigues Diniz, 1937: 134).

1 4 7Decreto n° 24 .746 de 6 de Dezembro de 1934

1 4^ jo sé Cypriano Diniz (op.cit: 200-201) considera que o curso do primeiro ciclo se destinou a beneficiar os empregados de farmácia."Ao abrigo desta disposição matricularam-se muitos indivíduos (...) que nunca pensaram na profissão farmacêutica, e se aproveitaram das facilidades da lei, à semelhança do que se passou no período de 1911 a 1918". Esta modalidade de ingresso só foi suprimida em 1936, pelo Decreto-Lei n° 26.594 de 15 de Maio

Ao longo da década de 40 paira ainda na argumentação farmacêutica a

sombra das pretensões abusivas dos antigos ajudantes de farmácia,

proprietários ou não de farmácias, que, acobertados ou não pelo poder económico dos droguistas, conseguem suster a promulgação de ordenamentos jurídicos que respeitem exclusivamente os legítimos interesses farmacêuticos. Estes ajudantes de farmácia, contrariamente ao passado, não vêem agora o seu trabalho convertido em aprendizagem, nem o seu saber reconhecido de forma