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Ao longo do século XIX vai a Sociedade Farmacêutica Lusitana encabeçar, ao mais alto nível, o processo de transformação da condição farmacêutica, por via de sucessivas representações enviadas para o poder central. A tónica dominante é a necessidade de dotar a formação farmacêutica de meios científicos e pedagógicos capazes, através da criação de um regime de estudos superior e autónomo do poder médico, adequados ao cumprimento da sua vocação no âmbito da saúde pública e no contexto científico que então se apresenta, onde se salienta o desenvolvimento da ciência química.

Explicitamente, no âmbito da saúde pública se inclui agora, tal como no passado, o próprio aviamento medicamentoso em oficina, considerado u m elemento primordial do bem estar e da prevenção sanitária, pelos danos que o seu desempenho por mãos alheias e inescrupulosas pode causar à vida das populações. E, tal como no passado, a defesa desta prerrogativa denuncia o que na literatura farmacêutica é designado por intrusismo, ou seja, todos aqueles que ilegitimamente se dedicam à preparação e venda de medicamentos, apontados agora como "charlatães sem conhecimentos de Botânica, de Química e Farmácia" (Pita, op. cit.: 519)102-

A facilidade do acesso de intrusos ao exercício da actividade farmacêutica é considerada, em todas as reclamações, como sendo a causa do baixo estatuto

sócio--profissional em que se encontra a farmácia, pelo que surge como

necessidade primordial para fechar o seu campo de actuação, a reforma do

ensino farmacêutico, mediante a exigência de estudos preparatórios e da

criação de estudos superiores e autónomos, à semelhança do sistema de formação apresentado por outros, nomeadamente a Medicina.

1 0 2N e s t e sentido, em 1837, denunciavam à Rainha a venda de medicamentos em "mercearias", "drogarias", e "herbolarias" no que participavam também os médicos em regime de acumulação Veja-se Pita (op. cit: 508) e Fragoso (op. cit: 5)

"A primeira necessidade imediata p a r a dar-se uma organização regular à nossa classe [segundo as palavras do presidente da Sociedade Farmacêutica Lusitana em 1836 ] é a do estabelecimento de uma Escola Normal Farmacêutica ou, ao menos, de u m curso de História Natural, Química e Farmácia, curso que todos os candidatos farmacêuticos devem seguir antes dos seus anos de prática ou ao mesmo tempo, mas o curso a que devem preceder alguns indispensáveis estudos" (Pita, op. cit.: 510).

A invocação do p o d e r legitimador do Estado como g a r a n t e das competências que, à priori, são asseguradas pelos estudos farmacêuticos prende-se não só com a fragilidade socio-científica da classe farmacêutica, como também se justifica e assenta n u m a razão de tipo cívico - a saúde pública e o c o m p r o m e t i m e n t o do Estado na sua causa, e ainda numa razão de tipo humanista essencial, ou seja, o valor da vida h u m a n a "a respeito da qual todo o erro se torna funesto" (Foucault op. cit: 91).

As condições de formação estavam na origem desta fragilidade profissional. Até ao Liberalismo, a actividade e a aprendizagem boticárias p e r m a n e c e r a m segundo os moldes oficinais com que se constituíram em Portugal, desde a segunda metade do século XIV. Assim, até à portaria de 1836, em que Passos Manuel suspende os exames de boticários e farmacêuticos e reorganiza o ensino superior, permaneceu o regime de exame perante o Físico- Mor, como via de acesso generalizada à actividade farmacêutica1 0 3. Esta

submissão ao juízo de outros, era sentida pela classe farmacêutica como h u m i l h a n t e e como u m i n t r u s i s m o , não r e c o n h e c e n d o aos m é d i c o s idoneidade e competência para ajuizar sobre a capacidade farmacêutica dos candidatos, reclamando, à semelhança das outras profissões, a necessidade da serem juízes em causa p r ó p r i a . Denunciavam ainda como consequência prática desta situação de dependência e subalternidade, a proliferação de aberturas de boticas e a sua má distribuição geográfica, o que vem a ser considerado como causa de ruína económica da classe.

'■"^ "Entre a Fisicatura e a Universidade estabeleceu-se uma rivalidade a que em 1608 se pôs

termo relativamente à medicina, talvez por o Físico-Mor ter sido lente na Faculdade de Medicina" (Faculdade de Farmácia, 1928: 7).

A criação de Escolas Anexas de Farmácia na Universidade de Coimbra e nas Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto

Todavia, a reforma de Passos Manuel vai dar novos contornos a este problema da autonomia, ao transferir mais uma vez, à semelhança da reforma pombalina, a dependência existente perante a classe médica, para o interior do espaço escolar, o que vem a configurar um ensino farmacêutico tutelado pela autoridade médica. Com o Decreto de 5 de Dezembro de 1836 dá-se uma reorganização dos cursos da Universidade de Coimbra no âmbito da qual se cria uma Escola de Farmácia na dependência da Faculdade de Medicina. Como estudos preparatórios passa a exigir-se aos estudantes da Escola de Farmácia a frequência, ao menos como ouvintes, das cadeiras de Zoologia, Botânica, Física e Mineralogia no Liceu ou na Faculdade de Filosofia (Tello da Fonseca, op. cit. II: 74). Estas medidas surgem de par com alterações entretanto introduzidas na Cadeira de Matéria Médica e Farmácia do 3o ano do curso de medicina

designada agora por História Natural Médica, Matéria Médica, Química Médica e Farmácia (Pita, op. cit.: 514).

Relativamente ao Porto e a Lisboa, pelo Decreto de 29 de Dezembro do mesmo ano, regulamentado pelo Decreto de 23 de Abril de 1840, são reformadas as Escolas de Cirurgia, fundadas em 1825, dando lugar às Escolas Médico-Cirurgicas, anexas às quais e em regime de d e p e n d ê n c i a administrativa, passaram a funcionar Escolas de Farmácia (Pita, op. cit.: 514)104

O curso farmacêutico instituído por este Decreto, compreendia, segundo o art° 129°, quatro cadeiras que eram leccionadas pelo período de dois anos (Botânica, História Natural dos Medicamentos, Química e Farmácia) e "um curso prático que consiste no exercício das operações farmacêuticas, pelo espaço de dois anos no Dispensatório Farmacêutico da Escola ou em qualquer outra oficina aprovada e acreditada" (Albuquerque, op. cit.: 10). Por esta razão e porque em 1855 a Escola do Porto não dispunha do seu dispensatório farmacêutico, a farmácia do Hospital de St° António serviu durante anos para a aprendizagem e exercício da prática farmacêutica para os alunos candidatos a boticários do Porto (idem: 11-16).

104 Pelo a rt° 128 se declara que o Director, o Secretário, e o Tesoureiro das Escolas Medico- Cirúrgicas" servirão estes mesmos empregos na Escola Anexa. Por seu lado, os professores do Dispensatório farmacêutico só em 1902 adquirem o estatuto de lentes (Albuquerque, op. cit.: 9 e 18).

Pelo art. 130° estipulava-se que a cadeira de História Natural dos Medicamentos era "lida" pelo lente de Matéria Médica e "ouvida em dois anos pelos alunos farmacêuticos" enquanto que os cursos de Química e Botânica eram frequentados nas cadeiras das disciplinas a estabelecer. Como estudos preparatórios "essenciais" para a matrícula no curso estavam previstas no art. 132° as cadeiras Ia, 2a, 3a, 4a. 7a e 8a dos Liceus Nacionais após o estabelecimento

regular destes (idem: 10). Após a frequência do curso, pelo art. 135° instituía-se a realização de um exame, perante "um júri especial (...) composto pelo lente de Matéria Médica e Farmácia, do seu Demonstrador (...) e do Boticário do Dispensatório Farmacêutico (idem: 109). Estava assim criado o curso regular de

farmácia na sua primeira forma de natureza académica e que veio a dar origem

aos designados farmacêuticos de Ia classe.

A par com esta via tendencialmente académica, o mesmo decreto previa ainda uma outra forma de acesso ao diploma profissional para os designados

aspirantes farmacêuticos, que vigorou até à reforma de 1902. Os arts. 136° e 137°

estipulavam que estes, após "oito anos de boa prática"', podiam "ser admitidos a exame perante o mesmo júri que lhes fará neste caso vagamente as perguntas que lhe parecerem necessárias para verificar a sua capacidade a respeito das doutrinas Químicas e Botânica que tem uso na farmácia" (idem: 12). Sob esta modalidade do chamado "exame vago" se deu origem a uma segunda classe de farmacêuticos apelidada de 2" classe e cuja supressão constituiu uma das frentes de luta do processo de afirmação profissional no século XIX1^.

As cartas de farmacêutico passam, desde então, no seu texto, a explicitar a formação e as provas realizadas para a sua obtenção, diferenciando os farmacêuticos saídos das escolas, e os farmacêuticos cuja formação continuava a decorrer em contexto oficinal. Desenham-se assim quanto ao modelo de recrutamento duas classes de farmacêuticos, sendo que qualquer dos diplomas conferia a mesma habilitação profissional para o exercício da farmácia de oficina. Este facto, pela divisão intelectual que instituía no seio da classe vem a ter c o n s e q u ê n c i a s objectivas e subjectivas no seu processo de profissionalização.

105 Segundo Sousa Dias (1988: 10) entre 1836 e 1854 não era exigida qualquer formação secundária a estes candidatos, nestas condições, para iguais benefícios profissionais, os custos de formação académica eram muito reduzidos, conferindo a esta via de acesso à profissão uma facilidade que a tornava mais apetecível e mais consentânea com a tradição do que a via académica, que registava um ingresso muito reduzido.

Segundo E. Fragoso (op. cit.: 15), a classe farmacêutica acolhe esta reforma com algum entusiasmo, mas não vai cessar de reivindicar um ensino autónomo, considerando que, à libertação da tutela da fisicatura se deve suceder a libertação da tutela médica resultante do ensino misto, argumentando que a classe médica não estava interessada no progresso da classe farmacêutica, servindo-se da inferioridade desta para elevar o seu próprio estatuto.

"A tutela médica que não escrupulisa na forma com recruta indivíduos para uma classe que não é a sua e a que amanhã os médicos não têm que chamar colegas, é a causa principal do estado de decadência intelectual a que chegou a classe farmacêutica Portuguesa" (Fragoso, op. cit.: 220).

Este autor afirma ainda que, nas escolas, os farmacêuticos não são considerados discípulos dos médicos, sendo cotados com o mesmo estatuto dos dentistas e das parteiras (idem: 29). Por outro lado, acrescenta que a subalternidade e dependência perante a autoridade médica transforma, por comparação com a medicina, a formação farmacêutica numa via de fácil acesso, do ponto de vista escolar e profissional, servindo de escoadouro para onde convergem os "cábulas de medicina [ou seja] todo o relapso à compreensão dos mais elementares princípios científicos" (idem: 221).

Sucedem-se assim, ao longo do século XIX, reclamações várias tendentes a aumentar a substância académica farmacêutica e a sua autonomia intelectual, tornando obrigatórios os estudos preparatórios habilitadores ao ingresso nas Escolas de Farmácia, como sejam a inclusão da cadeira liceal de elementos de físico-química, e defendendo a composição exclusivamente farmacêutica dos júris de exames de farmácia.

"O aluno farmacêutico frequenta unicamente a aula de matéria médica e farmácia dirigida pelo respectivo professor que é médico; o farmacêutico do dispensatório ou o boticário (...) não tem a categoria de professor, e está sob a imediata inspecção do lente de matéria médica, o curso regular não tem a categoria de curso superior, e o examinador de farmácia é entidade subalterna" (Fragoso, op. cit.: 24).

Surpreendemos nestas iniciativas farmacêuticas pela supressão da tutela médica no sistema de formação e no processo de investidura, um "trabalho sobre a ciência" enquanto "trabalho de formação e de socialização contínua dos profissionais [por] eles mesmos" de que fala Paradeise (1985:24), como estando na origem do modelo profissional. Assim, a defesa da "autonomia científica" e a invocação da ciência química como referente teórico universal, converte-se num processo de unificação paradigmática, que permite a este grupo dar início a um processo de socialização tendencialmente endógeno, autónomo e unificado.

Tornava-se então desejável aos farmacêuticos instituir u m modelo de formação que dispensasse a participação médica, permitindo a sua constituição em "corpo para si", com efeitos numa auto-imagem de competência intrínseca ao grupo com projecção para o exterior. Neste processo, assistia aos farmacêuticos a razão científica do presente, dado que, no contexto em que se evidenciava a transformação da ciência farmacêutica numa ciência físico- química e em que se destacavam alguns farmacêuticos, a dependência institucional e científica face à medicina, que sempre foi considerada gravosa e sobretudo aviltante, mais evidenciava o seu carácter arbitrário. Por outro lado, assistia-lhes a razão estratégica de se libertar da tutela de um grupo que, cioso de um estatuto superior e de um poder secular, em nada concorreria para a elevação técnico-científica e social da classe farmacêutica. Assim, participam também destes desejos independentistas razões de ordem social e simbólica, porque era suposto que, só na medida em que formalmente se fossem aproximando as condições de recrutamento e socialização das duas profissões, os farmacêuticos veriam aproximado do médico o seu estatuto profissional.

Entretanto, em 1837, após a reorganização do ensino farmacêutico, foi criado e reorganizado o Conselho de Saúde Pública, considerado "a primeira regulamentação geral de saúde"1 0 6 (Pita, op. cit.: 545) em que, para além de

médicos e cirurgiões, tinham assento farmacêuticos.

106 A este Conselho compete agora a "fiscalização superior de tudo o que respeita aos diversos ramos da saúde" onde se compreendem a Educação Física dos habitantes, a prática da medicina e da cirurgia, a farmácia e polícia médica". Eram ainda atribuições deste conselho (art. 23°) entre outras, a matrícula e classificação de médicos, cirurgiões, boticários e farmacêuticos, dentistas, parteiras etc., isentando (art. 29°) os farmacêuticos habilitados de licença para abertura das suas boticas (Tello da Fonseca, op, cit. Vol I pp. 255 e segs.).

Neste período de transição, uma outra frente de luta pelo processo de elevação da classe e não menos importante para a sua consecução consistia na necessidade de controlo, por parte das Escolas de Farmácia, dos anos de

aprendizagem dos praticantes que, sob esse modelo de formação, continuavam

a aceder à actividade farmacêutica. Como vimos, mesmo após a criação das Escolas de Farmácia continuava a admitir-se u m regime especial de acesso, que obrigava a oito anos de boa prática numa farmácia, com posterior exame de avaliação nas Escolas. Estas viram ser-lhes assim atribuído o papel até então desempenhado pelo Físico-Mor e se, em todo o caso, pode considerar-se que do ponto d e vista do seu processo de profissionalização se assiste, com esta variante, a uma m u d a n ç a tendente a u m maior controlo das instituições

académicas farmacêuticas sobre a formação oficinal, por o u t r o lado, a

habilitação através da contabilização dos anos de prática em oficina, legada da Idade Média, não constituía uma via prestigiante de acesso, n u m contexto em que a incorporação científica se revelava vital para contrariar o estigma da manualidade e do empiricismo que a actividade farmacêutica via pesar sobre si há vários séculos. Assim, até aos anos 30 do século XX, contam-se na obra de Tello da Fonseca, que temos vindo a citar (II volume), vinte e três disposições tendentes a instituir um controlo sobre a prática dos aspirantes.

Segundo os regulamentos, os farmacêuticos instalados com botica, e que tivessem ao seu serviço praticantes deveriam m a n d a r anualmente a qualquer uma das três escolas u m registo onde constasse a sua identificação e u m a indicação quantitativa e qualitativa sobre a sua aprendizagem. Este relatório constituiria a matrícula do aspirante na escola onde posteriormente seria examinado, sem que q u a l q u e r carta p u d e s s e vir a ser p a s s a d a sem a conformidade estar satisfeita. Para além dos "oito anos de boa prática"107 e da

*■"' Do regime de aprendizagem, podemos de acordo com o testemunho de Fialho de Almeida, na

sua autobiografia, concluir que esta via de acesso conduziria a prover a classe farmacêutica de indivíduos oriundos das classes mais baixas, em que de par com a quase nula escolaridade, faziam a sua aprendizagem em condições que não deviam diferir muito das que eram praticadas noutras artes ou comércios: "Durante esses sete anos de emplastros e de pílulas, ninguém pode imaginar os tormentos que eu passei. Davam-me três horas aos domingos para oxigenar os pulmões cansados de respirar fedentinas das drogas e ervas podres; a minha alimentação era uma b u r u n d a n g a que sobrava do jantar da família do patrão. (...) Dormia n u m cacifo de seis palmos de largo por vinte de comprido e dez de altura numa enxerga metida numa espécie de gaveta (...)" (A Esquina, Jornal de um Vagabundo, cit. por Sousa Dias, 1988: p 10).

idade igual ou superior a 25 anos, devia ser acrescentado um atestado de bons costumes e uma certidão dos eventuais estudos realizados.

Estas disposições não eram cumpridas pelo que são sugeridas medidas tendentes a torná-las efectivas, como sejam o controlo e vistorias policiais às farmácias, a instituição de livros de termos de matrículas rubricados pela polícia, e u m documento comprovativo da identidade aquando da realização dos exames visto que, aquando da sua realização, era possível a substituição do candidato por outros "mais aptos e sabedores das matérias " (idem I: 116 e segs.).

Resistência do modelo de formação oficinal

Finalmente, em 1855 institui-se u m a distinção nas cartas de exame, sendo desvalorizados os termos de redacção das cartas dos farmacêuticos cuja aprendizagem decorria nas oficinas, mencionando-se expressamente que não dispunham de formação académica1 0 8. Valorizando-se os termos das cartas de

exame dos farmacêuticos cuja a p r e n d i z a g e m decorria integralmente nas Escolas, pretendia-se instituir u m a distinção nobilitante para os "académicos" e, ao m e s m o tempo, criar u m incentivo à escolarização farmacêutica e à titularização académica para fins profissionais sedimentando a necessária uniformidade académica do grupo.

Paradoxalmente, as Escolas de Farmácia anexas às Escolas Médico Cirúrgicas, bem como à U n i v e r s i d a d e de Coimbra, a c a b a r a m por ver desacreditada a legitimidade científica e social da formação académica, não se verificando u m a procura tendente a valorizar esta via de formação. Esta, corresponderia mais aos desejos de u m grupo restrito que viam na farmácia uma profissão científica, do que aos desejos daqueles que, em maior número, procuravam esta actividade segundo o modelo tradicional, mais barato e mais consentâneo com a sua forma de existência social como boticários. Em todo o caso foram atribuídos às Escolas meios exíguos 1 0 9 ' bem como a instituição dos 108 "(■■■) apesar de não ter frequentado os cursos teóricos e práticos em alguma das três escolas (...) mostrou por certidões legais ter oito anos de boa prática e ser maior de 25 anos" (Tello da Fonseca, op. cit., II: 128)

109pejo De c r et o de 23 de Maio de 1855 estipulava-se que, para o provimento do lugar de boticário da Escola do Porto, até esta não dispor de laboratório farmacêutico e botica, deviam os professores dos mesmos estabelecê-los, organizá-los e mantê-los "à sua custa" (Albuquerque, 1937: 16).

exames de 2a classe não foi de molde a provocar uma procura de raiz

académica. A. Albuquerque (op. cit.: 19) salienta que desde o ano lectivo de 1837-1838 até ao de 1902-1903, só se matricularam na Escola do Porto e no curso regular, 217 alunos e que destes, apenas 172 realizaram com aproveitamento o exame final, pelo que, durante 66 anos a Escola do Porto habilitou somente 172 farmacêuticos de Ia classe, o se traduz numa média de 2,6 por ano. O mesmo

autor precisa ainda que muitos destes farmacêuticos não fizeram uso do seu título "porque, tirando simultaneamente o curso de medicina, optaram, na vida prática, por esta última profissão, de mais brilho e melhores proventos" (idem: 19).

Concomitantemente, para o mesmo período e para a Escola do Porto, "avultado foi o número dos de 2a classe" num total de 1421. Tal situação "

deve-se, não só à simplicidade do exame, mas ainda à facilidade com que se obtinha o registo de prática, quantas vezes graciosa", mas também ao facto de que "para obter iguais regalias procurava-se, naturalmente o caminho mais curto" (idem: 19). A mesma situação verificava-se igualmente em Coimbra1 1 0 e

Lisboa111.

Este facto levou o Conselho Superior de Instrução Pública, em representação dirigida ao governo em 30 de Novembro de 1858, a pronunciar- se a favor da "urgente necessidade (de) reconsiderar a legislação que lhes respeita" (Ribeiro, op. cit., XII: 124) dado que

"como a inabilidade desta classe de pessoas arrisca, em máximo grau, a vida dos cidadãos, não podendo por isso deixar de ser submetido a sua industria a severas prescrições, que assegurem a sua ciência e experiência" (idem)

O óbice central deste modelo de formação é a ausência da frequência dos cursos teóricos, conferindo ao conhecimento farmacêutico, a partir desta ausência da teoria, uma total identidade com a prática. Não é esta, em si

1 1 0 Lê-se no Tomo XII da obra de losé Silvestre Ribeiro (1883: 123) que "a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra lamentava em 1858 a falta de alunos matriculados na Escola de Farmácia da mesma Universidade."

1 1 1 O curso farmacêutico anexo à Escola Médico-Cirurgica de Lisboa começou a funcionar no ano lectivo de 1837/38 com três alunos. A média de alunos inscritos no Io ano mantém-se sempre muito baixa (2,7 para todo o período de 1837 a 1902, atingindo um mínimo de 0,67 para os anos de 1860 a 1880), "(...) mesmo quando, após 1880, se observa uma expansão do ensino farmacêutico, o número de praticantes que realizam o exame de farmácia é muito superior aos alunos que se matriculam no curso regular." (Sousa Dias, org., 1986°: 42-43).

própria, que é estigmatizada, visto que constava do curriculum escolar farmacêutico e podia ser realizada em oficinas exteriores ao espaço académico, até porque este não reunia ainda as condições que lhe permitissem substituir-