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Um exercício ilustrativo contemporâneo: O caso O.J Simpson

No documento Sob o véu da psicopatia ... (páginas 60-62)

Orenthal James Simpson, ou simplesmente O.J Simpson, tal como ficou conhecido pelo o grande público, foi réu de um dos mais célebres julgamentos ocorridos na história americana e, quiçá, mundial. O público brasileiro pouco conhece a respeito dessa figura controversa, muito diferentemente dos estadunidenses que o idolatravam pela sua trajetória de sucesso no futebol americano. Querido nos campos, não foi difícil para O.J Simpson galgar espaço nas telas de cinema e da televisão, atuando em inúmeros filmes de ação, aventura e comédia. Seu percurso esportivo e artístico, contudo, foi subitamente interrompido por um crime pelo qual, a despeito das inúmeras evidências que o incriminavam, foi inocentado.

O.J Simpson foi acusado de matar a sua esposa, Nicole Brown, e o seu suposto amante, Ronald Goldman, na noite de doze de junho de 1994. A partir da perícia realizada na cena do crime e considerando que O.J já havia agredido fisicamente Nicole (assim como a ameaçado de morte) o ator passa a ser o principal suspeito. A partir do momento em que O.J foi formalmente acusado, ele se esconde, deixando antes com um de seus amigos uma carta em que manifesta o anseio de suicidar-se. Contudo, O.J é localizado pela polícia de Los Angeles e empreende uma fuga automobilística amplamente televisionada, em tempo real, por diversas emissoras dos Estados Unidos. Perseguido por quilômetros, O.J finalmente decide se entregar, dando inicio a um processo judicial bastante comentado, tumultuado e polêmico, uma vez que suscitou discussões acerca da questão racial, ponto considerado nevrálgico pelo povo americano.

O julgamento durou trezentos e setenta dois dias. No dia três de outubro de 1995, data na qual foi dada a sentença, a audiência foi televisionada e acompanhada por vinte milhões de

telespectadores. O júri, composto por nove negros, dois caucasianos e um hispânico, considerou O.J inocente pelo crime de duplo homicídio.

Em 2006, O.J suscita polêmica novamente: O ator escreve um livro intitulado If i did it (Se

eu tivesse feito)(2007) no qual descreve, hipoteticamente, porém, com minúcias, como teria

matado Nicole e Ronald. O livro engendrou um processo civil contra O.J, obrigando-o a retirar do mercado todos os exemplares.

Em 2007, O.J volta novamente ao banco dos réus, sendo acusado por uma série de crimes como assalto a mão armada, formação de quadrilha e sequestro. Desta vez, O.J foi condenado, sendo-lhe imputada a sentença de trinta e três anos de prisão.

A história dos envolvimentos criminais de O.J Simpson foi aqui retomada, pois, como já foi dito, parece-nos bastante ilustrativa da ideia desenvolvida por Freud a respeito dos "Criminosos em consequência de um sentimento de culpa" (1916). Podemos enfim conjecturar que as atuações criminosas de O.J posteriores à sua absolvição seriam tentativas de se fazer punir, de finalmente ser condenado pelos seus atos criminosos. Tal suposição é fortalecida à medida que pensamos que os crimes de sequestro e assalto são basicamente de cunho utilitário, almejando-se por meio deles um ganho financeiro. Ora, não podemos esquecer que, ainda que O.J tenha gastado grande parte de seu patrimônio em sua defesa, ele ainda possuía uma fortuna considerável, parecendo-nos curioso, portanto, o seu envolvimento com tais tipos de crime. Se o dinheiro não nos parece uma motivação plausível para alguém que desfruta de uma substanciosa fortuna, o que estaria em jogo?

Tais questionamentos podem ser respondidos se nos valermos da ideia de Freud, sucintamente explanada acima. O.J foi o ator de uma sucessão de crimes para poder enfim responder por uma culpa que o ultrapassava e que não necessariamente se originava do crime de duplo homicídio pelo qual foi absolvido. Dizemos que as raízes dessa culpa podem não ter sido originadas quando do assassinato, pois este já pode ter tido como móvel um profundo sentimento de culpa. Freud defende que tal sentimento teria suas bases no edipianismo, contudo, não desfrutamos de informações suficientes acerca da história de vida de O.J para chegarmos à semelhante conclusão. Apresentamos aqui algumas suposições que nos parecem bastante propícias e ilustrativas à questão representada pelos crimes de culpabilidade, porém, não podemos fazer afirmações sob o risco de nos equivocarmos. Seria antes necessário ouvirmos o que O.J tem a dizer a respeito de seus crimes, só assim seria possível verificar se eles têm como base o edipianismo. Também não teríamos subsídios para afirmar, por exemplo, que O.J se trata de um caso de psicopatia. Contudo, não deixa de ser interessante ilustrar uma ideia freudiana, de 1916, com um caso atual e que suscitou tanta polêmica.

Retomando a obra freudiana, podemos fazer o seguinte questionamento: seria o texto “Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico” (1916), mais precisamente o seu terceiro capítulo, o mais rico e adequado na obra de Freud para tecermos considerações a respeito da psicopatia? A partir das considerações presentes no primeiro capitulo no qual foi feito um resgate histórico do conceito referente à psicopatia, depreendemos que a psicopatia não deve se restringir ao domínio da criminalidade, afinal, nem todo psicopata é um criminoso. Dessa forma, ainda que o referido artigo traga interessantes elaborações a respeito da causalidade psíquica de alguns criminosos e, possivelmente, da causalidade psíquica presente em alguns psicopatas, não seria profícuo nos restringirmos a ele sob o risco de incorremos no equívoco que tentamos dissipar no primeiro capítulo a respeito da tão comum naturalização entre psicopata e criminoso. Ademais, é importante salientar que a associação entre culpa, crime e psicopatia, na seara freudiana, é um tanto gratuita. A todo o momento, Freud busca demonstrar a relação existente entre culpa inconsciente e castigo moral. Desse modo, decidimos nos debruçar sobre outro trabalho no arcabouço teórico freudiano que nos fornece subsídios mais amplos para pensarmos no problema representado pela psicopatia: O

mal-estar na civilização, de 1930.

3.3 O mal-estar na civilização: o pessimismo freudiano e a agressividade inerente ao ser

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