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Um mosaico de (im)possibilidades: diálogos com os educadores

3. COMPOSIÇÕES NO TRAJETO: Cores e Texturas

3.4 Entre tesselas e molduras: procedimentos da pesquisa

3.4.2. Um mosaico de (im)possibilidades: diálogos com os educadores

A partir destes encontros convidei a coordenadora da ONG e dois professores de mosaico e musicalização para participarem de uma conversa individual que foi gravada com auxílio de um gravador de áudio digital. No dia 17 de março de 2010 fui a ONG pra conversar com o professor de mosaico. Ele estava tomando café na cozinha, tinha bolo de chocolate. Acompanhei-o no café, relembrei uma conversa informal que tivemos no início do ano em que expliquei sobre a minha pesquisa e que desejava conversar com ele naquele momento.

Fui com ele até a sala do mosaico para ele organizar com os jovens a atividade do dia. Todos trabalhavam em peças já começadas em outro momento. Uns faziam seus mosaicos individualmente e outros em grupo. Participei um pouco da oficina e conversei com as crianças. O professor direcionava o andamento do mosaico, alguns dos meninos copiavam desenhos de revistas, outros quebravam as tesselas. Havia uma organização já estabelecida no processo de construção do mosaico. Combinamos de fazer a conversa na varanda, pois na sala não teria como conversar tranquilamente nem gravar em áudio a conversa em virtude do barulho dos jovens. Eles ficaram trabalhando enquanto conversamos as questões pensadas no roteiro de modo bem informal. O professor mostrou-se disposto a contar sua história, contou sobre suas obras dentro da arte hiperrrealista23. Conversamos também sobre seu trabalho na ONG e o trabalho educativo com atividades artísticas.

Entendi que não considera arte o trabalho que desenvolve na ONG. Para ele, o mosaico ensinado está entre a arte e o artesanato. Relatou sua dificuldade em trabalhar a arte com eles, que não consegue explicar como é para si o processo de criação artística, que não sabe como ensinar a criação. A discussão desse discurso encontra-se no capítulo de análise desta dissertação.

23 A arte hiperrrealista é um estilo de pintura e escultura que procura mostrar uma abrangência

muito grande de detalhes, tornando a obra mais detalhada do que uma fotografia ou do que a própria realidade.

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Durante a entrevista mostrou-se disposto em dialogar comigo e ao mesmo tempo atender alguns jovens que solicitavam ajuda na construção do mosaico. Encerramos depois de 50 minutos de conversa, quando saturaram as questões pretendidas para aquele momento e com os jovens dispersando-se da atividade do mosaico.

Outra entrevista foi com a professora de musicalização, no dia 25 de março de 2010. No início, a professora estava com expressão de cansada, indisposta. Mas durante a conversa foi se soltando e o diálogo aconteceu de modo agradável. Ficou evidente o envolvimento da professora com a educação para além da atividade musical. Aprendi bastante sobre musicalização, recebi algumas indicações de leitura importantes para a discussão sobre o ensino de artes. Foi possível explorar bem o roteiro pensado. Apenas uma última questão sobre dificuldades enfrentadas no trabalho na ONG não foi trabalhada por conta de que no final as pessoas começaram a entrar na sala em que conversávamos e considerei que ficaria constrangedor para a professora respondê-la naquele momento.

Encontrei a coordenadora da instituição para entrevistá-la no dia 29 de março de 2010. A coordenadora estava preocupada com uma notificação do Judiciário, então auxiliei no entendimento do documento, pois eu já havia trabalhado em um programa de atenção psicossocial em interface com a Justiça. Em seguida, iniciamos a entrevista conforme havíamos combinado por telefone, mas constantemente havia interrupções: telefone, pessoas que a chamavam etc. Então, ela disse rindo: “Acho que a gente vai ter que ir conversar no banheiro, ou não vai dar”.

Sugeri então que utilizássemos uma sala mais reservada no andar de cima. E assim conseguimos conversar com maior tranquilidade na sala da oficina de costura. Durante o tempo de convívio com o campo de pesquisa e também nesta conversa, os relatos de “correria”, “cansaço”, “pouco tempo pra conversar” estiveram presentes. A equipe abraça o desenvolvimento de diversas ações, parcerias com voluntários, o que demanda sobrecarga de trabalho para a equipe, que é reduzida.

Durante a conversa a coordenadora foi detalhista na fala. Contou que até três ou quatro anos atrás as atividades educativas com crianças eram desenvolvidas em uma instituição assistencial, vinculada à religião espírita. E que em 2006 alguns voluntários decidiram assumir e montar uma instituição educacional às crianças dessas famílias em outro espaço, com a finalidade de melhor definir os objetivos e ações educativas.

Revelou que pouco sabia de educação, de atas, normas, burocracias, prestação de contas, que foi aprendendo tudo isso nesse processo. Ficou evidente no discurso da coordenadora a intencionalidade de resgatar o aprendizado que não tem sido desenvolvido na escola. Contou que as crianças são analfabetas com treze anos e que a “escola perdeu a mão”, que “é só faz de conta”.

Sobre as atividades artísticas que desenvolvem ali, destacou as contribuições para o desenvolvimento cognitivo e escolar das crianças, como por exemplo: concentração, paciência, motricidade etc. Enfatizou também os valores construídos com os meninos durante as atividades ali na ONG. Contou com orgulho uma história em que uma criança veio devolver dinheiro que encontrou no chão e outros exemplos de honestidade das crianças e também de outros valores que considera importantes. Estes e tantos outros discursos foram aprofundados no capítulo de análise dos resultados.

3.4.3. O espaço urbano como lugar de encontro na pesquisa: