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1. INTRODUÇÃO:

2.1 Um novo campo de estudo: política pública

A área do conhecimento identificado como Política Pública, ganha nova importância no cenário social a partir de 1980, com novas conceituações, formas de elaboração, normas, instrumentos, entre outros. Na literatura da área, podemos identificar alguns fatores que são considerados como preponderantes para a consolidação da área de políticas públicas no cenário dos países em desenvolvimento.

Podemos destacar, por exemplo, a necessidade de enxugamento do Estado como um importante elemento potencializador da área de políticas públicas. A dificuldade dos governos, especialmente na América Latina, em programar políticas públicas que “impulsionem o desenvolvimento econômico e promovam a inclusão social de grande parte da sua população” (Souza, 2006, p.6), é outro exemplo de fatores motivadores do

ressurgimento da área de políticas públicas como campo de conhecimento imprescindível.

O estudo em políticas públicas reincide de forma diferenciada nos Estados Unidos e na Europa. Nos Estados Unidos, a área de política pública aparece nas disciplinas acadêmicas, sem vincular-se às teorias do Estado. Nesse contexto, os estudos concentram foco diretamente nas ações dos governos. Na Europa, ao contrário, a área de políticas públicas surge em consequência de trabalhos teóricos explicativos sobre o papel do Estado e dos governos, visto que,

O pressuposto analítico que regeu a constituição e a consolidação dos estudos sobre políticas públicas é o de que, em democracias estáveis, aquilo que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser (a) formulado cientificamente e (b) analisado por pesquisadores independentes (SOUZA, 2007, p. 67).

Conforme Souza (2007), o estudo dos aspectos relacionados ao campo das políticas públicas nos Estados Unidos da América tem como trajetória três caminhos. O primeiro adota como objeto de estudo as instituições, por entender serem elas imprescindíveis para conter “a tirania e as paixões inerentes a natureza humana” (SOUZA, 2007. p. 22). Outro caminho entendia que para se promover o “bom governo” era necessário focar nas organizações locais à medida que estas são portadoras de uma “virtude cívica” e tal fator favorece ações nesse sentido.

Por seu turno, o terceiro caminho é o das políticas públicas “como um ramo da ciência política” que busca compreender as decisões dos governos. Esse terceiro caminho surge estimulado por contextos sociais específicos como a guerra fria, pois, se buscava controlar a guerra racionalmente e enfrentar suas consequências.

No âmbito da ciência política existem três grandes abordagens que têm assumido cada vez mais relevância na área de análise de políticas públicas: a policy analysis13, o neo-institucionalismo, e a análise de estilos políticos. Há, ainda, a avaliação de políticas que, em alguns momentos, tem sido contemplada como sinônimo de análise. Não se configura como pretensão desta pesquisa adentrar no âmbito dessa discussão, mas, se faz necessário enfatizar que nossa opção é pela policy analysis, por acreditarmos ser essa abordagem a mais adequada para responder nossas questões de pesquisa.

A Policy Analysis é uma das principais vertentes na área de análise de políticas públicas. Ela é constituída por um conjunto de termos que são de fundamental importância para as pesquisas nessa área. Os primeiros e mais utilizados são os termos em inglês: policy, politics e polity. Consoante Frey,

A dimensão institucional polity se refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo; no quadro da dimensão processual politics tem-se em vista o processo político, frequentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição; a dimensão material policy refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas(FREY, 2000, p. 216 -217).

O próprio autor nos adverte da necessidade de olhar e utilizar essas dimensões em sua amplitude e interdependentes entre si, sob pena de se produzir análises inadequadas e reducionistas, e de desconsiderar o âmbito dinâmico e conflituoso que fundamenta a política publica.

Por exemplo, no caso da educação do campo, objeto de nossa análise, podemos definir o governo e os movimentos sociais como polity; os programas que se intitulam de educação do campo como politics; e os referenciais, e materiais pedagógicos, como livros, cadernos, entre outros, como policy.

Para análise dessa engrenagem é necessário que todas as três dimensões sejam consideradas, haja vista, qualquer tentativa de isolamento ou desconsideração de uma delas possivelmente implicar em perdas e análises equivocadas que não condizem com a realidade e/ou com a configuração da política em questão.

Na abordagem policy analysis três categorias tem sido consideradas como relevantes, são elas: a policy networks, policy arena, e policy cycle. A Policy networks se constitui em formas de exercício político que comporta atores de espaços sociais diferentes, ou seja, tanto os atores estatais como os representantes sociais convergem na defesa dos interesses (recursos, regulamentações, normatizações) de uma determinada política.

Algumas das características apresentadas pela policy networks nos faz enxergar elementos que coadunam com o processo brasileiro que ganhou força, na década de 1990, na defesa por educação para a população camponesa, que passa a ser conhecido

como Educação do campo14. A policy networks representa importante instrumento para a analise de políticas públicas, principalmente, no que diz respeito às questões relacionadas aos conflitos e coalizões nos processos políticos. Vejamos o que Frey fala sobre isso:

Para a análise de políticas públicas, as policy networks' ou issue networks' são de grande importância, sobretudo enquanto fatores dos processos de conflito e de coalizão na vida político-administrativa. Foi observado, no caso da realidade política das democracias mais consolidadas, que os membros de tais policy networks costumam rivalizar-se, mas acabam criando laços internos de solidariedade, o que lhes possibilita se defender e agir contra os outros policy networks considerados concorrentes (FREY, 2000, p. 222).

A categoria Policy Arena, diz respeito a processos de satisfação, insatisfação, frustração, e expectativas, que as pessoas atribuem a determinada política. A policy arena lida, ainda, com conflitos e consensos nas diversas áreas políticas de acordo com sua classificação em: distributiva – apresenta baixo grau de conflitos e beneficiam grande número de destinatários; redistributiva – caracterizada por deslocamento e desvio de recursos, direitos e outros, geralmente produzem muita polarização e conflitos.

Regulatória – prioriza fundamentalmente os aspectos legalizados ou proibitivos dos marcos legais. Pode atender tanto a interesses restritos como amplos. Segundo Frey (2000), os conflitos são moldados a partir da configuração das políticas. Finalmente, Constitutiva ou Estruturadora – funcionam como eixo sob o qual as demais políticas de movimentam. Para Frey,

A política estruturadora diz respeito à própria esfera da política e suas instituições condicionantes (polity') - refere-se à criação e modelação de novas instituições, à modificação do sistema de governo ou do sistema eleitoral, à determinação e configuração dos processos de negociação, de cooperação e de consulta entre os atores políticos. A distinção entre política estruturadora e política sócio-regulatória é particularmente importante em relação aos efeitos nos processos de conflito e de consenso, os quais são de peculiar interesse para a policy analysis (FREY, 2000, p. 224).

14 O movimento por educação do campo surge no seio dos movimentos sociais camponeses e exigem do

poder público constituído a criação de uma política educacional que garantisse a especificidade cultural e identitária da população do campo com ações como: deliberação de recursos financeiros para o aluno do campo, criação de diretrizes curriculares e estruturais das escolas camponesas, entre outros.

Independentemente das dificuldades em classificar processos políticos ou a diversidade de arenas políticas é importante considerar que “existe uma inter-relação entre a percepção de uma policy por parte das pessoas afetadas e a estrutura da arena política” (FREY, 2000, P. 226).

Outra categoria fundamental da policy analysis é o policy Cycle, que atua no sentido de garantir que possamos identificar/monitorar tanto a fase de elaboração como de implementação das políticas públicas. O policy cycle se constitui em diversas fases parciais que, de acordo com Frey (2000),

As várias fases correspondem a uma sequencia de elementos do processo político-administrativo e podem ser investigadas no que diz respeito às constelações de poder, às redes políticas e sociais e às práticas político- administrativas que se encontram tipicamente em cada fase (FREY, 2000, p. 226).

O policy cycle também tem como principais fases “percepção e definição de problema, agenda-setting, elaboração de programas e decisão, implementação de políticas, avaliação e correção de ação” (FREY, 2000, p. 226).

A segunda abordagem que tem grande abrangência na área da ciência política, o neo-institucionalismo, o qual adota como questão central na análise de processos políticos, o papel das instituições. Os neo-institucionalistas atribuem às instituições “importância primordial para explicar o êxito ou o fracasso das políticas adotadas” (Frey, 2000, p. 230). Também compreendem que para garantir êxito num determinado sistema político-administrativo é necessário um bom desenho institucional, ou seja, instituições estáveis que possam atuar estrategicamente em sua máxima função regulatória, pois, à medida que

As instituições ordenam as redes de relações sociais, regulam a distribuição de gratificações e posições sociais pela definição de metas e da determinação e destinação de recursos, e finalmente, sendo elas intermediadas por valores, representam a índole espiritual da sociedade como um todo (FREY, 2000, p. 231).

Considero importante ressaltar que o habitat originário da abordagem neo- institucionalista são os países desenvolvidos economicamente, com sistemas políticos e instituições estabilizadas e consolidadas. Os resultados positivos conseguidos em cenários dessa natureza podem não se confirmar, por exemplo, nos países em

desenvolvimento como aqueles presentes na América Latina, na qual o Brasil se inclui. Nesse sentido é interessante refletir cuidadosamente a relevância dessa abordagem quando se tratar de analisar processos políticos dos países em desenvolvimento.

Como o neo-institucionalismo, a terceira abordagem na área da ciência política que vem ganhando importância é a análise de estilos políticos. Essa abordagem tem sua centralidade no campo da política ou politics. Um de seus elementos principais é a comparação entre culturas políticas. A análise de estilos políticos está interessada em observar os padrões de comportamento político, os aspectos culturais, as atitudes dos atores políticos como instrumentos para analisar os processos políticos implementados. Na prática, essa abordagem pode ser percebida nos países em desenvolvimento que vivem em permanentes processos de transformação e conflitos quando atores políticos conseguem alterar padrões de comportamento políticos previamente definidos. No caso brasileiro podemos exemplificar observando algumas das alterações em termos de participação da população no desenvolvimento de algumas políticas sociais, como a Educação e a Saúde, que a partir da ultima década do século XX, passam a contar com novos instrumentos de participação como os conselhos, fóruns, entre outros, nos quais os representantes da sociedade civil participam basicamente como fiscais da implementação das políticas desse setor. Frey identifica dois objetivos que considera principais da análise de estilos políticos, são eles:

Em primeiro lugar, trata-se de investigar possíveis fatores que podem ter levado a consolidação de um certo estilo de política empiricamente observado; nesse caso o estilo político é considerado uma variável dependente... das estruturas sociais e econômicas, da composição étnica da população, das estruturas tradicionais dos sistemas partidário e associativo, das condições institucionais em geral e da importância atribuída aos subsistemas dentro do sistema global....em segundo lugar, o estilo político pode ser considerado uma variável independente. Nesse caso coloca-se primeiro plano a questão de como programas podem ser influenciados por estilos políticos concretos (FREY, 2000, 239).

A análise de estilos políticos contribui com a policy analysis no sentido de poder auxiliar no exame das políticas setoriais que constituem os sistemas formais e informais nos aspectos ligados aos valores, normatizações, entre outros. Acreditamos termos evidenciado, na conceituação das três abordagens, as limitações que elas carregam ao se limitarem em focalizar suas análises apenas em aspectos das políticas públicas. Como foi visto, a Policy analysis centra-se no conteúdo das políticas (policy); neo-

institucionalismo, na dimensão institucional (polity); e a análise de estilos políticos, na dimensão processual (politics).

Para análise de políticas publicas no cenário brasileiro, país em desenvolvimento, com sistemas e instituições políticos fragilizados e em permanente processo de transformação e alteração de padrões e prioridade, julgamos ser de imprescindível considerar as três abordagens como elementos relevantes para analisar os processos e sistemas políticos.

Contudo, não se perdeu de vista que as três abordagens, ao centralizarem seus olhares em aspectos diferentes entre si, se conjugadas, dão ao pesquisador(a) condições para produzir análises mais completas sobre as políticas públicas que apresentam características tão especificas como as brasileiras. Nesse sentido, as três abordagens se revelam como fundamentais para auxiliar na análise que nos propusemos a realizar acerca da política de Educação do Campo no estado de Sergipe.

Ainda no bojo das conceituações/definições, faz-se necessário pensar sobre o conceito de políticas públicas e apontar que estamos adotando o termo “políticas públicas” na concepção Cavalcanti, para quem a

Política pública é um curso de ação ou inação, escolhido por autoridades públicas para focalizar um problema, que é expressado no corpo das leis, regulamentos, decisões e ações de governo. A politica pública está relacionada com as intensões que determinam as ações de um governo; com o que o governo escolhe fazer ou não fazer; com as decisões que têm como objetivo implementar programas para alcançar metas em uma determinada sociedade; com a luta de interesses entre o governo e sociedade; ou ainda, com atividades de governo, desenvolvidas por agentes públicos ou não, que têm uma influência na vida de cidadãos (CAVALCANTI, 2009, p. 4).

Vale ressaltar que adotamos essa concepção, mas sem perder de vista que “política pública” ainda é um conceito ambivalente que, até o momento, não foi enquadrado numa única forma de se fazer compreender. Há certos aspectos que estão presentes em quase todas as formas de compreensão do termo, como “ações e tomada de decisões” (CAVALCANTI, 2009, p. 3). Não há, na área das ciências políticas, um conceito fechado ou único que contemple o termo.

Alguns conceitos são mais utilizados, a exemplo de Mead (1995), que define política pública como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à

luz de grandes questões públicas. Para Lynn (1980) e Souza (2007), ela é compreendida como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Outro conceito abrangente e que parece identificado com a política pública que analisamos é o defendido por Souza, diz ela:

Política pública como campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, colocar o ‘governo em ação’ e/ou analisar essa ação e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações. A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações, que produzirão resultados ou mudanças no mundo real (SOUZA, 2007, p. 69)

Este conceito de política pública contribui para uma compreensão dos elementos que produzem a Educação do Campo, por isso, consideramos adequado para nossa análise. Souza (2007), apresenta ainda outros tipos de importantes políticas públicas, a exemplo do “ciclo da política pública”, que entende a política pública como um ciclo deliberativo. Esse modelo é constituído por um processo dinâmico distribuído em vários estágios, tendo como foco central a definição de agenda que permite o questionamento sobre a escolha de determinada agenda política em detrimento de outra.

Outro tipo apresentado pela autora é o modelo “garbage can15”. Para os defensores desse tipo de política, existem muitos problemas e poucas soluções para eles, e as organizações operam com ideias inconsistentes num processo de tentativa e erro. Ou seja, “o modelo advoga que soluções procuram por problemas. As escolhas é que compõem um garbage can, no qual vários tipos de problemas e soluções são colocados pelos participantes a medida que aparecem” (SOUZA, 2007, p. 75)

O “Arenas Sociais” é outro tipo de politica que atua a partir do problema estabelecido e da conclusão da comunidade de que algo precisa ser feito para resolvê-lo. Somente a partir desse diagnóstico, os atores políticos que representam os governos passam a selecionar questões consideradas importantes em detrimento das de pouca importância.

Destacamos o tipo “Modelos Influenciados pelo Gerencialismo e pelo Ajuste Fiscal”, que entendemos trazer contribuições à nossa análise. Este tipo de política pública tem como objetivo principal a eficiência das políticas públicas, seguido da

importância de credibilidade e delegação das políticas às instituições com o mínimo de independência política. Influenciados por este modelo há uma tendência de adotar políticas de caráter participativo

Impulsionadas, por um lado, pelas propostas dos organismos multilaterais e, por outro, por mandamentos constitucionais e pelos compromissos assumidos por alguns partidos políticos, várias experiências foram implementadas visando à inserção de grupos sociais e/ou de interesses na formulação e acompanhamento de políticas públicas, principalmente nas políticas sociais (SOUZA, 2007, p. 79-80)

Neste modelo, percebemos grande semelhança não só com os processos que constituíram a Educação do Campo como uma área específica da educação brasileira, mas também com todos os instrumentos dos quais a sociedade tem feito uso para consolidação desta educação como uma política pública eficaz e eficiente no que diz respeito a produzir os benefícios esperados pela população camponesa.

Para o movimento “Por uma Educação do Campo”, o termo politicas públicas é compreendido como o “Estado em Ação” – conforme conceito elaborado por Gobert e Muller (1987) apud Hofling (2001, p. 31). Essa compreensão de políticas públicas refere-se à ação de implementação de projetos de governo através do Estado. Molina (2012) explicita essa compreensão de políticas públicas no dicionário de Educação do Campo afirmando que

Elas traduzem formas de agir do Estado, mediante programas que objetivam dar materialidade aos direitos constitucionais. Entre os direitos constitucionais que se materializam por meio das políticas públicas, estão principalmente os direitos sociais, definidos no artigo 6º da Constituição Federal brasileira de 1988: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Pelo fato de as políticas públicas serem formas de atuação do Estado para garantir os direitos sociais, elas também são denominadas, muitas vezes, políticas sociais (MOLINA, 2012, p. 588).

Entretanto, Hofling (2001) amplia essa compreensão quando detalha sua visão sobre as políticas públicas e a relação com o Estado, defendendo que

As políticas públicas são aqui compreendidas como de responsabilidade do Estado – quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolve órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados

à politica implementada. Neste sentido, políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais (HOFLING, 2001, p. 31).

Na citação acima visualizamos a aproximação entre o tipo de política pública “Modelos Influenciados pelo Gerencialismo e pelo Ajuste Fiscal” e a concepção do “Estado em ação”, adotado pelo Movimento por uma Educação do Campo, sobretudo, no que diz respeito à participação dos diferentes agentes sociais na política pública e não apenas os organismos estatais.