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Capítulo 2 Diversidade linguística: tempos e espaços de renovação

2. Um olhar sobre as políticas linguísticas educativas europeias

Como podemos compreender pelo que foi dito anteriormente, os reptos da educação em línguas têm vindo a evoluir em consonância com a construção de uma política educativa (em particular, da Europa) que abraça o ideal do plurilinguismo enquanto princípio e condição fundamental para o desenvolvimento individual e coletivo (Beacco & Byram, 2003, 2005). Como veremos em seguida, essa mesma política educativa em muito está relacionada com a ideia de que aprender línguas é uma maneira de promoção social, económica e cultural e de valorização pessoal (Dabène, 1997; Phipps & Gonzalez, 2004, entre outros), facilitando o contacto harmonioso entre sujeitos de diferentes culturas.

No contexto europeu, é sobretudo a partir da década de 70, que as línguas e a sua aprendizagem começam a ser mais valorizadas como forma de combater problemas sociais (nomeadamente, ligados à imigração e à abertura dos mercados de trabalho). Contudo, é na década seguinte, com a entrada de Portugal na Comunidade Europeia e com os planos da Comissão Delors, que se começa a desenhar uma efetiva política linguística e cultural.

Mais tarde, com o Tratado de Maastricht – Tratado da União Europeia (1992) – procura reafirmar-se a existência de uma identidade europeia, alimentada por um conjunto de recomendações também no domínio da educação e da formação que sublinham a importância das línguas e das culturas na construção da identidade dos sujeitos numa sociedade diversa. Desta forma, e como veremos em seguida, é sobretudo a partir dos anos

90 que se nota uma particular preocupação em estabelecer efetivamente uma política educativa linguística, através da produção de um conjunto de documentos orientadores de práticas de educação em línguas promotoras do plurilinguismo. É também nesta fase que, nomeadamente com o “Livro Branco: Ensinar e Aprender – Rumo à Sociedade

Cognitiva”, editado pela Comissão das Comunidades Europeias, se estabelecem vários

objetivos para a educação e formação europeias, nomeadamente: encorajar a aquisição de novos saberes, combater a exclusão, dominar três línguas europeias e, por último, investir em recursos materiais e formativos para que seja possível diversificar a oferta de línguas nos sistemas de ensino e iniciar a aprendizagem das mesmas o mais cedo possível (Afonso, 2008; Comblain & Rondal, 2001; Comissão das Comunidades Europeias, 1995; Conselho da Europa, 2001a).

Um outro marco importante registou-se em 2002, no âmbito da Estratégia de Lisboa para o crescimento e o emprego, em que se procurou assumir o compromisso político de melhorar o domínio das competências de base, passando as mesmas pelo domínio de, pelo menos, duas línguas estrangeiras a partir da idade mais precoce. Nesta linha, no ano seguinte, com o Plano de Ação 2004-2006 – “Promover a aprendizagem das línguas e a diversidade linguística”, definem-se objetivos segundo três domínios estratégicos: a aprendizagem de línguas ao longo da vida, um melhor ensino das línguas e, finalmente, a criação de um ambiente favorável às mesmas, capaz de preservar a diversidade. O documento aponta, assim, algumas razões pelas quais é necessário promover ações no campo da aprendizagem de línguas, contemplando quer o ensino ‘precoce’ das línguas, quer a SDL.

A este propósito, alguns autores reforçam a finalidade principal da nova política linguística europeia:

"le plan d’action invite les Etats membres à construire une Europe plus humaine et plus inclusive en garantissant la cohésion sociale, en promouvant la citoyenneté démocratique en Europe, en protégeant et promouvant la diversité culturelle et en développant le dialogue interculturel. À l’évidence, l’éducation aux langues joue un rôle important dans la poursuite de ces objectifs" (McPake & Tinsley, 2007: 49;

ver ainda Andrade & Araújo e Sá, 2001; Bernaus et al., 2007; Dupuis, 2003; Heyworth, 2003).

É neste enquadramento político-educativo, em que os conceitos de cidadania, coesão social e interculturalidade são centrais na DL, que o nosso trabalho se enquadra na medida em

que é nossa intenção compreender como podem os professores aprender a colocar em prática essa mesma DL desde os primeiros anos de escolaridade.

Nesta linha, podemos afirmar que os esforços políticos das últimas décadas, têm tido dois enfoques principais – a construção de uma identidade europeia e a preservação da diversidade – que passam, inevitavelmente, pela valorização das dimensões multilingue e multicultural das sociedades e que se traduzem globalmente na definição de objetivos comuns a atingir e de estratégias pedagógico-didáticas a implementar. Essas estratégias prendem-se não só com o ensino de línguas estrangeiras propriamente dito, mas também com a integração de uma SDL desde os primeiros anos de escolaridade (Candelier, 2000).

Neste contexto, educar em línguas passa a significar sobretudo fazer com que os alunos percebam que fazem parte de um todo, ajudá-los a aceder ao mundo, conhecendo e respeitando a diversidade em presença. Nesta medida, podemos dizer que a educação em línguas se tem tornado cada vez mais uma questão política que envolve direitos humanos e linguísticos, valores democráticos e de cidadania, vista como capaz de contribuir para a coesão social, para a construção da paz (Puig, 2004). Podemos, assim, afirmar que os discursos da educação em línguas assentam num conjunto de medidas políticas específicas que, por sua vez, vão ao encontro das medidas políticas governamentais gerais cujo fim é ajudar a construir uma verdadeira cidadania europeia (Ambrósio, 2000; Audigier, 2000; Beacco & Byram, 2003, 2005; Bettencourt, Campos & Fragateiro, 2000; Candelier et al., 2003;Nogueira & Silva, 2001; Oliveira, 2003;Ouellet, 2002;Reimão, 2000; Rothes, 2000; Starkey, 2002).

Debruçando-se sobre esta questão, afirmam algumas especialistas que:

“este desafio, cujas finalidades éticas são por demais evidentes, exige esforços consideráveis e concertados no domínio da Educação em Línguas e da parte de todos os seus agentes, políticos, investigadores, formadores de professores, professores e sociedade em geral” (Araújo e Sá & Melo, 2004: 707).

No nosso entendimento, a política linguística educativa em presença, divulgada sobretudo pelo Conselho da Europa, procura consolidar a proposta de Siguán (1996). O autor sugere que a política de construção europeia repouse sobre cinco eixos basilares. Um primeiro, que abrace a preservação da diversidade, apelando à capacidade dos europeus comunicarem entre si e assegurando a possibilidade de contacto com outras línguas para além da língua materna desde os primeiros anos de escolaridade. Num segundo eixo, o autor aponta a necessidade de aumentar a qualidade e o tempo dedicado ao ensino das

línguas e, consequentemente, um aumento das opções de línguas no ensino formal. Apresentando o terceiro eixo, o autor critica que o ensino de línguas se transforme frequentemente num mercado regido pelas leis da oferta e da procura, alegando a importância de preservar a pluralidade linguística de forma a reduzir o perigo em que se encontram algumas línguas consideradas minoritárias. No quarto eixo, Siguán defende que uma política de promoção da diversidade linguística dever ter em conta os diferentes estatutos das línguas, entre eles, as línguas oficiais e as línguas de trabalho. Neste contexto, o autor propõe que se traduzam para todas as línguas dos países membros os acordos e as decisões das instituições comunitárias. Finalmente, o autor afirma que saber línguas não será suficiente para que haja compreensão entre os povos. Assim, para assegurar a diversidade linguística não basta defender a necessidade de aprender línguas e facultar a sua expansão, é primordial que se ensine a aceitar a diversidade europeia e mundial, promovendo valores democráticos (Siguán, 1996: 254-258). É nesta linha que a promoção da competência plurilingue e intercultural constitui o centro da política linguística atual, como especificaremos posteriormente.

Ainda que reconhecendo que são diversos os atores da política educativa linguística atual (desde associações de cidadãos, a empresas, organizações nacionais e internacionais, como a UNESCO e a União Europeia), neste trabalho, focalizar-nos-emos sobretudo nas principais iniciativas do Conselho da Europa, considerando que “les positions assumées au

sein du Conseil de l’Europe constituent d’ores et déjà une base pour le développement de politiques linguistiques éducatives qui confluent dans l’élaboration d’une Europe rendue citoyenne par le plurilinguisme” (Beacco & Byram, 2003: 32). Contudo, e estando

conscientes de que a construção das políticas educativas linguísticas tem sido um processo longo e complexo, as orientações definidas nos documentos elaborados pelo Conselho da Europa têm vindo a ganhar maior especificidade ao longo do tempo, dando origem à criação de instrumentos de trabalho mais concretos, orientadores da educação em línguas.

Criado em 1949, o Conselho da Europa procura essencialmente orientar e apoiar os Estados-Membros a tomar medidas de política linguística capazes de promover o plurilinguismo enquanto eixo sustentador de uma educação dos cidadãos que conduza a um maior comprometimento social. Neste contexto, investe sobretudo na atuação de duas secções: a Division des Politiques Linguistiques, sediada em Strasbourg (França), e o Centre Européen pour les Langues Vivantes (CELV), em Graz (Áustria).

Em conformidade com a crescente valorização das línguas e das abordagens plurais, a atuação do Conselho da Europa fez-se sentir sobretudo a partir dos anos 70, sendo da década de 90 até aos nossos dias o período áureo da produção de materiais e de documentos orientadores de política linguística. De um modo geral, podemos afirmar que os documentos que têm sido elaborados no sentido de consolidar essa política linguística emergem sobretudo de um conjunto de consensos que têm como finalidades essenciais: a) facilitar a livre circulação na Europa; b) aumentar o conhecimento de outras línguas, culturas e povos; c) aumentar o nível de cooperação europeia em quantidade e qualidade; d) combater e/ou evitar preconceitos e intolerância perante o Outro; e) reforçar as estruturas e práticas democráticas e de cidadania (Fischer, 2001).

Neste contexto, nos finais dos anos 90 até aos dias de hoje, várias recomendações e resoluções foram ao encontro desses objetivos. Assim, destacamos quatro daquelas que consideramos capitais:

a) a Recomendação No. R (98) 6 do Comité de Ministros aos estados-membros, que enfatiza a importância da comunicação intercultural e do plurilinguismo como objetivos estratégicos, propondo medidas concretas aplicáveis a cada setor da educação, bem como à formação (inicial e contínua) dos professores;

b) a Recomendação 1383 (1998) da Assembleia Parlamentar do Conselho da

Europa sobre a diversificação linguística que anuncia a diversidade linguística

europeia como património cultural rico que deve ser preservado e protegido. Assim, no documento mencionado, defende-se um ensino de línguas diversificado, que não se deve limitar ao domínio da língua inglesa, mas também à aquisição de outras línguas, paralelamente à língua nacional e/ou regional; c) mais tarde, a Recomendação 1539 (2001) da Assembleia Parlamentar do

Conselho da Europa sobre o Ano Europeu das Línguas convida os Estados-

Membros a promoverem iniciativas no âmbito das políticas linguísticas vigentes capazes de encorajar os sujeitos a atingir competências comunicativas em várias línguas e a estimular abordagens plurais, diversificadas e inovadoras;

d) finalmente, a Recomendação Rec (2005) 3 do Comité dos Ministros aos

Estados-Membros relativa ao ensino das línguas vizinhas/regiões fronteiriças

recomenda que se ponham em prática princípios de uma educação plurilingue, através da criação de condições que permitam aos estabelecimentos de ensino

abrir portas às línguas e às culturas das regiões fronteiriças (McPake & Tinsley, 2007: 49-50).

No que respeita às principais produções do Conselho da Europa, destacamos no nosso trabalho quatro importantes documentos, destinados a facilitar a cooperação europeia no campo educação em línguas: o Quadro Europeu Comum de Referência (QECR), o Portfolio Europeu das Línguas (PEL), o Guide pour l’Elaboration des

Politiques Linguistiques Educatives en Europe e, finalmente o Cadre de Référence pour les Approches Plurielles des Langues et des Cultures (CARAP).

O QECR, publicado pelo Conselho da Europa em 2001, define um conjunto de orientações curriculares, nomeadamente, no que respeita a competências, objetivos, conteúdos e estratégias a desenvolver, servindo de guia para os professores/educadores na área das línguas. Como no próprio documento é explicitado, trata-se de um instrumento exaustivo, abrangente, transparente e coerente, sem por isso pretender ser dogmático. É, assim, um instrumento de trabalho que orienta e encoraja os

“diferentes parceiros envolvidos nos processos de ensino e de aprendizagem das línguas a serem capazes de informar outros, o mais claramente possível, sobre as suas finalidades e sobre os seus objectivos, assim como os métodos usados e os resultados obtidos” (Conselho da Europa, 2001a: 41).

Sendo um dispositivo integrado e explícito, o QECR permite analisar o ensino e a aprendizagem de línguas de forma inovadora, segundo competências que se interligam, conferindo coerência e transparência ao processo de ensino-aprendizagem, através da elaboração de um inventário de parâmetros, categorias e critérios comuns para a elaboração de programas (Conseil de l’Europe, 2006).

Na nossa perspetiva, o QECR define claramente o conceito de competência plurilingue, enquanto “capacidade para utilizar as línguas para comunicar na interacção

cultural, na qual o indivíduo, na sua qualidade de actor social, possui proficiência em várias línguas, em diferentes níveis, bem como experiência de várias culturas” (Conselho

da Europa, 2001a: 231). Note-se que o plurilinguismo é visto não só como uma competência, mas igualmente como um valor pelo que, sendo a língua e a cultura inseparáveis, a competência plurilingue aponta para uma competência pluri e intercultural, baseada em princípios e valores como a justiça, a paz, a tolerância e a cidadania democrática.

Nesta linha de pensamento, o desenvolvimento da competência plurilingue e intercultural admite que “os aprendentes atingem uma maior proficiência numa língua do

que noutras” e que “o perfil de competências é diferente de uma língua para a outra”

(Conselho da Europa, 2001a: 187). A referida competência assume-se, assim, como algo complexo, heterogéneo, compósito e desequilibrado, não sendo uma mera soma de competências variadas (Conselho da Europa, 2001a; Andrade & Araújo e Sá, 2001; Andrade & Araújo & Sá et al., 2003; Beacco & Byram, 2003; Candelier, 2003; Coste, 2001c; Coste, Moore & Zarate, 1997; Trim, 1997). Assim sendo, não se espera que a mesma seja uma competência perfeita e linear, admitindo um constante reequacionamento dos diferentes saberes que mobiliza. Trata-se de uma competência multidirecional, composta por dimensões, repertórios e saberes diversos, dizendo respeito à forma como o sujeito se confronta com o Outro e às potencialidades que essa relação pode ter ao nível social, cognitivo e afetivo. A este propósito, refere Trim (1997),“the plurilingualism is not

superposition or juxtaposition of a complex or even distinct competence, but rather as the existence of a complex or even composite competence on which the user may draw” (p.

33).

Em consonância com o estabelecido pelo QECR, Andrade & Araújo e Sá (2001, 2003) afirmam que a competência plurilingue e intercultural é constituída por quatro dimensões: i) a dimensão sócio-afetiva que diz respeito a aspetos mais interiores ao sujeito, isto é, a um conjunto de (in)disponibilidades e motivações (entre outras, afetivas, instrumentais, integrativas, académicas) influenciadas pelas atitudes face às línguas, às culturas e aos falantes; ii) a dimensão da gestão dos repertórios linguístico-comunicativos que remete para a capacidade do sujeito lidar com diferentes enunciados e com a sua biografia linguístico-comunicativa, consciencializando-se de que as línguas e as culturas desempenham diferentes funções e estatutos, num percurso de experiências e de aprendizagem também elas diversas; iii) a dimensão da gestão dos repertórios de

aprendizagem que inclui a capacidade de mobilizar diferentes recursos e processos de

aprendizagem comunicativa, isto é, modos de interação do ponto de vista cognitivo-verbal; e finalmente, iv) a dimensão da gestão da interacção, respeitante à forma como o sujeito lida em situações de contacto com diferentes línguas (interpretação, tradução e/ou alternância códica), ou seja, modos de fazer a gestão da comunicação com e em outras

línguas. Estas dimensões, ainda que distintas, interrelacionam-se entre si de forma dinâmica e sistemática.

Tendo em conta a noção de competência plurilingue e intercultural, facilmente nos apercebemos que a mesma deixa transparecer sinergias entre vários saberes que contribuem para a sua concretização, nomeadamente, o saber, o saber-fazer e o saber-ser (Candelier, 2005; Candelier et al., 2003, 2007; Castellotti, 2001). Julgamos que a mesma dá ainda lugar a um “quarto mosqueteiro” (Coste, 2009), o saber-aprender, que mobiliza os outros saberes, aptidões e atitudes, conferindo ao sujeito a capacidade de aprender o que é novo. Nesta perspetiva, o QECR apresenta-nos um elenco de competências gerais que se cruzam e se enriquecem mutuamente. Uma primeira competência está diretamente relacionada com o conhecimento declarativo, isto é, o saber, o conhecimento do mundo, o conhecimento sócio-cultural e a consciência intercultural. Uma segunda competência, referente às capacidades e à competência de realização, diz respeito a um saber-fazer, ou seja, a capacidades práticas e a capacidades interculturais. A este saber-fazer segue-se uma competência existencial (saber-ser e saber-estar) e uma competência de aprendizagem que mobiliza as três competências anteriores. Esta última inclui um saber-aprender e uma consciência da língua e da comunicação, que concorrem para a competência de comunicação (intercultural). Alguns autores esclarecem que:

“the Intercultural competence and the capacity for intercultural mediation are thus one of the potential goals of language teaching, enabling plurilingual individuals to acquire a capacity for living in the multilingual environment which is contemporary Europe” (Beacco & Byram, 2003: 34).

Assumimos, desta forma, que a educação em línguas é um espaço ideal de educação intercultural porque permite que a questão do encontro com o Outro seja integrada no currículo, através de estratégias capazes de desenvolver nos alunos uma consciência metalínguística, baseada na análise e na reflexão das/sobre as línguas ou os sistemas linguísticos. Essas estratégias são ainda importantes para o desenvolvimento das competências gerais por nós atrás referidas (saber, saber-fazer e saber aprender), refletindo-se igualmente no desenvolvimento de um saber-conviver e de um saber-ser na sociedade diversa em que as línguas assumem um papel especial na formação dos indivíduos e nas relações entre eles, dada a evidência e a inevitabilidade do contacto com o

Outro e a necessidade de respeito mútuo (Delors, 1996; Candelier et al., 2007; Conselho

Na nossa perspetiva, são todos os saberes, todas as dimensões e competências que referimos que conferem unidade à competência plurilingue e cultural, fazendo da mesma um todo global e não uma mera justaposição como se de um conjunto de bonecas russas se tratasse (Coste, 2001c). Assim, assumimos neste trabalho a complexidade e a diversidade da competência plurilingue e intercultural e, simultaneamente, o seu caráter unitário e transversal perante um repertório em constante evolução. Também Kervran afirma que, segundo uma conceção dinâmica e inclusiva das línguas, a competência plurilingue e pluricultural assenta na ideia de repertório linguístico (2005a).

Como dissemos anteriormente, um outro instrumento importante é o Portfolio

Europeu das Línguas (PEL). Desenvolvido entre 1998 e 2000 e publicado em 2001 pelo

Conselho da Europa, este documento segue as linhas orientadoras do QECR. Todavia, trata-se de um documento de caráter mais pessoal, podendo o seu utilizador registar (de acordo com os seis níveis propostos pelo QECR) as competências em línguas estrangeiras, adquiridas em contexto formal e/ou informal. O PEL está organizado em três partes:

Passaporte Linguístico, Biografia Linguística e Dossier (Conselho da Europa, 2001b). A

primeira parte (Passaporte Linguístico) tem um caráter bastante pessoal, onde são registados aspetos relacionados com o perfil ou a identidade linguística do utilizador e o resumo de experiências linguísticas e interculturais, para além dos certificados e diplomas.

A Biografia Linguística constitui uma orientação para o utilizador na definição de metas de

aprendizagem. Assim, esta parte do PEL diz respeito aos objetivos de aprendizagem, procurando dar conta da sua evolução e do progresso das experiências significativas da aprendizagem de línguas e/ou do contacto com as mesmas e com os outros. Alguns autores afirmam que a Biografia Linguística “se assume como reveladora de uma história de vida

e de representações relativamente às línguas, às suas funções e estatutos” (Andrade,

Martins & Leite, 2002: 78-79). Por último, todos os trabalhos e materiais realizados no âmbito do contacto com as línguas são arquivados e registados no Dossier.

Tendo em conta esta descrição breve do PEL, parece-nos que este instrumento tem uma dupla função: uma função documental, no sentido em que é uma apresentação dos conhecimentos em diplomas/certificados, das experiências linguísticas e interculturais, dentro e fora da escola, e uma função pedagógica e política na medida em que visa promover o plurilinguismo e sensibilizar para a interculturalidade, tornando o processo de aprendizagem mais consciente, reflexivo e transparente aos olhos do aprendente e dos

professores, estimulando a autonomia no processo de desenvolvimento de competências ao longo da vida (Conseil de l’Europe, 2006; Fischer, 2001).

Um outro documento fundamental que enquadra as políticas linguísticas educativas atuais nas quais localizamos o nosso trabalho é o Guia para a elaboração das políticas

linguísticas educativas na Europa (Beacco & Byram, 2003). Globalmente, neste

documento, faz-se uma análise dos pontos fortes e fracos comuns da política linguística atual, apresentando possibilidades de identificar e analisar os fatores que influenciam a prática da política linguística educativa centrada na diversidade. Sintetizando, procura-se refletir e descrever modos de desenvolver uma política global e coerente que sirva uma gestão adequada da unidade na diversidade.