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Um passado pesado para diversas atividades dos diferentes setores

4 A SOCIOECONOMIA HAITIANA: PERSPECTIVA

4.4 UMA VISÃO GERAL SOBRE OS SETORES DE ATIVIDADES

4.4.2 Um passado pesado para diversas atividades dos diferentes setores

Atividades historicamente importantes da economia haitiana foram bastante prejudicadas por acontecimentos que tiveram fortes impactos na vida nacional nas últimas décadas. Com efeito, a agricultura e as indústrias de substituição a importação foram terrivelmente afetadas pela liberalização comercial dos anos 1980. A economia nacional não conseguiu se levantar dos choques ocasionados pelo golpe de Estado militar de 1991-1994 e as crises políticas que fragilizam sobretudo os setores sensíveis da produção nacional, por exemplo o turismo (BOULOS e Al., 2010).

Em 1986 e 1996, o Haiti tenha se envolvido em programas de ajustamento estrutural (PAS)124 com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). O programa de 1986 foi composto de quatro componentes principais: a reforma do sistema fiscal, um programa de privatização, a política monetária restritiva e uma política de liberalização do comércio. O último componente, que foi totalmente implementado a partir de então, diz muito sobre a grande queda da agricultura do país.

Na aplicação do último componente do programa, o Haiti, então, tinha que reduzir suas tarifas sobre os bens importados. E, de fato, em 1987, o governo realizou estes descontos em uma gama de produtos, incluindo arroz e leite. As quantidades de arroz importados subiram muito rápido a partir de então: eles foram multiplicados por 28 entre 1984 e 1994 (de 5.000 Megatoneladas (Mt) a 140.000 Mt) e para mais de 50 entre 1984 e 2004 (de 5.000 Mt a 276.010 Mt) (CCFD-TERRE SOLIDAIRE, 2008). E até em 2010, Bill Clinton reconheceu esse mal feito ao Haiti com aqueles programas, mas continua com a mesma estratégia visando reduzir a miséria no Haiti.

Enquanto Bill Clinton, o presidente dos EUA reconheceu em 2010 que esta política foi um erro, é sempre a mesma política agrícola e as mesmas prioridades que são apresentadas antes de tudo como uma solução para sair da pobreza. O exemplo mais óbvio é a tentativa, poucas semanas depois de 12 de janeiro, de uma doação de Monsanto de 475 toneladas de sementes de milho híbrido para o governo haitiano (THOMAS, 2012).

Em 1990, o Haiti era quase autosuficiente em seu abastecimento de arroz. Mas essa produção local “colapsou” com a aplicação dos programas de ajustamento estrutural contra as importações de arroz barato americano. O país, dessa forma, tornou-se então dependente da importação de alimentos, de uma maneira geral. De modo concomitante, os EUA aceleraram a exportação de arroz subsidiado ao Haiti, inclusive na forma de ajuda alimentar (food aid). Observa-se que, entre 1992 e 2000, as importações de alimentos do Haiti dobraram e os programas de ajuda alimentar aumentaram bastante a sua distribuição (programa USAID passou de 350.000 para 1.300.000 beneficiários entre 1992 e 2000) de acordo com o International Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD, 2010).

Em 1988, 47% do suprimento do país eram constituídos por produção local. Os demais 53% eram importados no mercado varejista. Já em 2008 (grandes ciclones abalaram a quase totalidade da produção agrícolas do país), apenas 15% do suprimento haitiano passou a ser produzido localmente. Os demais 85% foram importados, dos quais 11% na forma de ajuda alimentar. No mesmo período, os subsídios domésticos aos rizicultores estadunidenses saltaram de US$ 128

milhões, em 1988, para um pico de US$ 1,7 bilhão, em 2000, e foram reduzidos a US$ 301 milhões, em 2008 (ICTSD, 2010). Seitenfus (2014, p.449), da sua parte, salientou o seguinte sobre essa situação descrita:

Repete-se com irritante insistência o modelo fracassado que acelerara o processo de migração entre o campo e a cidade fazendo com que a agricultura tradicional de susbsistência desapareça completamente. Os interesses do maior produtor agrícola mundial coincidem com os conselhos provenientes do FMI: a agricultura haitiana, não possuindo economia de escala e competitividade, deve ser abandonada.

A estratégia dos Estados Unidos, aplicados desde a década de 80, faz do Haiti o atual 4o maior cliente para suas exportações de arroz. Base de sua dieta alimentar, o país era autossuficiente na década de 70. Atualmente importa 90% de seu consumo e vive em permanente crise de abastecimento.

No caso das indústrias, a liberalização comercial passou pela privatização das empresas públicas, como “la Minoterie d’Haïti” (o Moinho do Haiti), “Le Ciment d’Haïti” (O Cimento do Haiti), “la Télécommunication d’Haïti (Téléco)” (a Telecomunicação do Haiti (Teleco)), e outras atividades públicas que funcionaram como reguladores de preços dos produtos no território nacional foram fechadas. Essa política registra anos de impacto social negativo sobre a maioria da população. Milhares de trabalhadores da população ativa do país foram afetados e seus filhos deixaram de poder frequentar a escola, entre outras situações difíceis pelas quais passou boa parte da população (DESSALINES, 2011).

Ao longo da década de 1990, o setor das indústrias têxteis, que representa mais de 75% das receitas de exportação e emprega uma parte significativa dos habitantes da região metropolitana de Port-au-Prince, sofreu terrivelmente os efeitos devastadores do embargo econômico (Imposto pelos Estados Unidos e comunidade Internacional), decretado contra o país a fim de assegurar a volta do presidente Jean-Bertrand Aristide ao poder, no dia 15 de outubro de 1994. A cobrança de impostos e o controle das despesas públicas foram significativamente enfraquecidos por conta de tal situação (BOULOS e Al., 2010). E de

acordo com Séraphin (2011, p.3), o embargo econômico (comercial) não foi tudo.

Na sequência de um golpe de Estado perpetrado em Setembro de 1991 contra o presidente Jean- Bertrand Aristide, os Estados Unidos e a Organização dos Estados Americanos (OEA) impuseram no mesmo ano um embargo comercial contra o Haiti seguido em 1993 por um embargo de petróleo imposto desta vez pela ONU125.

Registre-se que o Presidente Aristide esteve à frente do Estado haitiano em três períodos: em 1991 (eleito democratamente), de 1994 a 1996 (voltou a dirigir o país depois das pressões do embargo), e novamente de 2001 a 2004. E teve que ser afastado do governo em duas ocasiões: primeiramente através de um golpe militar (em setembro de 1991) e novamente em 2004, numa situação mal explicada na qual foi retirado do país por militares norte-americanos, com apoio de militares brasileiros (HISTÓRIA NEWS XXI, 2015).

Para se ter uma ideia da degradação da situação econômica e dos reflexos sociais, afetando duramente o povo do país, é importante ressaltar duas informações importantes sobre a taxa de juros e taxa de câmbio. A taxa de juros passou de 16,02% em 1997 para 32,3 em 2008. A taxa de câmbio da moeda nacional (gourde) passou de 5 gourdes por $US 1 em 1990 para 42,8 gourdes por $US 1 em 2008, além da retração do PIB do país em quase metade no mesmo período como já foi sublinhado. Enfim, a massificação da pobreza no Haiti é uma realidade que atinge o olho de qualquer observador (BOULOS e Al., 2010).

No Haiti, a recuperação de praticamente todas as instituições financeiras por parte de investidores haitianos não conseguiu democratizar o crédito no país. Os jovens têm muitas dificuldades para financiar seus projetos, e é a mesma coisa com a nacionalização da indústria do turismo durante décadas, que não tem sido capaz de atrair e aumentar a taxa de preenchimento dos hotéis destinados a serviços turísticos (DORÉ, 2010). Sobre a tendência de aproveitar a mão de obra

125 A la suite d’un coup d’état perpétré en septembre 1991 contre le président Jean- Bertand Aristide, les Etats-Unis et l’Organisation des Etats Américains (OEA) imposèrent la même année un embargo commercial à l’égard d’Haïti, suivi en 1993 par un embargo pétrolier imposé cette fois par l’ONU.

em quantidade e barata no Haiti após o terremoto de 2010, Seitenfus (2014, p. 448) salientou o seguinte:

Complementando a estratégia da commodity da miséria, foi identificada uma vantagem comparativa haitiana que deve ser explorada. Tal como ocorreu sob a ditadura de Jean-Claude, inspirado pelo Grupo de Países Amigos, foi decidido que a disponibilidade de uma mão de obra com custos baixíssimos deveria servir de base para a vinda de maquiladoras a produzir têxteis para o mercado dos Estados Unidos. Como exemplo o flamante Parque Industrial de Caracol (PIC), que recebeu US$ 124 milhões da Usaid.

Em resumo, percebe-se que o Haiti não consegue se erguer para se constituir como uma nação forte após a sua independência, e que, mundialmente, o país é apresentado como um estado falhado126 que precisa sempre da presença de forças estrangeiras atuando em seu território, um estado condenado a viver principalmente da ajuda humanitária internacional e das remessas de haitianos vivendo cada vez mais no exterior.

Esse estado falhado e condenado cria um ambiente continuo de instabilidade política que perdura durante décadas e que perturba o crescimento e o desenvolvimento do Haiti. Apesar desse ambiente inviável do deste país, observam-se atividades econômicas haitianas integradas em cadeias globais. O próximo capitulo vai explorar o desenvolvimento do turismo haitiano e sua integração na cadeia global de turismo.

126 Estado falhado, Estado falido ou Estado fracassado são termos políticos que designam um país no qual o governo é ineficaz e não mantém de fato o controle sobre o território, o que resultaria em altas taxas de criminalidade, corrupção extrema, um extenso mercado informal, poder judiciário ineficaz, entre outras situações.

5 O HAITI E A CADEIA GLOBAL DO TURISMO: