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2. Vida e obra de Ronaldo Brito – dois lados da mesma lâmina

2.2 Inhamuns, um sertão no Cariri Cearense

2.2.1 Um projeto de nomes

Além de retratar os aspectos geográficos, climáticos, físicos e culturais da região onde cresceu, Ronaldo Correia também deu voz ficcional a personagens da história real dos Inhamuns. Apesar do ar moderno que ele atribui às personagens e aos temas, de certa forma revolucionários, e da linguagem e estrutura contemporâneas dos textos, conseguimos perceber em sua literatura um pé fincado na tradição, que é também uma forma de crítica, mas que rege toda a dinâmica dos contos.

Ele traz em sua obra “pós-moderna” a herança familiar genealógica colonial, onde os nomes dos personagens reais e ficcionais muito se mesclam e se repetem. As épocas se entrecruzam, figuras antepassadas aparecem em tempos que já conheciam “rádios, telefones e aviões”, tornando difícil distinguir o verdadeiro tempo da narrativa. As personagens são normalmente originárias de famílias bastante tradicionais da região ou de temas bíblicos. É como se os personagens compusessem todos uma mesma

grande família dos Inhamuns, cuja história de seu povo o autor compara à das figuras da Bíblia, quando afirma que “a história dos homens que povoaram os sertões é muito semelhante à do povo hebreu”55.

Em Galiléia, por exemplo, originários da mistura entre portugueses judeus e cristãos novos, índios e negros, quase todos do clã possuem nomes tirados da História Sagrada, na qual o Velho e o Novo Testamento convivem em alternância. Mas a família Rego Castro, da narrativa, também é descendente do período pós-colonial dos Inhamuns. Dos Feitosa e dos Jucás, nomes que deram origem a toda a genealogia, também vieram os Rego e os Castro. De sua junção surgiram os Rego Castro, família protagonista do romance.

Reparemos que a maioria das personagens de Brito possui “nome e sobrenome”, até mesmo aqueles que estão fora desse círculo “familiar”, como o Doido Guará ou Negra Maria. Ainda assim, mesmo eles possuem nomes duplos de identificação de sua “linhagem”: Maria é negra, Guará é doido. Já Dona Catarina Macrina Cavalcante de Albuquerque Bezerra leva toda a sua descendência gloriosa atrelada ao nome, seu cartão de visitas.

Aqui segue, então, um breve resgate56 da origem dessas famílias e desses nomes clássicos para melhor compreender a dinâmica de nomenclatura do autor. Assim, podemos perceber as ligações, repetições e mistura de nomes, muitos deles recorrentes principalmente nos contos de Faca e Livro dos Homens. Mais especificamente podemos reconhecer a forte influência nas narrativas de “Redemunho”, muito calcada na herança patriarcal familiar, e “Lua Cambará”, que conta a saga da disputa de terras entre as duas famílias mais poderosas da região.

Originária do sertão dos Inhamuns, a Família57 Jucá é uma das mais numerosas do nordeste e hoje está presente em todo o território brasileiro. Ela surgiu, ainda no Século XVIII, no seio da Família Feitosa, para prestar duas homenagens: à memória do capitão-mor Bernardo Freire de Castro, senhor de um dos mais prósperos engenhos da Capitania do Rio Grande do Norte, e aos índios Jucás, que dominaram as cabeceiras do rio Jaguaribe e lutaram bravamente ao lado da Família Feitosa, a partir de 1725, contra a poderosa Família Monte, ambas as mais importantes dos Inhamuns colonial.

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Esta declaração foi corretamente mencionada e analisada na pagina 84 do presente trabalho.

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V. bibliografia utilizada para consulta genealógica dos Inhamuns nas Referências Bibliográficas.

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Utilizo “Família” com maiúscula propositadamente, frisando a sua importância no seio daquela sociedade, que a reproduz até hoje, vide a influência na literatura contemporânea de Brito.

A Família Feitosa era a mais importante e a mais numerosa da região desde o início do seu povoamento, onde se projetou, graças à criação de gado, como a de maior expressão econômica e política.

A Família Jucá surgiu nos Inhamuns com o casamento do sargento-mor Leandro Custódio de Oliveira Castro com a jovem Eufrásia58 Alves Feitosa. Entre os dez filhos desse casal o único a ter o sobrenome Jucá foi o Patriarca Bernardo Freire de Castro Jucá, acima mencionado. A família Alves Feitosa, de Sergipe, tem fortes raízes portuguesas, legítimas ou de segunda geração.

Os coronéis Francisco Alves Feitosa e seu irmão Lourenço Alves Feitosa eram filhos de João Alves Feitosa, o primeiro Feitosa que chegou ao Brasil. Os irmãos chegaram ao sertão dos Inhamuns por volta de 1710 e ali estruturaram a maior comunidade rural da Capitania do Ceará.

Francisco e seu irmão foram os maiores proprietários de terras. Lourenço chegou a ter 22 sesmarias, e com Francisco dominou uma área de aproximadamente 30 mil quilômetros quadrados. Nessas propriedades floresceu o historicamente conhecido “Clã dos Inhamuns”, uma das maiores parentelas da História do Ceará de todos os tempos.

No livro Dicionário Bio-Scriptográfico da Família Feitosa, o padre Neri Feitosa conta que, nas circunstâncias em que se achava a vida social no Ceará e estando o governador sem tropas suficientes para impor as ordens régias a índios e colonos, Lourenço Feitosa foi investido de poder e autoridade. O padre chama-o de “homem de prestígio e o dono do sertão”59.

Francisco Alves Feitosa deixou considerável descendência e por isso tornou-se o patriarca da Família. Contraiu núpcias três vezes. O primeiro casamento foi com Isabel do Monte, com quem teve apenas duas filhas: Maria e Luzia, que se casaram no círculo de amizade da família. O segundo casamento foi com Catarina Cardosa Rocha Resende Macrina60, das Famílias Bezerra e Cavalcanti, de Pernambuco, e com ela teve quatro filhos. Isabel do Monte e Catarina Macrina descendiam de dois troncos ilustres de Pernambuco: os Albuquerques e Cavalcanti.

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Daí vem o nome da personagem Eufrásia Menezes, do conto homônimo de Ronaldo Correia.

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Tirado de: http://www.genealogiafreire.com.br/bio_bernardo_freire_de_castro.htm. Acessado em: 27/05/2011.

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Esta também se torna personagem fictícia de Brito. No conto “Redemunho” ela é a matriarca ancestral da outra personagem de nome Catarina Macrina Cavalcante de Albuquerque Bezerra.

Sobre d. Catarina Macrina sabe-se, por escritos de Nelson Barbalho da Siqueira, que era descendente de Catharina de Albuquerque – a velha – e do florentino Filipo di Giovani di Cavalcanti61. Com base nos escritos de J.V.Borges da Fonseca, d. Catarina Macrina era filha de um Bezerra de Menezes com uma Cavalcanti de Albuquerque.

O próprio sobrenome de Ronaldo Correia de Brito também descende dessa mesma origem colonial dos Inhamuns. Registros mostram que uma das descendentes da extensa família Jucá, Magda Inês Jucá de Oliveira, foi casada e divorciada de Geraldo Bezerra de Brito62. Já sobre o “Correia” do meio, encontrei referência apenas a “Corrêa”, mas que possivelmente foi uma derivação deste.