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Uma conversação: entre a escola, a demanda e os sujeitos adolescentes

CAPÍTULO II A psicanálise e os grupos : uma conversação com os

2.3. Uma conversação: entre a escola, a demanda e os sujeitos adolescentes

Nós inventamos de fazer que os sujeitos da conversação, esses sujeitos dos quais falamos sem lhes dar a palavra, tomados como objetos de estudos sociológicos e outros, virassem sujeitos em conversação.»41 (Lacadée, 2008, p.20 trad. nossa)

A escola é o lugar aonde a criança dá o primeiro passo em direção à cena social. A escola tem a tarefa de romper com o saber-todo que detém a família sobre a criança, o que tornará possível sua entrada na cena social. Mas como a família, a instituição escolar pode impedir a emergência da palavra singular do sujeito, na medida em que desconsidera os limites do educar. Neste caso, como portadora de um saber pleno, sem furos, a instituição escolar se coloca no lugar de detentora da palavra do Outro. Freud (1910) irá se referir a escola como o lugar que deverá dar a criança,

(…) desejo de viver e devia oferecer-lhes apoio e amparo numa época da vida em que as condições de seu desenvolvimento, os compele a afrouxar seus vínculos com a casa dos pais. (...) a escola nunca deve esquecer que ela tem de lidar com indivíduos imaturos a quem não pode ser negado o direito de se demorarem em certos estágios do desenvolvimento e mesmo em alguns um pouco desagradveis. A escola não pode ajudicar-se o caráter de vida: ela não deve pretender ser mais do que uma maneira de vida (jeu de vie)” (FREUD, 1910a/2006, p. 243-24442).

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Do original consultado : « Nous avons inventé de faire que les sujets de la conversation, ces sujets dont on parle sans leur donner la parole ; pris comme objets d‟études sociologiques et autres, deviennent des sujets en conversation. » In : LACADÉE, P. (2008) “ De la norme de la conservation au détail de la conversation”. In: Comment se faire entendre à l´ école. CRDP, Aquitaine, 2008. p. 20.

42 Do original consultado : « (…) l‟envie de vivre et leur offrir soutien et point d‟appui à une époque

de leur vie où ils sont contraints, par les conditions de leur développement, de distendre la relation à la maison parentale et à leur famille […] L‟école ne doit jamais oublier qu‟elle a affaire à des

Esta última expressão, jeu de vie, é o mais importante a ser retido das palavras de Freud. É uma pena que pela tradução para a língua portuguesa, pouco pode ser retido do que se convencionou como, maneira de vida. Arendt (1972), em seu texto de 1954, La crise de l‟éducation, irá afirmar que o jogo, o brincar, é o modo pelo qual a criança experimenta o mundo. O brincar é um ato que, diferente de toda atividade racional de conhecimento, não estaria fundado numa posição de passividade do aprender. Nas palavras de Arendt,

Consideramos que o jogo é o modo de expressão o mais vivo e a maneira a mais apropriada para a criança se conduzir no mundo, e que seria a única forma de atividade que nasce espontaneamente de sua existência de criança. Somente aquilo que se pode aprender brincando, corresponde a sua vivacidade. A atividade característica da criança Ŕ ao menos é assim que pensamos Ŕ é brincar. Aprender, no sentido mais antigo do termo, forçando a criança a adotar uma atitude de passividade, a obrigaria a abandonar sua própria iniciativa que se manifesta no jogo.43 (ARENDT, 1954/1972, p. 235, trad. nossa)

Consideramos que é pela via do jogo que a criança irá produzir uma ficção capaz de apaziguar a força do real da perda de gozo de sua entrada no mundo da linguagem. No entanto, o que observamos cada vez mais nos dias de hoje, é uma escola impregnada dos princípios da meritocracia capitalista, produzindo ao invés de uma ficção capaz de sustentar a existência da criança num sistema simbólico de pertencimento, a lógica do fracasso escolar, signo da

individus encore immatures […] Elle ne doit pas vouloir être plus qu‟un jeu de vie » In : FREUD, S. (1910b) Pour introduire la discussion sur le suicide. In : Résultats, idées, problèmes. 1. 1890-1920. [Paris] : Presses Universitaires de France, 1984.p.228.

43 Do original consultado : « On considérait que le jeu est le mode d‟expression le plus vivant et la

manière la plus appropriée pour l‟enfant de se conduire dans le monde, et que c‟était la seule forme d‟activité qui jaillisse spontanément de son existence d‟enfant. Seul ce qui peut s‟apprendre en jouant correspond à sa vivacité. L‟activité caractéristique de l‟enfant Ŕ du moins pensait-on Ŕ est de jouer ; apprendre, au vieux sens du terme, en forçant l‟enfant à adopter une attitude de passivité, l‟obligeait à abandonner sa propre initiative qui ne se manifeste que dans le jeu. »

exclusão social. Vemos assim que o jogo é, em nossos dias, substituído pela idéia de trabalho.

O jogo teria sua essência da repetição, como Freud (1920/1996) percebeu quando pode observar a brincadeira de que se ocupava seu neto de um ano e meio, na tentativa de simbilizar a ausência do seu objeto de amor, no caso em questão, sua mãe. Trata-se do célebre jogo do fort-da, onde a criança fazia desaparecer e reaparecer um carretel de linha, brinquedo que se encontrava a seu alcance e que encenava o desprazer da criança pela ausência do objeto, pela via do prazer causado pelo seu posterior reaparecimento. Pela via do jogo, a criança saía da posição de passividade diante do desaparecimento do objeto, de sua perda, para assumir o controle, ativo, de trazer o objeto de volta a cena. Benjamin (2011) nos dirá que o jogo é para a criança, o que a linguagem é para o adulto. Em suas palavras,

O adulto apazigua seu coração e seus medos, goza duplamente de uma mesma alegria ao recontá-la. E a criança se cria tudo de novo, recomeça desde o começo, uma vez mais. (...) Repetir a mesma coisa seria o fundo em comum. Não apenas um “fazer-como-se”, mas um “fazer- sem-cessar”, a transformação da experiência que desestabiliza em um hábito, esta é a essência do jogo.»44 (BENJAMIN, 2011, p. 97, trad. nossa)

Já a dimensão do trabalho no capitalismo pós-industrial, que assume um papel fundamental na lógica educacional de nossos dias, ao contrário, irá fincar suas bases no princípio da acumulação infinita do conhecimento. Diz-se de uma criança que possui boas notas na escola, que ela trabalhou bem/ elle a bien

travaillé. Ao contrário do jogo, aqui, a criança torna-se um receptáculo passivo,

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Do original consultado : L‟adulte soulage son cœur de ses frayeurs, jouit doublement d‟un bonheur en le racontant. Et l‟enfant se crée tout l‟affaire à nouveau, recommence depuis le début encore une fois. […] Répéter la même chose serait le fond commun à proprement parler. Non pas un « faire-comme-si », mais un « faire-sans-cesse », la transformation de l‟expérience qui bouleverse le plus en une habitude, voilà l‟essence du jeu. BENJAMIN, W. (2011) Enfance. Éloge de la poupée et autres essais. [Paris] : Éditions Payot e Rivages, 2011.

onde alguém que detém um determinado conhecimento, deverá lho transmitir. Essa capacidade de passividade será avaliada pelo produto de seu trabalho, suas notas. Lacan irá dizer dos universitários parisiences que questionavam seu seminário em 1969, que estes entravam na universidade como sujeitos e saíam dela, como créditos!

A escola de nossos dias irá marcar com o estigma do fracasso escolar, todos aqueles não disponíveis à passividade de retenção de conhecimento. A escola é o lugar aonde se trabalha duro, e não o lugar de brincar e de comer a

merenda. No entanto, só aqueles que conseguem brincar, sobrevivem às

pressões impostas pelo sistema escolar de nossos dias. Como nos diz Cordié (1993), a escola assente à lógica do capitalismo liberal, transformando fracasso escolar em fracasso de vida. Freud (1910), Pour introduire la discussion sur le

suicide, já apontava o fracasso da escola em sua tarefa de causar a vontade de

saber nos alunos. Ele nos diz que, “Parece-me indiscutível que as escolas falham nisso, e a muitos respeitos deixam de cumprir seu dever de proporcionar um substituto para a família e despertar o interesse pela vida do mundo exterior.” (FREUD, 1910b, p. 243-244 trad nossa)45

Assim, quando a instituição demanda algum tipo de intervenção de um profissional, sendo ele orientado pela prática da psicanálise ou não, faz-se necessário uma tomada de posição, estratégica, que não desconheça as artimanhas dos enlaçamentos discursivos de nosso tempo. Sendo este o caso, quais os riscos de um trabalho se constituir a partir de uma demanda vinda do Outro, a instituição escolar, e não dos sujeitos em questão?

Não sem razão a queixa escolar que nos foi endereçada como demanda de intervenção nada teve a ver com o fracasso escolar de alguns alunos ou sua falta de interesse pelo conhecimento. Esta escola na qual fizemos um trabalho clínico, de grupo, de orientação psicanalítica, fugia aos moldes normalmente esperados de um escola pública de uma grande cidade brasileira.

45 Do original consultado : « reste en deçà de sa tâche : offrir un substitut de la famille et éveiller

l‟intérêt pour la vie à l‟extérieur, dans le monde. In : FREUD, S. (1910b) Pour introduire la discussion sur le suicide. In : Résultats, idées, problèmes. 1. 1890-1920. [Paris] : Presses Universitaires de France, 1984. p. 132.

Sua organização espacial e seu programa pedagógico haviam sido singularmente pensados pela nova diretora que, confrontada com o problema entre o tamanho físico da escola e o número elevado de alunos, propôs a queda dos muros entre as salas de aula. Criou-se grandes salas de aula, onde reuniu alunos de diferentes idades em torno de roteiros de pesquisa temáticos, cujo grau de complexidade variava individualmente, respeitando o tempo de aprendizagem singular de cada aluno. Esta escola, mesmo que fazendo ainda uso da organização verticalizada de progressão da apreensão do conhecimento, operacionalizada pelo sistema de séries, não fazia desse sistema seu modo exclusivo, mas apenas representativo.

A aula expositiva, muitas vezes fatigante para alguns, deixou de ser o pilar no qual toda transmissão de conhecimento se deve embasar. Cada aluno é implicado no processo de aprendizagem, ou seja, no seu próprio processo uma vez que impulsiondao pela necessidade de pesquisar sobre cada tema para avançar no tempo da aprendizagem, desenvolvendo assim, no aluno, sua capacidade de raciocínio e autonomia. Além disso, os alunos mais velhos participam do processo de aprendizagem dos outros alunos menores, que quando trabalhando sobre a mesma temática, recorrem aos maiores para auxiliá-los em suas buscas. Com isso, o papel do professor se transforma, mas não deixa de existir, guardando sua verdadeira importância. Ele deixa de ser o pilar central da transmissão do conhecimento. Sua função é mais a de orientar do que explicar, é mais pesquisar do que ensinar. O professor é aquele que detém o saber que irá orientar o aluno em sua busca por respostas, e uma vez que aí se estabelece um laço, o aluno será aquele que irá interpelar o professor em sua pesquisa, buscando seu apoio.

Essa construção pedagógica que aqui expomos de forma resumida, é possível graças a vontade diária de todos os profissionais implicados no projeto; todos, com voz ativa: educadores, psicólogos, pais, alunos, funcionários responsáveis pela cozinha, pela limpeza, etc. E, principalmente, a comunidade que cerca a escola, bem como os intelectuais das universidades que se encantam com os desafios do projeto. Os alunos antigos que já partiram, podem continuar a fazer parte do projeto da escola, dando oficinas de artes, capoeira, ou

outros.Concluindo, as portas desta escola nunca são trancadas, mantendo aberta a via que liga escola e sociedade.l do

Asim, a demanda dessa escola nos chegou sob a forma de uma pergunta, “o que se passa com alguns desses meninos, pois temos a sensação de que nossa palavra os atravessa sem deixar marcas, sem produzir efeitos?” Não se tratava, como podemos observar, de um problema de evasão escolar ou de violência dos alunos, mesmo se isso fizesse parte também do cotidiano da escola. Tratava-se uma questão que tocava no âmago da estrutura do sujeito, que em nossos dias, enfrenta algumas torções; problema de uma palavra que não consegue fazer marca no corpo.

Mas é claro que não se trata de qualquer palavra, é sempre a instuituição escolar que fala, mesmo quando se elimina todos os muros que tentam cercear e moldar a subjetividade desses seres em formação. Trata-se do discurso que faz laço via vontade de saber, mas que comporta também, como já dissemos, um impossível.

A angústia da diretora é a evidência de que o savoir escolar é não- todo, e esse furo, sua insistência, é sentido como insuportável pela equipe pedagógica. É isso que é colocado em cena pelo comportamento resistente dos adolescentes. Lacadée (2007), alerta sobre o risco de uma pedagogia da eficiência e do controle, que aplainaria as singularidades, transformando alunos em objetos de mais-valia, o que levaria o adolescente a um resposta resistente e, muitas vezes, violenta. O corpo adolescente resiste a faire semblant da completude imaginária do discurso normativo escolar, e assim, a palavra dos responsáveis pela instituição escolar, ecoa no vazio.

A autoridade falha, as tentativas de escuta não produzem grandes efeitos. Os adolescentes oscilam entre o falatório e o emudecimento. Tem-se a sensação de que o barco está à deriva ou que, muitas vezes, está sob o comando dos próprios jovens. Lacadée (2007) a esse propósito irá nos dizer que a escola poderá ser, tanto o lugar por excelência onde o adolescente se colocará em cena diante do Outro, como ao contrário, poderá ser o lugar do fechamento do adolescente numa posição narcísica que irá inviabilzar a saída adolescente rumo

ao Outro. Em suas palavras,

A escola, pela utilização da linguagem que ela promove, é o lugar onde se coloca em cena, para cada um, aquilo que faz a base do laço social, qual seja, a função de apelo ao Outro, que comporta o fato de ser acolhido em uma turma. A turma pode ser um lugar de abertura quando fazemos uma aposta no Outro, ou um lugar de fechamento no caso de rejeitarmos esse Outro.46 (LACADÉE, 2007, p. 151 trad nossa)

Se podemos pensar que o que sustentava o sujeito adolescente dentro da escola no tempos de Freud, era a relação intrínseca produzida pela autoridade do ideal do eu, chegamos ao ponto de partida que nos permitirá entender algumas das razões pelas quais a palavra emitida pela instituição escolar nos dias de hoje, atravessa o corpo adolescente sem produzir qualquer marca ou traço. Lacadée (2007), em concordância a Miller (1997), irá afirmar que vivemos na época em que os ideais foram rebaixados, perderam sua função, e que em seu lugar, foram promovidos os objetos de gozo, de consumo. Ele nos diz,

Desde 1938, em Os complexos familiares, Lacan chamava a atenção sobre as consequências do declínio da imagem paterna e seus ideais. Ele começava a entrever um fenômeno que só fez se acentuar, a saber, que em nossa sociedade moderna, não é mais o campo do ideal que orienta o sujeito, mais sim o do gozo.»47 (LACADÉE, 2007, p. 79, trad. nossa)

Quando os ideais caem pela falsa promessa de satisfação plena a ser obtida pelo gozo do objeto, é o supereu que assume o comando via seus

46 Do original consultado: L‟école, par l‟utilisation du langage qu‟elle promeut, est le lieu où se

rejoue pour chacun ce qui fait la base du lien social, soit la fonction d‟appel à l‟Autre que comporte le fait d‟être accueilli dans une classe. La classe peut être un lieu d‟ouverture si on parie vers l‟Autre, ou un lieu de fermeture si on rejette l‟Autre. Ibidem., p. 151.

47

Do original consultado: « Dès 1938, dans Les complexes familiaux, Lacan attirait notre attention sur les conséquences du déclin de l‟imago paternelle et de ses idéaux. Il commençait à entrevoir un phénomène que ne devait aller qu‟en s‟accentuant, à savoir que dans notre société moderne, ce n‟est plus le champ de l‟idéal que oriente le sujet, mais celui de la jouissance. » Ibidem., p. 79.

imperativos a serem obedecidos. A liberdade é então a obdediência em seu estado puro! A adolescência é o tempo do sujeito que pressupõe o fim do complexo de édipo e a construção do fantasma que permitirá ao sujeito representar, no simbólico, o impossível da satisfação. É por isso que o adolescente precisa sair da cena familiar, onde a satisfação será sempre da ordem do impossível, para aceder ao espaço social, se aventurando em busca do amor que fará suplência a esta falta de objeto.

Assim, a escola é o lugar encarregado de despertar no adolescente esse interesse pelo mundo, ajudando-o a construir as ferramentas necessárias para seu caminho adiante, tendo como pilar central para essa transição, a figura do educador, que o aluno deverá tomar como seu ideal (ideal do eu). Mas este processo é desfeito em nossos dias; há um curto-circuito dos ideais exercidos pela função do Nome-do-Pai, mas paradoxalmente, há um recrudescimento dos agrupamentos identificatórios segregadores. Essa temática nos remete a questão dos grupos. Nas palavras de Lacadée (2007),

Devemos remarcar que a modernidade deslocou a questão daquele que faz autoridade : este está longe, a família, os pais, a escola, foram caindo um a um, e perderam o controle que dispunham em outros tempos sobre o adolescente. Se produziu uma queda da autoridade exercida pelo Nome-do- pai, um desabamento du crédito feito ao pai. (...) A cultura da tecno-ciência agravou o paradoxo do adolescente na medida em que se conjuga a instância do supereu que quer sempre mais, ao oferecer os objetos para satisfazer a pulsão (...) Este objeto de consumo inverte o lugar dos ideais sem promover nenhum em seu lugar, e o uso do gozo ligado a uma prática em curto-circuito do Outro da palavra. 48 (LACADÉE, 2007, p. 80-81, trad nossa)

48 Do original consultado: On ne peut que remarquer que cette modernité a déplacé la question de

ce qui fait autorité: celle-ci est désormais ailleurs, la famille, les parents et l‟école, tour à tour, ont perdu le contrôle dont ils disposaient autrefois sur les adolescentes. Il s‟est produit un effondrement de l‟autorité exercée au Nom-du-père, un effondrement du crédit fait au père. […] La culture de la techno-science aggrave le paradoxe de l‟adolescent dans la mesure où elle se conjugue à l‟instance surmoïque qui en veut toujours plus, en offrant des objets pour satisfaire la pulsion […] Cet objet de consommation troque la place des idéaux sans en promouvoir aucun, contre un usage de jouissance les plus souvent lié à une pratique de court-circuit de l‟Autre de la parole. »Ibidem., p. 80-81.

2.4. A psicanálise e os grupos

Freud começa seu trabalho Psicologia de grupo e análise do Ego (1921), afirmando que na base de uma psicologia social dos grupos, estaria a relação do indivíduo com seus pares mais próximos; de seu ultrapassamento da fase narcísica para a fase da escolha objetal. Não se justificaria, então, uma psicologia dos grupos que se interessasse apenas pela relação do indivíduo e sua inserção em “grandes grupos”, numerosos, como por exemplo, raça, religião, instituição, etc. Há em Freud, na base da formação do sujeito, uma dupla alteridade: a primeira interna, conflituosa, que se daria entre o ego e o ideal do ego, e ainda, uma alteridade externa entre o sujeito e o objeto, neste caso, aquele que faria o sujeito deslizar rumo a uma nunca alcançada satisfação das pulsões sexuais. Essa dupla dimensão da alteridade fará com que a distinção entre uma psicologia individual e outra dedicadas aos fenômenos grupais, não se justifique. É com a seguinte frase que o psicanalista começa o livro:

É verdade que a psicologia individual relaciona-se com o homem tomado individualmente e explora os caminhos pelos quais ele busca encontrar satisfação para seus impulsos instintuais49; contudo, apenas raramente e sob certas

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A palavra instinto que aparece na Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, deve ser entendida como pulsão. Optamos, nesta tese, por conservar a tradução do termo alemão Trieb errôneamente por instinto, quando esta é assim feita na edição brasileira, para evitar maiores alterações do texto traduzido original. Mas devemos guardar a distinção de sentido entre os dois termos, pois ela é respeitada na escritura da tese. J. Laplanche e J.-B. Pontalis (2009/1967), em Vocabulaire de Psychanalyse, Paris, PUF, fazem a seguinte consideração quanto a pertinência do termo e sua tradução. Na língua alemã encontramos tanto os termos Instinkt, quanto Trieb. “Le terme Trieb est de racine germanique, il