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VIVIANI SOUSA DO CARMO ANONIMATO DE VIDA E DE MORTE: CONTEMPORANEIDADE E LAÇO SOCIAL

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(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

DE SÃO PAULO

PUC-SP

VIVIANI SOUSA DO CARMO

ANONIMATO DE VIDA E DE MORTE:

CONTEMPORANEIDADE E LAÇO SOCIAL

NA ADOLESCÊNCIA

SÃO PAULO

(2)

VIVIANI SOUSA DO CARMO

ANONIMATO DE VIDA E DE MORTE:

CONTEMPORANEIDADE E LAÇO SOCIAL

NA ADOLESCÊNCIA

Tese apresentada ao

Programa de Psicologia Social da

Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo

PUC-SP para

Obtenção do título de Doutor

Em Psicologia Social

Orientador (a): Miriam Debieux Rosa

(3)

ERRATA 1 :

Onde se lê : RÉSUMÉ en français

Leia-se : CARMO, V. S. L’anonymat de vie et de mort : le lien social à l’adolescence. 2011. pp. 217 Tese (Doutorado) – Programa de Pós Graduação em Psicologia Social – Pontifiícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, em co-tutela com o Programa de Sciences de l’Education da Universidade de Paris 8 – Vincennes, Seine Saint-Denis, França. 2011.

RÉSUMÉ : L’anonymat de vie et de mort: le lien social à l’adolescence

Le sujet de cette thèse porte sur les vicissitudes de l’inscription dans le lien social par les adolescents qui vivent dans les grands centres urbains marqués par le contexte de l’anomie et de la violence urbaine. Nous sommes intéressés par leurs stratégies de subjectivation : comment faire lien dans un contexte, où la vie s’inscrit et s’efface dans une mort presque certaine et anonyme ? Comment ils font lien alors que leur vie et leur mort n’ont plus de valeur sociale? Pour cette recherche, nous nous sommes adressés aux adolescents dans leurs milieux scolaires, à partir de la création de groupes de conversations à thématiques libres. Ces groupes cliniques de conversations que nous avons coordonné, ont eu une orientation psychanalytique et ils nous ont permis la construction de quelques vignettes cliniques qui sont éparpillées dans le corps de la thèse. Nous avons choisi une disposition en quatre chapitres, dont le premier porte sur la construction adolescente dans le lien social, mais surtout, sur les difficultés de se faire lien dans un contexte d’un Autre social anomique. Le deuxième chapitre, traite du travail clinique réalisé avec des adolescents en milieu scolaire. Ce travail c’est concrétisé par la création de groupes de conversations avec une orientation psychanalytique. Le troisième chapitre s’ancre sur une forte discussion théorique sur le lien social dans l’œuvre de Freud et Lacan. Avec Freud on pourra affirmer que, avec l’arrivée du concept de surmoi, le lien social se ferra par la voie du sentiment de culpabilité. Avec Lacan, nous allons parcourir le chemin du dépassement d’une théorie de l’intersubjectivité vers la construction discursive du lien social. On pourrait dire que, si avec Freud, le lien social se maintien grâce au sentiment de culpabilité, avec Lacan, se sera l’obéissance le premier fondement du lien, structuré à partir du discours du maître. Finalement, le quatrième chapitre revient sur le court-circuit dans le lien social et la violence urbaine comme conséquence d’une déréglementation anomique du socius. Après l’époque de la discipline, on passerait sous l’influence du discours du capitalisme, ce qui nous conduira à passer du triomphe de la culpabilité au royaume de la jouissance. Ce contexte peut être dévastateur pour le sujet adolescent, qui trouvera des difficultés pour se subjectiver dans un monde où l’Autre est anomique. Dans un contexte, où la vie s’inscrit et s’efface dans une mort presque certaine et anonyme, la violence urbaine apparaît dans le discours adolescent moins comme une donnée de la réalité de ses jeunes, mais comme le seul moyen qu’ils trouvent pour se construire face à l’autre, non pas en acte, mais en parole, un sujet que se raconte par la voie d’une fiction violente, une histoire violente, où le sujet s’exile et disparaît.

Mots-clés : adolescence ; lien social ; anomie ; violence ; psychanalyse

ERRATA 2 :

(4)

Leia-se: « As sociedades de controle, organizadas sob a égide do discurso do capitalista, será a de um Outro social anômico, não limitador do gozo pleno. Com este conceito de um Outro social que seria anômico, não pretendemos afirmar que o Outro do contemporâneo seria vazio de suas marcas significantes, não podendo disponibilizá-las aos sujeitos. Mas, diremos que o conjunto de significantes que este Outro coloca a disposição do sujeito adolescente dos grandes bolsões pauperizados, guetos e favelas, são portadores de desqualificação e geradores de dificuldades de inscrição adolescente no laço social. Esses jovens são confrontados a um futuro incerto; relatórios1 apontam que, pelo menos, 81 mil adolescentes foram

assassinados no Brasil nos últimos dez anos. Tratam-se de vidas desqualificadas, jovens de futuro incerto, cercados pelo espectro de uma morte prematura e anônima. Sua vida e sua morte não possuem qualquer valor social positivo, são anônimas. Diremos que este efeito de enganchamento significante pelo pior é mais evidente nesses bolsões em que a lei é desregrada, anômica, e que Agamben (2002) pôde nomear como zonas de exceção. Ou seja, a noção de anonimato e de anomia não se confundem na tese. No último capítulo desta tese, abordaremos o conceito de anomia e sua origem na obra de Durkheim, bem como a posterior torção no conceito que é dada por Agamben. A partir daí, tomaremos estas noções, anomia e exceção, como centrais para caracterizarmos as sociedades do capitalismo avançado contemporâneo, das quais extrairemos todas nossas análises posteriores.”

 

      

(5)

Nome: CARMO, V. S. Anonimato de vida e de morte:

contemporaneidade e laço social na adolescência

Tese apresentada ao

Programa de Psicologia Social da

Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo

PUC-SP para

Obtenção do título de Doutor

Em Psicologia Social

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. _______________ Instituição:_____________________

Julgamento: ___________ Assinatura:_____________________

Prof. Dr. _______________ Instituição:_____________________

Julgamento: ___________ Assinatura:_____________________

Prof. Dr. _______________ Instituição:_____________________

Julgamento: ___________ Assinatura:_____________________

Prof. Dr. _______________ Instituição:_____________________

Julgamento: ___________ Assinatura:_____________________

Prof. Dr. _______________ Instituição:_____________________

Julgamento: ___________ Assinatura:_____________________

Prof. Dr. _______________ Instituição:_____________________

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AGRADECIMENTOS

À Miriam Debieux Rosa, minha orientadora, por ter sido um tão belo

encontro. Pela amizade, pelas idéias sempre pertinentes e tão bem

pensadas. Por ter me feito acreditar, novamente, que todo

pensamento só pode ter sentido pra vida, quando é pensado

coletivamente. Pelo cuidado. Pelo respeito. Por nunca ter colocado

em dúvida. Por ter mantido as portas sempre abertas.

À Maria Cristina Vicentin, parceira tão presente na articulação deste

caminho intelectual. Pela força política de sua intervenção.

À Ilana Mountian, um forte e belo encontro pelas ruas de Paris. Por ter

acreditado, mais do que ninguém, na pertinência deste trabalho. Por

me ter feito seguir em frente neste caminho. Pelas discussões, pelas

idéias, pelos projetos. Pela grande amizade.

À Laurence Gavarini, minha co-orientadora, por ter aceito e apoiado

este projeto do outro lado do Atlântico. Por sua paixão pelo trabalho

de campo.

À Serge Lesourd, por ter aceito compor esta banca. Pela conversa

que me deu tantas idéias.

À Ana Paula Musatti Braga, pelo amor pela escola, por sua paixão

pelos alunos. Por ter tornado possível este encontro com a escola.

Pela parceria de trabalho, sempre prazeirosa, afetiva e gratificante.

Pelo trabalho que fizemos juntas; pelos trabalhos que ainda faremos.

À Ana Elisa Siqueira.

À Sandra Alencar, companheira das angústias; companheira de

idéias. Por ter me ajudado a transformar São Paulo, numa casa.

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À Isabela Cardoza, por ter me confirmado aquilo que eu já sabia: que

é possível fazer um bom trabalho e ainda assim, guardar todos os

dias um belo sorriso. Pelo senso de humor.

À Ilaria Pirone, por ter me apresentado aos meninos de

Seine-Saint-Denis. Pela boa companhia em terra estrangeira.

À Aurelie Morin e Leticia Castro

À Ernane Catroli, por entender o que é um projeto de vida. Por

acreditar no valor das coisas. Pelo apoio e pela exigência. Pela lição

de amor.

À Maria do Carmo, pelo apoio, pelo amor e pelo orgulho que sempre

soube que sentia.

À Sueli Andrade, a mais querida amiga. Minha procuradora, onde

sempre me acho. Minha cumadre na vida. Meu porto-seguro em

qualquer lugar. À quem eu confiei meu tesouro de vida.

À José Huerta, companheiro amado e dedicado. Por estar presente e

também ausente, fazendo filmes pelo mundo afora. Pelo senso de

justiça. Pelo senso de humor. Pelos combates contra uma sociedade

de cínicos. Pelo combate. Pelo amor. E por Lola.

Ao CNPq pelo financiamento desta tese de doturado.

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RESUMO

CARMO, V. S. Anonimato de vida e de morte: contemporaneidade e laço social na adolescência. 2011. pp. 217 Tese (Doutorado) – Programa de Pós Graduação em Psicologia Social – Pontifiícia Universidade Católica de São Paulo

– PUC-SP. São Paulo, 2011.

Esta tese busca investigar as vicissitudes da inscrição no laço social dos adolescentes dos grandes centros urbanos, quando estes encontram-se imersos num cenário de anomia social e de violência. Interessar-nos-á investigar as estratégias de subjetivação adolescente, num contexto onde sua vida se inscreve e se apaga numa morte provável e anônima. Assim, como poderá se fazer a inscrição do adolescente no laço social quando nem sua vida, nem tampouco sua morte, possuem qualquer valor social positivo? Para realizar esta pesquisa, nos baseamos em nosso trabalho clínico com o sujeitos adolescente em meio escolar. Realizamos, numa escola estadual de São Paulo, um trabalho de grupos de conversação, cuja inspiração teórica e clínica buscamos na psicanálise. Traremos, nesta tese, dois casos clínicos construídos a partir deste trabalho de conversação.Esta tese é disposta em quatro capítulos. O primeiro deles irá tratar da construção do sujeito adolescente e sua inscrição no laço social. Mas, sobretudo, das dificuldades do laço social num contexto, que diremos, de um Outro social anômico. O terceiro capítulo desta tese, trará uma forte digressão teórica sobre o laço social nas obras de Freud e Lacan. Em Freud, afirmamos que a partir do conceito de supereu, a manutenção dos homens no laço social irá se dar pela via do sentimento de culpa. Em Lacan, a partir do ultrapassamento do conceito de intersubjetividade, o psicanalista irá traçar uma teoria do laço social, a parti de sua montagem discursiva. Podemos afirmar que, se em Freud o laço social entre os homens se manteria graças ao sentimento de culpa, em Lacan, será a obediência, o primeiro fundamento do laço social, estruturado a partir do discurso do Mestre.Finalmente, no quarto capítulo desta tese, afirmaremos que algo da ordem de um curto-circuito nos laços sociais e da emergência do fenômeno de uma violência generalizada, como consequencia de uma desregulamentação anômica do socius. Entramos numa época regida pelo discurso do capitalista, o que irá impor uma passagem entre um laço estruturado pelo triunfo da culpa e o outro (des)orientado pelo reinado do gozo. Diremos que este cenário poderá ser devastador para o sujeito adolescente, que encontrará algumas dificuldades em seu processo de subjetivação.Em um contetxo, onde a vida se inscreve e se apaga numa morte quase sempre anônima, a violência aparece no discurso adolescente não apenas como um dado da realidade diária, mas como um dos modos que o jovem encontrará para se construir face aos outros. A violência será não apenas ato, mas forma de palavra, para um sujeito que só poderá se contar pela via de uma ficção desqualificada, uma história violenta, onde o sujeito se exila e desaparece.

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RESUMÉ

CARMO, V. S. Anonimato de vida e de morte: contemporaneidade e laço social na adolescência. 2011. pp. 217 Tese (Doutorado) – Programa de Pós Graduação em Psicologia Social – Pontifiícia Universidade Católica de São Paulo

– PUC-SP. São Paulo, 2011.

Le sujet de cette thèse porte sur les vicissitudes de l’inscription dans le lien social

par les adolescentes qui vivent dans les grands centres urbaines pauvres marquées par le contexte de la violence urbaine. Nous sommes intéresses par leurs stratégies de subjectivation : comment faire lien dans un contexte, où la vie

s’inscrit et s’efface dans un mort presque certaine et anonyme ? Comment ils font lien alors que leur vie et leur mort n’a plus de valeur sociale ?Pour cette recherche nous nous sommes adressés aux adolescentes dans leurs milieux scolaires, à partir de la création de groupes de conversations de thématique libre. Ces groupes cliniques de conversations que nous avons coordonnées, ont eu une orientation psychanalytique et ils nous ont permis la construction de quelques vignettes cliniques qui sont éparpillés dans le corps de la thèse.Nous avons choisi une disposition en quatre chapitres, dont le premier portera sur la construction adolescente dans le lien social, mais surtout, sur les difficultés de se faire lien

dans un contexte d’un Autre social anomiqueLe troisième chapitre s’ancre sur une forte discussion théorique sur le lien social dans l’œuvre de Freud et Lacan. En

Freud on pourra affirmer que, avec l’arrivé du concept de surmoi, le lien social se ferra par la voie du sentiment de culpabilité. En Lacan, on ira parcourir le chemin

du dépassement d’une théorie de l’intersubjectivité vers la construction discursive

du lien social. On pourrait dire que, si en Freud, le lien social se maintien grâce au

sentiment de culpabilité, en Lacan, sera l’obéissance le premier fondement du

lien, structuré a partir du discours du maître.Finalement, le quatrième chapitre revient sur le court-circuit dans le lien social et la violence urbaine comme

conséquence d’une déréglementation anomique du socius. Après l’époque de la

discipline, on rentrera sur l’égide du discours du capitalisme, ce que nos fera

passer du triomphe de la culpabilité au royaume de la jouissance. Ce contexte peut être dévastateur pour le sujet adolescente, qui trouvera des difficultés pour

se subjectiver dans un monde où l’Autre est anomique. Dans un contexte, où la

vie s’inscrit et s’efface dans un mort presque certaine et anonyme, la violence

urbaine apparaît dans le discours adolescent n’ont pas comme un donnée de la réalité de ses jeunes, mais comme le seul moyen qu’ils trouvent pour se construire face à l’autre, non pas en acte, mais en parole, un sujet que se raconte par la voie

d’une fiction violente, une histoire violente, où le sujet s’exile et disparaître.

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10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I O adolescente no contemporâneo: as aventuras do enlaçamento diante de um Outro social anômico 1.1. Adolescência e Laço Social: uma introdução 18

1.2. A questão adolescente e o encontro com a perda do objeto 21

1.3. A questão adolescente e o encontro traumático com o Outro sexo 32

1.4. A questão adolescente no contemporâneo: o desamparo diante de um Outro social anômico 41

CAPÍTULO II - A psicanálise e os grupos : uma conversação com os adolescentes 2.1. A ética e a política da psicanálise: os quatro impossíveis 57

2.2. A Conversação e a pesquisa em psicanálise 67

2.3. Uma conversação: entre a escola, a demanda e os sujeitos adolescentes 73 2.4. A psicanálise e os grupos 81

2.5.Os casos clínicos. As melindrosas 93

2.6. Os casos clínicos. Os temerários 108

CAPÍTULO III – O eu e o outro: o problema do laço social em psicanálise 3.1. Freud: Laço Social via sentimento de culpa 122

3.1.1.O Narcisismo: da semelhança radical a um outro parcial e descontínuo 123

3.1.2. O surmoi: o nascimento do sentimento de culpa e o laço social 128

3.2. Lacan: Laço Social via obediência 137

3.2.1. Da intersubjetividade ao laço social 146

3.2.2. O discurso do Mestre: “travailler plus pour gagner plus” 150

3.2.3. A Histérica, o Universitário e o Analista 158

CAPÍTULO IV – Curto-circuito no laço social: a violenta rede simbólica do contemporâneo 4.1.Da disciplina ao capitalista : do triunfo da culpa ao reinado do gozo 168

4.2.A anomia: rumo a uma dessubjetivação do socius 180

4.3. O menino-mulsuman e a violência como ficção de uma vida desqualificada 190

CONCLUSÃO 198

(12)

INTRODUÇÃO

Esta tese busca investigar as vicissitudes da inscrição no laço social

dos adolescentes dos grandes centros urbanos, nos casos em que estes,

encontram-se imersos num cenário de anomia social e de violência.

Interessar-nos-á investigar as estratégias de subjetivação adolescente, num contexto onde

sua vida se inscreve e se apaga numa morte provável e anônima. Assim, como

poderá se fazer a inscrição do adolescente no laço social quando nem sua vida,

nem tampouco sua morte, possuem qualquer valor social positivo?

Essa tese surgiu do trabalho clínico com adolescentes, em consultório

privado e em grupos de conversa realizados em ambiente escolar. Sempre me

entusiasmei com a relação verídica com que os adolescentes se posicionavam

diante de seu desejo e com sua resposta colérica face às artimanhas do poder,

parental ou de Estado, que tentavam lhe subjugar. Mas, se a adolescência pode

ser considerada como um tempo de contestação, muitas outras imagens foram se

somando para a construção do imaginário social contemporâneo que alia, não

poucas vezes, esse tempo do sujeito à violência, à delinquência e a

agressividade. Esse efeito de colagem entre adolescência, delinquência e

comportamento violento, é alimentado por fatos fortemente midiatizados:

adolescentes de classe média agridem e matam trabalhadores na rua,

adolescentes trabalhadores no mercado do tráfico e seus „acertos de conta‟

violentos e mortais, adolescentes que, na escola, perseguem e atormentam

meninos mais frágeis, adolescentes que agridem verbalmente ou fisicamente os

pais, avós ou professores. Enfim, o leque é vasto, e o cotidiano dos jornais está

repleto desss episódios que tentam dar provas de que a associação

adolescência-agressividade não é sem razão de ser.

No decorrer do tempo, essa inaptidão da estrutura adolescente à

submissão, fez com que caísse nas malhas das políticas de controle social. Ou

(13)

momento em que as sociedades sentiram necessidade de se proteger dos

arroubos da juventude. De toda forma, o ato positivo de contestação adolescente,

imprescindível para o desenvolvimento das civilizações, foi capturado pelo

discurso médico e jurídico, transformado em patologia, crime e desvio a ser

normatizado. Daí, estarmos a um passo para a associação que faz equivaler

adolescência e comportamento violento. Sobretudo, quando se trata do sujeito

adolescente pauperizado dos guetos e favelas dos grandes centros urbanos

mundiais.

O imaginário social evidencia, segundo Castoriadis (1998), o lugar

concreto que ocupa o sujeito na sociedade. Veremos nessa tese, como esse lugar

é uma posição discursiva, que evidencia a dimensão do laço social que liga o

sujeito a seu gozo, aos outros e ao Outro. A adolescência não é apenas um

tempo estrutural da subjetivação ou uma operação psíquica desenraízada das

malhas discursivas que enlaçam o sujeito. É também um tempo, onde a dimensão

da angústia, do trauma e do mal-estar, serão vivenciados pelo sujeito à flor da

pele. É por isso que esta tese, será construída a partir da teoria dircursiva de

Jacques Lacan, que levará em conta a dimensão da perda de gozo necessária a

toda inscrição no laço social. Sua formalização em quatro discursos, + 1, irá nos

possibilitar situar as posições que ocupará o sujeito diante dos outros, do Outro e

de seu gozo. Veremos como os quatro discursos lacanianos: mestre, histérica,

analista e universitário, e mais o discurso do capitalista, o + Um desse esquema,

nos permitirá construir todas as análises dessa tese.

De volta à adolescência, veremos que sua inscrição no laço social é

um modo de passagem rumo a um lugar de pertencimento a cena social. No

entanto, muitas vezes, o lugar que é destinado ao jovem sujeito num determinado

contexto social, pode produzir apenas abandono e deriva subjetiva. Rosa e

Vicentin (2010) apontam que, muitas vezes, no caso de famílias marginalizadas e

pauperizadas, o discurso familiar é desautorizado pelo discurso social, que

patologiza e criminaliza atos e práticas de existência. O sujeito adolescente adere

a esse lugar que lhe é atribuído pelo campo social, que lhe priva de um nome e

lhe atribui apenas um número: um entre outros, a entrar e a sair da instituição

(14)

nomear e atribuir um lugar de pertencimente ao sujeito, será um Outro social

anômico. Este, abrirá mão da nomeação para atribuir ao sujeito um número; um

entre tantos outros: uma estatísca da vida, um sujeito desprovido de história.

A travessia adolescente rumo à cena social irá evidenciar os impasses

da subjetivação nos tempos atuais. A ausência de garantias do contemporâneo

irá se atualizar na adolescência. Uma das discussões que instigaram a

elaboração desta tese, foi a de que haveria uma pane no tempo de subjetivação

da adolescência, o que seria evidenciado pela relação dos jovens para com seus

semelhantes, autoridade parental ou com seus pares. Afirmar tal pane, seria

também conceber que o processo de subjetivação adolescente deveria ser

„consertado‟. Nesta tese, iremos trazer elementos que nos permitiram afirmar que não há nada a ser consertado na estrutura adolescente, pois a peça que falta ao

„sistema‟ é perdida desde sempre. Iremos, no decorrer desta tese, fornecer elementos que permitem nos posicionar contrariamente a essa hipótese de que o

sujeito entraria em pane estrutural.

Nosso guia neste trabalho, foi o seguinte problema: quais as

vicissitudes da inscrição no laço social na passagem adolescente, sobretudo

quando esta se encontra inscrita num contexto incerto, onde os sonhos de

projeção num futuro coletivo, rapidamente podem ser atravessados e impedidos

pela violência da realidade? Em um contexto onde a vida desses jovens se

inscreve e se apaga numa morte muitas vezes provável e anônima, quais as

possibilidades de inscrição no laço social, quando sua vida ou sua morte não têm

qualquer valor social positivo?

Para a elaboração desta tese, definimos um recorte de nosso tema em

quatro partes. Na primeira delas, nos debruçamos sobre as teorias psicanalíticas

de Freud e Lacan, acerca deste tempo psíquico que separa a infância da idade

adulta. Como veremos, Freud não irá tratar diretamente do tema da adolescência,

preferindo o termo puberdade. Veremos como o termo da puberdade pôde servir

ao psicanalista, que no início de sua obra estava mais preocupado com a

formalização de um tempo biológico do desenvolvimento da sexualidade. A partir

(15)

abrirá os limites de sua teoria, ao incluir a dimensão de uma busca por um objeto

no exterior do aparelho psíquico, que poderia substituir o primeiro objeto de amor,

sempre incestuoso e para sempre perdido.

Se no texto de 1905, Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Freud estará ainda preso ao desenvolvimento autoerótico da sexualidade infantil.

A partir das considerações de uma fase narcísica de escolha de objeto, que

precederia a escolha de objeto sexual da idade adulta, presente no mundo

exterior, o psicanalista irá se dirigir rumo a uma teoria da subjetividade, onde o

sujeito se apresenta em função de uma busca objetal.

Será com a chegada adolescência que o real do corpo reativará os

interditos do incesto, antes adormecidos pelo período de latência, e irá trazer à

tona a frustração de uma satisfação pulsional impossível a ser alcançada. Será

esta mesma decepção que forçará o jovem sujeito, a um olhar mais adiante, em

direção ao exterior do círculo familiar, para buscar no social, o objeto de amor que

fará suplência a satisfação perdida. Mas para que esta operação seja bem

sucedida, caberá ao jovem se separar dos ideais parentais e seus significantes

que o marcaram em sua infância. A promessa familiar não poderá mais ser o

único esteio para o sujeito adolescente. Ele irá se dirigir à cena social, buscando

novos saberes com os quais poderá se identificar e se construir como sujeito

singular.

Mas o imaginário social é avesso às criações, e já possui um lugar

determinado para o sujeito: de acolhida ou de abandono. No entanto, o sujeito

adolescente é aquele que não consente facilmente. Este saber formatado pelo

social, ele tampouco o aceita. É por isso que diremos, que o sujeito adolescente

entrará no laço social, fazendo greve! Recusando-se a aceitar as coisas como

elas são! O adolescente é aquele que não se contenta em ser contado pelo Outro.

É na adolescência que se dará a passagem da cena familiar para a cena social (ROSA, 2002), graças a experiência de um luto subjetivo que implica que o jovem abra mão de sua fantasia de completude/fantasia de gozo pleno,

aspecto esse, muitas vezes inviabilizado pelo cenário contemporâneo. Esta

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imaginário, não-castrado, acima das leis da civilização, por aquela do

pai-simbólico, castrado, um sujeito do social, e por isso capaz de acompanhar seus

filhos pelas leis da cultura, ajudando-os a suportarem a perda do gozo renunciado

. Esse é um dos aspectos que entram em pane na contemporaneidade, pois o

pai-imaginário é mantido como presença. Não que ele seja, em nossos dias,

ainda representado pela figura do pai da autoridade. Ele é substituído em sua

potência de completude pela promessa do mercado que tentará garantir ao sujeito

o direito ao gozo irrestrito, via objetos de consumo descartáveis. Veremos no

segundo capítulo dessa tese, como esses aspectos do contemporâneo colocarão

em perigo o processo de subjetivação singular da passagem adolescente.

Nessa segunda parte, iremos nos debruçar sobre o trabalho clínico

com os adolescentes, pois foi ele, um dos pontos de partida para nosso

questionamento acerca das vicissitudes da inscrição no laço social do sujeito

adolescente, no contexto de um Outro social anômico. Realizamos, durante

aproximadamente oito meses, numa escola estadual de São Paulo, Brasil, um

trabalho de grupos com adolescentes entre 12 e 16 anos de idade. Esses grupos

foram constituídos como grupos de conversação, cuja inspiração teórica e clínica buscamos na psicanálise e no trabalho do CIEN (Centre interdisciplinar de

l‟enfant).

O que pretendemos com esses grupos de conversação foi criação de um espaço onde os adolescentes pudessem encontrar, pela via da palavra, um

Outro receptivo, à escuta, e que não fosse portador dos significantes que

identificam e aprisionam, no imaginário social, esses jovens. Assim, nosso

compromisso ético foi o de tentar descolar o grupo e os sujeitos adolescentes da

aderência aos significantes-mestre que os identificam no social; significantes que

puderam aparecer no decorrer do trabalho. Para isso, mantivemos todo o cuidado

em lhes oferecer garantias de que outras possibilidades de existência poderiam

ser pensadas. Tentamos, através dos grupos de conversação, garantir para a

palavra adolescente, um esteio, para que ela não fosse apenas um instrumento

de puro gozo. Como diremos na tese, a palavra utilizada como puro gozo é

(17)

que os ligasse numa história coletiva e singular. Com os adolescentes, em grupo,

pudemos perceber as estratégias de captura e de resistência que puderam

construir frente ao insuportável do encontro com esse Outro que diremos

anômico. Que modos de inscrição no laço social estes adolescentes atualizaram

ou construíram?

Traremos, ainda neste capítulo, nossa construção clínica sobre dois

desses grupos. Neles, nos confrontamos com as histórias de Clara e Roberto.

Obviamente, estes, são nomes fictícios que escolhemos para podermos construir

suas histórias, seus caminhos e descaminhos em suas tentativas de subjetivação

num contexto muito pouco receptivo a qualquer existência como singularidade.

Diremos que Clara, cairá na cilada armada pelos laços do contemporâneo, e irá

deslizar entre consentir em seu desejo e resistir em afirmá-lo. Roberto irá assentir, temporariamente, à segregação do laço social, ocupará uma posição de resto do

social, o que irá apartá-lo de sua dimensão de sujeito.

Mas, para entendermos como o sujeito se inscreve no laço social e

entra na cultura, nos foi necessária a construção de um extenso caminho teórico

pelas obras de Freud e Lacan. Será este o objetivo do terceiro capítulo desta

tese. Se em Freud, a manutenção dos homens no laço social só será possível

graças a ação do sentimento de culpa. Em Lacan, o sujeito estará preso nas

garras da linguagem, na qual se aliena e se transforma em um ser-da-civilização.

Lacan poderá formalizar uma teoria do laço social graças ao conceito de

alienação, que o levará a sua montagem discursiva de quatro patas. A teoria dos

discursos colocará em cena quatro pontos, posições que podem ocupar o sujeito

em relação aos outros, ao Outro e ao seu gozo. O sujeito entra no laço social pelo

discurso do Mestre, que é também o discurso próprio ao inconsciente. E sua porta

de entrada é pela via da obediência.

A teoria dos discursos de Lacan, nos levará ao discurso do capitalismo,

esse +1 dos modos de enlaçamento do social. Diremos, na parte final desta tese,

que as sociedades contemporâneas se organizariam segundo a égide desse

discurso, e que isso traria consequências importantes para os modos de

(18)

pretende abolir a barra que separa o sujeito de seu gozo e que o transforma num

ser da civilização. É um discurso que enlaça desconsiderando a dimensão da Lei

- o sujeito só é sujeito desejante, quando castrado. Graças a isso, afirma-se num

processo de subjetivação móvel, regido pelo objeto causa do desejo que o guia

em sua busca por satisfação, sentido e pertencimento. O sujeito resta paralizado

no laço do capitalismo, pois adquire um estatudo de consumidor. Ou será que

desaparece ao ser, ele mesmo, consumido pelo objeto do consumo?

Algumas perguntas foram nossos guias neste último capítulo: já que o

sujeito perde seu estatuto móvel de desejante e se relaciona com objetos

destinados a tamponar sua falta a ser estrutural, como poderá fazer laço com os outros e com o Outro, se não há nada que lhe falte que lhe faça caminhar?

Quando a lei social é deixada de lado em prol do imperativo do capitalista que

promete direito ao gozo a todos, de que forma os adolescentes expostos a esta

anomia reagem, resistem e fazem laço?

Nosso objetivo neste último capítulo da tese, será o de traçar as bordas

inteligíveis desse sombrio contexto social. Para tanto, começaremos lançando

mão das análises de Foucault (1987, 1999) sobre as sociedades disciplinares e

suas estratégias de exercício de poder sobre os corpos e seu controle sobre as

populações. Buscaremos nas sociedades disciplinares os primeiros sinais de uma

sociedade de controle contemporânea, anômica, que terá como paradigma de sua organização, a elevação à regra dos estados de exceção. Para estas reflexões,

iremos nos basear nas análises feitas por Giorgio Agambem (2002). Pensaremos,

num segundo momento, as sociedades disciplinares de Foucault e as sociedades

de controle contemporâneas, a partir do esquema discursico lacaniano, pois este

nos permitirá enlaçar o sujeito às artimanhas do poder ao qual se sujeita, resiste,

adoece.

Desta forma, lançaremos mão da psicanálise para evidenciar as

astúcias do exercício do poder do capitalismo contemporâneo, associando-o a um

de seus efeitos imediatos, um curto-circuito do laço social, o que irá contribuir

para a emergência de uma nova especificidade do fenômeno da violência na

(19)

da violência. Iremos afirmar, neste capítulo, que com o discurso do Capitalista,

saímos definitivamente de uma lógica social fundada na culpa deixada pela

castração, para entrarmos na era onde o gozo triunfa. Essa hegemonia do gozo

sobre a culpa aparece sob a forma do desregramento da lei. As sociedades de

controle, organizadas sob a égide do discurso do capitalista, será a era de um

Outro social anômico, não limitador do gozo pleno.

O discurso do capitalismo tentaria garantir a consistência da fantasia

de completude, onde sujeito e gozo poderiam, finalmente, se encontrar num

mesmo destino. No entanto, algo ou alguém viria para poluir esta cena de perfeita

satisfação. O sistema capitalista contemporâneo, se sustenta na produção de

excessos e excedentes que constituem o grande impasse de nosso tempo.

Destes excedentes, ou seja, pessoas produzidas como mercadorias, a civilização

quer se desvencilhar e eliminar, mas ao mesmo tempo, sua manutenção é, ela

mesma, inerente e fundamental a estruturação das sociedades contemporâneas.

De toda forma, sua vida e sua morte não portará qualquer valor social.

Assim, num mundo, onde o sujeito se cala e apenas consome,

justifica-se a nossa pergunta: como e quais são os modos de inscrição no laço social dos

adolescentes dos grandes centros urbanos, que são pobres demais para a dívida capitalista (1992), mas também numerosos demais para o encarceramento? Como fazer laço, quando suas vidas se encontram imersas num cenário de

anomia social, de violência, sem garantias de inserção num projeto pessoal e

coletivo? Quais são as vicissitudes e as estratégias de subjetivação adolescente,

num contexto onde sua vida se inscreve e se apaga numa morte provável e

(20)

CAPÍTULO I -

O adolescente no contemporâneo: as

aventuras do enlaçamento diante de um Outro social

anômico

1.1.Adolescência e Laço Social: uma introdução 1.2. A questão adolescente e o encontro com a perda do objeto 1.3. A questão adolescente e o encontro traumático com o Outro sexo 1.4. A questão adolescente no contemporâneo: o desamparo diante de um Outro social anômico

1.1.Adolescência e Laço social: uma introdução

Rousseau (1964), no livro IV de Emile, irá afirmar que o que está em

jogo na adolescência é um segundo nascimento; não um nascimento para a

espécie Ŕ que seria o primeiro deles -, mas um nascimento para a questão da

sexualidade. É por isso que ao problematizarmos a noção de adolescência,

devemos diferenciar dois campos distintos que tomarão, num deles, a

adolescência como um fenômeno social, e num outro, como um tempo do sujeito,

que marca o nascimento para o Outro sexo, que chamaremos com Matheus

(2008), a questão adolescente. Se o termo adolescência, do latin (adulescentia), já era utilizado nos tempos do Império Romano, como nos lembra Matheus

(2008), será somente na Idade Moderna que irá se consolidar como objeto de

estudo, na medida em que será nesse momento que a tradição racionalista irá

forjar a idéia de um indivíduo da qual será derivada. Nas palavras de Matheus,

(21)

sua efetivação: circunscreve a um momento específico da vida, com um fim previamente estabelecido, turbulências inevitáveis que cada sujeito é convocado a experimentar, a fim de conquistar a condição de indivíduo, seguindo as diretrizes do ideário da modernidade. A crise é, então, fruto do exercício da interioridade de cada um, em função das tensões e conflitos que a configuram como tal (...) Essa experiência subjetiva, ao ser circunscrita à interioridade de cada indivíduo, resulta, aliás, no velamento do jogo de forças sociais do qual é resultante, servindo de apoio às estruturas sociais vigentes. (MATHEUS, 2008.p.618).

Vemos então, como o interesse pelo fenômeno da adolescência como

um fato social, que inscreveria um tempo subjetivo no interior de um contexto

específico, serve exatamente para desresponsabilizar o campo social de seus

efeitos na construção das subjetividades. Ao naturalizar o tempo da adolescência

numa etapa do desenvolvimento biológico, acentua-se a tese de uma cisão entre

social e individual; ao privilegiar os aspectos estruturais da individuação,

mascara-se as incidências do social para a construção das subjetividades.

A psicanálise freudiana, principalmente a partir das obras de 1914 e do

texto Sobre o Narcisismo, irá se posicionar contrariamente a esta cisão, ao apontar para a dimensão do mal-estar inerente a toda inscrição do sujeito na

civilização. Lacan segue as pistas deixadas por Freud, leva em consideração

essa dimensão do mal-estar para cunhar seu conceito de objeto a, o quinhão de gozo a que todos devem consentir em perder para a entrada no mundo da cultura.

Se tratamos, aqui, de modo displicente toda essa teorização a respeito da

dimensão do mal-estar e do objeto a, é porque dela, iremos nos ocupar do decorrer de toda essa tese.

Para fins deste capítulo, buscaremos entrecruzar três temas, a

passagem adolescente, sua inscrição no laço social e os percalços desta

inscrição quando o Outro social se mostra anômico. A partir da teorização sobre o

objeto a, Lacan irá construir seu esquema discursivo de quatro patas, o laço social, que é uma forma de aparelhar as relações entre o sujeito e seu gozo, para

(22)

Vale ainda ressaltar, que será pela formalização dos discursos em quatro

posições que o sujeito poderá vir a ocupar, que iremos captar suas relações com

os outros e com o Outro: a posição que ocupa no laço social.

A inscrição no laço social está fortemente ligada à estrutura da

adolescência, onde há a descoberta do logro da promessa edipiana de satisfação

plena pelo objeto, instaurada pela castração. Esta promessa sustenta o

narcisismo primário da criança, anterior a clivagem estabelecida pela entrada do

infans na linguagem, acesso fundamental que marcaria a ruptura e a diferenciação entre gozo da carne e corpo destinado ao prazer. De acordo com

Lesourd, “(...) o gozo primeiro do corpo nesse tempo deve ser entendido como

excitação-satisfação em uma psique em que a carne e o objeto, o sujeito e o

Outro ainda não são distinguidos um do outro, e em que a carne é tanto excitação

quanto satisfação (...)”. (LESOURD, 2004.p.46)

Na adolescência, o corpo pubertário reativa essa experiência anterior

infantil - que havia ficado adomecida no período de latência -, em que a carne é

tanto excitação como satisfação, e lança o sujeito adolescente no vazio, que é

experimentado como ausência de pertencimento trazida pelo esfacelamento do

véu fálico e do encontro do significante da falta no Outro parental, o que fará com

que o adolescente dirija seu olhar para o exterior, numa tentativa de re-encontrar,

ou melhor, re-criar, o esteio significante que lhe garanta uma existência como

pertencimento do social.

Afirmaremos, aqui e no decorrer dessa tese, que o adolescente enlaça,

via de regra, pelo modus operandi do discurso da histérica. Essa tese é de Serge Lesourd que iremos partilhar. Mas, o que isso quer dizer? Em poucas palavras,

que ele não se deixa escravizar pelo Mestre; que ele não cede em seu saber; que

não aceita o saber que lhe querem imputar à sua revelia! O adolescente, entra no

laço social fazendo greve1! Temos, no discurso da histérica, o $ (sujeito) no lugar do desejo, se dirigindo ao Outro, fazendo um apelo, que o interroga, colocando

em xeque os significantes-mestre que lhes foram atribuídos.

1

(23)

Vemos, cotidianamente, o adolescente numa posição que interroga o

adulto, disqualificando o saber que ele detém sobre seu desejo, o que no

momento anterior da infância, era o que garantia sua existência num universo de

sentido: familiar, parental. Diremos que a passagem adolescente interroga e

desqualifica o discurso imaginário do adulto, seu antigo mestre. O discurso da

histérica, traz o sujeito ( $ ) no lugar do agente, exatamente este sujeito barrado,

da dúvida, que interroga com seu sintoma, os signficantes que marcam sua

história. “Diga-me quem eu sou?”, é a pergunta que dirige ao lugar do Outro, ocupado pelo Mestre. Ela, a histérica e o sujeito adolescente, não se contentam

em serem contados pelo Outro; interrogam-no, de modo que os significantes

mestres que marcaram sua história sejam equivocados. Nas palavras de Lesourd

(2002),

É por essa contestação dos significantes parentais, que organizam as relações sociais, que se funda a ideologia de uma geração e sua forma de gerir suas relações com o mundo. É então, a partir desse duplo aspecto, de identificação aos siginificantes sociais e de contestação destes mesmos significantes, que o adolescente constitui sua relação ao mundo e se posiciona subjetivamente por relação aos significantes do Outro em sua versão social.2 (LESOURD, 2002. p. 261 ; trad. nossa)

1.2.A questão adolescente o encontro com a perda

traumática do objeto

2 Do texto original : « C‟est par cette contestation des signifiants parentaux, qui organisent les

(24)

Se Freud fez raro o uso do termo adolescência em sua obra, no

entanto, inúmeras são as referências na obra do criador da psicanálise, ao termo

puberdade. Como nos lembra Ouvry (2004), o termo adolescência não fazia ainda parte do imaginário social da época de Freud. Talvez por isso ele tenha se

referido ao termo, apenas de forma esparsa e imprecisa no curso de sua obra,

optando pelo uso corrente de puberdade. No entanto, mesmo o termo puberdade

irá sofrer na obra de Freud, algumas transformações de sentido, ao passar do

campo do desenvolvimento biológico e adquirir a dimensão de um tempo de

passagem à cena social, onde o encontro com o Outro sexo se atualiza e inscreve

o mal-estar dos laços sociais no coração do sujeito adolescente. Veremos como

isso se dá no curso da obra do criador da psicanálise. Para Matheus (2008),

Se no texto sobre a puberdade Freud havia apontado a

síntese das pulsões parciais, posteriormente irá sublinhar o caráter incompleto desse processo e o mal-estar dele resultante. Há que se considerar que a própria puberdade está sujeita à intervenção do universo simbólico na qual se inscreve, ainda que não esteja a ele subordinado, podendo ser antecipada ou postergada conforme o contexto no qual cada indivíduo se insere e a história de vida que o

singulariza” (MATHEUS, 2008. p.621)

Em uma de suas cartas a Fliess, que data de 20-05-1896 (1956), Freud

irá distinguir, se utilizando de num quadro demonstrativo, quatro períodos da vida.

Um deles será claramente nomeado como pré-pubertário (até 14 anos), e será

seguido por um outro período que ele denomina apenas como B (13 à 17 anos),

onde nos diz ser um momento de transição relacionado ao recalcamento. Freud

irá conceber, inicialmente, a puberdade como um processo posterior ao período de latência infantil, através de toda uma série de signos corporais visíveis e

invisíveis. Soma-se a isso, a afirmação de que será na puberdade que

encontraremos uma cisão entre dois modos de prazer, o primeiro deles,

preliminar, do mesmo tipo que aquele produzido pela pulsão sexual infantil,

(25)

satisfação, próprio a atividade sexual realizada.

Mas será no texto de 1905, Trois essais sur la théorie sexuelle que ele irá dedicar um ensaio inteiro às reconfigurações da puberdade. Neste texto, Freud irá desenvolver a distinção entre a vida sexual infantil e sua passagem à

configuração normal definitiva, própria da fase adulta. De acordo com o

psicanalista, haveria já na infância, uma forma precária de escolha de objeto,

mas nesse tempo do desenvolvimento, as pulsões sexuais não seguiriam nenhum

tipo de unificação, seriam sempre parciais, e sem objetivo definido. Já na

puberdade, essas pulsões passariam a se organizar sob o primado das zonas

genitais, com seu claro objetivo reprodutivo. Freud, no texto intitulado, De la psychanalyse (1909), dará continuação as teses do texto Trois Essais sur la théorie sexuelle (1905), afirmando que a vida sexual infantil é rica, mas dispersa, pois cada pulsão parcial buscará garantir sua própria experiência de prazer, e

será somente na puberdade que a direção sexual do sujeito encontrará sua forma

definitiva que restará na fase adulta. Freud nos diz no texto Trois Essais sur la théorie sexuelle,

Com a chegada da puberdade introduzem-se as mudanças que levam a vida sexual infantil a sua configuração normal definitiva. Até esse momento, a pulsão sexual era predominantemente auto-erótica; agora, encontra o objeto sexual. Até ali, ela atuava partindo de pulsões e zonas erógenas distintas que, independendo umas das outras buscavam um ecrto tipo d eprazer como alvo sexual exclusivo. Agora, porém, surge um novo alvo sexual para cuja consecução todas as pulsões sexuais se conjugam, enquanto as zonas erógenas subordinam-se ao primado da

zona genital.” 3

(FREUD, 1905/2006. p.196)

3

Tradução extraída de: FREUD, S. (1905) Três ensaios sobre uma teoria da sexualidade. In

Edição Standard das Obras Completas, vol.VII. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 196. Do texto consultado : « Avec l‟arrivée de la puberté interviennent les transformations qui doivent faire passer la vie sexuelle à sa configuration normale définitive. La pulsion sexuelle était jusqu‟ici principalement auto-érotique, elle trouve maintenant l‟objet sexuel. Elle s‟exerçait jusqu‟ici à partir de pulsions et de zones érogènes isolées qui, indépendamment les unes des autres, cherchaient comme but sexuel unique un certain plaisir. Maintenant un nouveau but sexuel est donné et toutes

les pulsions partielles agissent conjointement pour l‟atteindre, tandis que les zones érogènes se

(26)

Podemos dizer que o ponto forte do desenvolvimento da teoria

freudiana, no que concerne ao tempo pubertário, diz respeito as vicissitudes do

objeto sexual. Freud, anuncia nesse terceiro ensaio (1905/2006), o

desenvolvimento da teoria do objeto sexual caracterizado como para sempre

perdido; “o encontro com o objeto é, propriamente falando, um reencontro”4

(FREUD, 1905/2006, p. 16. trad. nossa). Inicialmente, como nos diz Freud, a

primeira satisfação sexual, de amor, se daria entre o bebê e sua mãe, que lhe

oferece o seio e atende sua demanda de alimento que lhe assegura a vida. Seria

este, o momento magistral em que pulsão sexual e pulsão do ego serão

indistintas, e que será regido pela corrente que Freud irá nomear como, corrente

afetiva (courant tendre) (Freud, 1912a/1969), originária na tenra infância, dirigida àqueles que dedicaram os primeiros cuidados à criança, e correspondente a

escolha primária do objeto infantil.

Esse momento onde nada falta, irá durar pouco tempo, pois logo o

bebê percebe que o seio não é parte constituinte de seu próprio corpo, e que não

vêm à boca a todo momento desejado. Algo irrompe nessa relação dual entre

mãe-bebê, entre pulsão sexual e pulsão do ego, algo então, da ordem de uma

falta se instala, e a criança descobre que pode achar satisfação em uma parte de

seu próprio corpo, sugando o polegar, por exemplo, próprio da etapa autoerótica.

Mas esta etapa, irá se constituir ainda como o modelo segundo o qual o sujeito irá

buscar se reencontrar com esse primeiro objeto sexual para sempre perdido. Na

infância, graças a castração, o encontro com objeto será interditado. Têm início,

graças ao recalcamento, o período de latência, próprio ao desenvolvimento sexual

infantil.

O tempo de latência é, como nos diz Freud (1923-25/1992), o momento

da disparição do complexo de Édipo, da criação e da consolidação do supereu e

da edificação dos diques morais do ego, que irão cuidar da contenção do amor

incestuoso. Nas palavras de Freud, no texto « De la psychanalyse » (1909),

[Paris] : Presses Universitaire de France, 2006. p. 145.

4

(27)

Mesmo antes do tempo da puberdade, sob a influência da educação, o recalcamento extremamente enérgico de certas pulsões foram impostos e algumas forças anímicas como o pudor, o asco, a moral foram instaurados, forças que, como

guardiães, mantém esses recalcamentos. (FREUD,

1909/1993. p. 44 trad. nossa)5

Com a chegada da puberdade, vemos se levantar uma outra corrente,

corrente sensual, que não cessará de percorrer todos os caminhos que levam ao

objeto escolhido na primeira fase da infância. Com o impossível do incesto,

trazido à tona pela passagem pelo complexo de Édipo, restará à tendência

sensual investir outras vias, que levarão a escolha objetal do tempo pubertário ao

mundo exterior dos objetos que se apresentarão no socius. Temos então que,

Esses objetos estrangeiros serão ainda e sempre, escolhidos segundo o modelo (imagem) dos objetos infantis, mas com o tempo eles irão atrair para eles a afeição que era destinada aos objetos anteriores. O homem deixará pai e mãe Ŕ como prescreve a Bíblia Ŕ e acompanhará sua esposa: afeto e sensualidade estarão agora reunidos. (Freud, 1912a/1969, p. 57 trad. nossa)6

Vemos que a teoria freudiana da sexualidade infantil, elaborada em

“Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”(1905), apontará para uma linha de desenvolvimento sexual em três etapas: autoerótica, narcísica e objetal. Estas

etapas dariam conta de uma sexualidade infantil iniciada numa indistinção do

5

Do original consultado : Dès l‟avant le temps de la puberté, sous l‟influence de l‟éducation, des refoulements extrêmement énergiques de certaines pulsions ont été imposés et des puissances animiques comme la pudeur, le dégoût, la morale ont été instaurées, puissances qui, tels les gardiens, entretiennent ces refoulements. FREUD, S. (1909) De la psychanalyse In : Oeuvres complètes : psychanalyse. Volume X. 1909-1910. [Paris] : Presses Universitaire de France, 1993. p. 44.

6 Consultado da edição francesa : « Ces objets étrangers seront encore et toujours choisis d‟après

le modèle (l‟image) des objets infantiles, mais avec le temps ils attireront à eux la tendresse qui

(28)

corpo-próprio, organizado como uma série de zonas érogenas parciais (orgãos

genitais, boca, ânus, orifício urinário), e numa fragmentação dos objetos de

satisfação. Posteriormente, estaria ancorada numa fase narcísica, imaginária,

onde o sujeito renuncia ao investimento libidinal dirigido aos objetos de satisfaçao

e se contenta com seus substitutos imaginários encenados na fantasia. Para

finalmente se propor a um escolha de objeto palpada em objetos externos reais,

mediados pela diferenciação simbólica entre eu e outro, operada pela castração. E a partir daí, uma série de objetos aparecerão como forma de suprir uma falta de

objeto já instalada; objetos que irão assegurar uma satisfação sempre parcial e

precária. Ouvry (2003) , resume num pequeno parágrafo a menção feita por Freud

em Trois Essais sur la théorie de la sexualité (1905), ao período da puberdade.

(...) a escolha do objeto a partir da puberdade é retomada a partir dos modelos esboçados durante a infância (na fase fálica, importante precursora da organização sexual definitiva) e orientada, graças a barreira imposta pelo interdito do incesto que surgiu nesse meio tempo, em direção aos objetos do mundo exterior. O trabalho psicológico, próprio ao adolescente é o de um afrouxamento dos laços familiares; trabalho importante e doloroso, como apontou Freud. Ele passa por uma etapa intermediária que corresponde a escolha de objeto, sob a forma de representação; a vida sexual do adolescente se resumirá ao fantasma. (OUVRY, 2003. p.84-85. trad. nossa)7

Se para a essa escolha do objeto sexual da maturidade, é interditado o

recurso mais cômodo de buscar satisfação junto a pessoa que lhe dedicou tantos

cuidados em outros tempos da infância, restará ao jovem, num primeiro tempo, o

7 Do original consultado : « (…) le choix d‟objet après la puberté est repris à partir des ébauches

esquissées pendant l‟enfance (lors de la phase phallique, important précurseur de l‟organisation

sexuelle définitive) et orienté, du fait de la barrière de l‟interdit de l‟inceste qui s‟est dressée entre

temps, vers des objets adéquats étrangers. Le travail psychologique propre à l‟adolescent est donc celui du relâchement des liens familiaux, travail important et douloureux précise Freud. Il passe par

une étape intermédiaire qui correspond aux choix d‟objet sous forme de représentation ; la vie

sexuelle de l‟adolescent se résume alors à des fantasmes. ». OUVRY, O. « L‟adolescence dans les minutes de la Société Psychanalytique de Vienne », In : L‟adolescence dans l‟histoire de la

(29)

recurso da fantasia, ou seja, representações destinadas a nunca se realizarem

(Freud, 1905), uma vez que encenam, no campo imaginário, a tendência incestuosa dessas moções pulsionais sexuais. No desenvolvimento neurótico

normal, estas tendências libidinais serão desexualizadas e sublimadas, ou

inibidas quanto a sua finalidade de satisfação. A desparição do complexo de

Édipo poderá ser mais ou menos ideal. No caso de uma total destruição do

complexo, vemos a transformação do conteúdo manifesto das pulsões sexuais

ceder à formação de uma fantasia inconsciente. Mas, « se o ego, na realidade,

não conseguiu muito mais do que uma repressão do complexo, este persiste em

estado inconsciente no id e manifestará mais tarde seu efeito patogênico.”

(FREUD, 1924b, p. 197) ”8Ou seja, temos aí um arranjo sintomático.

Freud, (1908c), no texto « Caractère et érotisme anal”, ao fazer

referência ao seu trabalho Trois Essais sur la théorie sexuelle (1905), nos dirá que vários serão os destinos dessas pulsões parciais rumo ao objetivo da

realização sexual, agora possível com a chegada da puberdade. Em suas

palavras,

De modo geral, só uma parcela dela é utilizada na vida sexual ; outra parte é defletida dos fins sexuais e dirigida

para outros Ŕ processo que denominamos „sublimação‟.

Durante o período de vida que vai do final do quinto ano às primeiras manifestações da puberdade (por volta dos 11

ano) e que pode ser chamado de „período de latência sexual‟, criam-se na mente formações reativas, ou contra forças, como a vergonha, a repugnância e a moralidade. Na verdade surgem às expensas das excitações provenientes das zonas erógenas e erguem-se como diques para opor-se as atividades posteriores dos instintos sexuais.” (FREUD, 1908b, p. 160)9.

8 Tradução retirada: FREUD, S. (1924b) A dissolução do complexo de Édipo. In

Edição Standard das Obras Completas, vol.XIX. [Rio de Janeiro]: Imago, 2006.p.197. Consultado originalmente:

“quand le moi n‟est vraiment parvenue à beaucoup plus qu‟un refoulement du complexe, ce dernier

subsiste, inconscient, dans le ça, et plus tard il manifestera son action pathogène.” (Freud,

1924.p.31) In: FREUD, S. (1924c) La disparitions du complexe. In :d‟Œdipe Oeuvres complètes : psychanalyse. Volume XVII. 1923-1925. [Paris] : Presses Universitaire de France, 1992, p. 31.

9

(30)

No texto de 1912, Des types d‟entrée dans la maladie névrotique, Freud irá se referir ao tempo da puberdade, como o período onde o sujeito estaria, particularmente, sensível ao adoecimento neurótico, graças ao aumento

significativo de libido sexual que vêm à tona, e que antes havia sido represada

pelo período de latência infantil. No desenvolvimento da neurose, esse quantum

de libido liberada, não satisfeita e não sublimada, poderá buscar a via da

regressão infantil. Esses dois tempos da vida sexual, e mais o tempo de pausa da

latência, pode estar relacionado, nos diz Freud, ao adoecimento a que encontra-se predisposto o encontra-ser humano, já que, os animais, ao contrário, não encontram

essa interrupção no seu desenvolvimento sexual (FREUD 1923-1925/1992).

De um modo resumido, podemos afirmar até aqui, com Freud

(1923-1925/1992), que a sexualidade do ser humano se desenvolve na seguinte

disposição: temos um aumento libidinal entre o quarto e quinto ano de vida, essas

tendências sexuais que serão incestuosas, sucumbem ao recalcamento e se

apaziguam num período de latência que irá durar até a puberdade. No tempo da

puberdade, elas viriam novamente à tona, graças a maturação do corpo para a

sexualidade, com força exemplar e deverão ser novamente veladas, para serem

desviadas graças à possibilidade de satisfação com a escolha de um objeto

externo não-incestuoso da idade adulta. Ou seja, podemos dizer que para o

desenvolvimento da sexualidade humana, faz-se necessário um recalcamento

das pulsões sexuais infantis incestuosas, e um segundo velamento posterior, na

adolescência, dessas mesmas moções pulsionais que serão trazidas novamente

à tona nessa fase do desenvolvimento, em que a maturação do corpo reativa uma

grande descarga de energia sexual, que não pode mais ser contida pelo

recalcamento.

O sujeito é convocado na adolescência a re-significar todas essas

moções pulsionais que estavam adormecidas até o período de latência. Desse

sexuels et dirigée vers d‟autres buts, processus qui mérite le nom de “sublimation”. à l‟époque de

la vie qui peut être qualifiée de « période de latence sexuelle », depuis la fin de la cinquième année

(31)

trabalho de atribuir um novo sentido ao sexual antes adormecido, algo permanece

e resiste a significação, “um resto carente de sentido Ŕ o traumático Ŕ a partir do

qual o psiquismo se organiza. Esse resto diz respeito tanto ao sexual diretamente considerado, quanto às questões narcísicas que entram em cena em função dos

conflitos de autoridade e poder.” (MATHEUS, 2008, p.622). Será este novo

velamento do real da castração que irá permitir ao adolescente ir de encontro ao

Outro sexo, quando consegue suportar o trauma da castração pela via da

construção de uma ficção que dê conta do sexual, de uma fantasia, ou nas

palavras de Costa e Poli (2010), de um mistério.

A sexualidade não tem um desdobramento que obedeça a um desenvolvimento, trazendo sempre junto um real que excede as condições de representação. Nesse sentido, o que pertencia ao campo da curiosidade infantil, no qual era suportado o sexual, perde a âncora das relações primárias nesse momento de passagem. Torna-se necessário, então, constituir algo que restabeleça essa função. Não sem antes passar pelas reações de pudor, que revelam algo de uma privação. É ali que entra em causa a função da fantasia. A

relação ao “mistério” suporta a tessitura de um véu,

necessária nos laços eróticos. Como se sabe, o sonho tem também essa função: pelo sonho torna-se possível uma saída de experiências que atualizam um trauma originário. A experiência corporal na puberdade também se situa como uma atualização deste trauma. (COSTA & POLI, 2010, p.4)10

Para que todo esse processo seja levado à cabo, outra operação

psíquica bem dolorosa deve entrar em cena, a saber, “o afastamento da

autoridade parental, graças a isso que se poderá criar a oposição importante para

o progresso cultural, entre a nova e a antiga geração”.11

». (FREUD, 1905/2006,

10

COSTA, A. & POLI, M.C. “Sexuação na Adolescência: um ato performativo”. In: Psicologia Política. VOL. 10. Nº 19. PP. 141-150. JAN. Ŕ JUN. 2010. p. 4

11

Do original consultado : « (…) le détachement d‟avec l‟autorité des parents, grâce auquel

seulement se crée l‟opposition, si important pour le progrès culturel, entre la nouvelle et l‟ancien

(32)

p.165 trad. nossa). Será apenas rompendo com o amor incestuoso parental, que

o adolescente, poderá se inscrever na cena social, onde outros objetos se

apresentam para fazer suplência ao objeto de satisfação para sempre perdido. No

texto « Le roman familiale des névrosés”, (1908 - 1909), Freud chega mesmo a afirmar que para o desenvolvimento normal do sujeito e para o progresso da

civilização, essa operação de separação e ruptura entre duas gerações, pais e

filhos, é fundamental. Em suas palavras,

Ao crescer, o indivíduo liberta-se da autoridade dos pais, o que constitui um dos mais necessários, ainda que mais dolorosos, resultados do curso do seu desenvolvimento. Tal liberação é primordial e presume-se que todos que atingiram a normalidade lograram-na pelo menos em parte. Na verdade, todo progresso da sociedade repousa sobre a oposição entre as gerações sucessivas. Existe, porém, uma classe de neuróticos cuja condição é determinada visivelmente por terem falhado nesta tarefa.12 (FREUD, 1908 -1909, p.219)

Podemos articular a questão adolescente a uma busca identificatória

que garantiria ao sujeito uma pequena ilha, onde o jovem ancora-se para se

proteger da nudez na qual se encontra ao aceder à cena social. No entanto, se no

início a identificação estava do lado do pai Ŕ o menino se identificava ao pai,

detentor da chave para o amor da mãe -, na adolescência esta mesma

identificação irá se deslocar e recair sobre objetos do mundo social. Com a

reativação das moções pulsionais adormecidas do período de latência da

12

Tradução extraída In : FREUD, S. (1908/1909) Romances familiares. In Edição Standard das Obras Completas, vol.IX, [Rio de Janeiro]: Imago 2006 p. 219. Consultado originalmente : « Que

l‟individu au cours de sa croissance se détache de l‟autorité de ses parents, c‟est une des

opérations les plus nécessaires mais aussi le plus douloureuses du développement. Il est tout à

fait nécessaire que ce détachement s‟effectue, et l‟on peut supposer que chaque être humain

devenu normal l‟a, dans une certaine mesure, accompli. En vérité, le progrès de la société repose d‟une façon générale sur cette relation d‟opposition entre les deux générations. D‟un autre côté, il

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