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Bases de conhecimento em educação matemática

2.7 Uma direção futura para a educação matemática

Sobre a discussão relacionada com os aspectos cognitivos que pressupomos existir nos processos envolvidos na construção das idéias matemáticas, entendemos que a interação entre os componentes integrantes desse processo, só é possível, no aspecto pedagógico, quando se faz necessário um remodelamento das estruturas de concepções e de pressupostos de aceitação de crenças dos nossos futuros professores. Acreditar em uma educação matemática que possa contribuir significativamente para a independência cognitiva de nossos alunos é um dos objetivos a serem perseguidos pelos docentes, quando de suas atividades em sala de aula. Mesmo que, para isso, seja necessária a revisão, por parte desses professores, de atitudes e posturas as quais foram sedimentados e incorporados gradativamente em sua formação.

Para que isso aconteça é necessário que seja incorporado em sua prática docente, valores e competências necessárias a uma perspectiva otimista no trabalho em educação matemática, que possa envolver comportamentos pouco difundidos e, até mesmo, desprezados nas instituições de ensino. Nesse aspecto, Machado aponta que, “um bom professor, de matemática ou de qualquer outro tema, deverá necessariamente ser um bom contador de história: preparar uma aula é construir uma narrativa pertinente” [...] (MACHADO, 2004, p. 95), no intuito de proporcionar aos seus alunos um momento singular de aprendizagem e de motiva-los a participar de uma forma diferenciada das atividades consideradas tradicionais. Nesse sentido, um foco inicial de discussão seria as próprias narrativas de suas experiências docentes acumuladas, incluindo aí o desenvolvimento das mesmas e sua contribuição para o aprimoramento e amadurecimento de suas idéias, no intuito de transmitir aos alunos segurança e conhecimento de área, integrante e importante em sua formação.

Os elementos acima considerados também encontram ressonância nas palavras de D’Ambrosio (2003, p. 79), quando nos fornece uma síntese de como seria o professor do futuro em sua ação docente:

[...] será valorizado pela sua ação como um animador cultural e comentarista crítico, e pela sua capacidade de destacar os aspectos transculturais e transdisciplinares do conhecimento. Suas atividades terão como ponto de partida a experiência em ambientes distintos da sala de aula, associada ao lazer e ao fazer. A qualidade da educação do futuro vai depender da boa utilização

dos espaços extra-muros, [...], e das atividades fora da escola, como a pesquisa em comunidades, em parques ecológicos e temáticos, e em museus.

Nesse sentido é relevante o aspecto não disciplinar existente e necessário nas características descritas, mostrando outros meios de se lidar com a concepção conceitual e a apropriação de saberes matemáticos pelos alunos.

Uma proposta pedagógica que leve em conta, as características citadas, precisa contemplar conhecimentos ou procedimentos estritamente configurados em formato de temas transversais, não necessariamente apenas os quais temos conhecimento, tais como o consumo, o meio ambiente, os valores sociais, etc., mas também toda e qualquer situação ou evento que mereça a devida atenção e uma possível solução por parte das pessoas que estejam diretamente relacionadas com as mesmas.

A formulação inicial, planejamento e configuração estrutural da proposta teriam como base, a idéia desenvolvida anteriormente sobre os espaços transversais, que poderiam versar sobre problemas específicos de populações, tradições e valores culturais existentes e configurados nos diversos ambientes ou identidades culturais. Isso implicaria na aceitação de formas de conhecimento, manifestações de ordem social, cognitiva e afetiva na esfera pessoal, bem como as relações contextuais existentes nas apreensões iniciais formalizadas pelos alunos. Além disso, a possibilidade de ligação ou relação semântica junto aos processos considerados formais e não menos importantes para os alunos, advindos de sua experiência na natureza e contato com o mundo, se fazem importantes para o entendimento de conhecimentos tácitos. Tais conhecimentos ou características são indicados pelos PCN’s de matemática, ao mostrar, o quanto existe de incorporação desses movimentos característicos. Associados aos saberes prévios manifestados pelos alunos em sala de aula, as manifestações acima sugeridas pouco ou nada se relacionam na busca por uma integração de conhecimentos plenamente possíveis de serem articulados em ambientes de aprendizagem. A partir dessa discussão, (BRASIL, 1997, p. 25),

[...] a importância de se levar em conta o “conhecimento prévio” dos alunos na construção de significados geralmente é desconsiderada. Na maioria das vezes, subestima-se os conceitos desenvolvidos no decorrer da atividade prática da criança, de suas interações sociais imediatas, e parte-se para o tratamento escolar, de forma esquemática, privando os alunos da riqueza de conteúdo proveniente da experiência pessoal.

A incorporação e a aceitação desses aspectos culturais na prática docente certamente tenderia a causar uma reflexão e, até mesmo, uma revisão na postura de muitos professores, uma vez

que se estaria em jogo vários elementos de ordem diversificada, coisa que até então era desprezível para o trabalho envolvendo o ensino de matemática. Uma delas seria o fato de considerar válidas distintas formas de estratégias e de procedimentos matemáticos, a partir de registros de pessoas pertencentes à mesma população e de encontrarmos técnicas ou procedimentos parecidos em populações distintas. Tais elementos foram elencados com muita propriedade por Oliveras (1996, p. 74-75), ao questionar o modelo uniforme e centralizado de ensino da matemática:

Si personas diferentes producen distintos tipos de matemáticas, no es posible pensar en una educación con procesos uniformes que se desarrollen en el mismo sentido por diferentes grupos. La educación matemática debería desarrollarse teniendo en cuenta las peculiaridades culturales de cada grupo social.24

As considerações discutidas por Oliveras, apontam para a emergência de novos pressupostos de ensino e de aprendizagem a serem construídos e implementados no âmbito escolar. Para isso, torna-se necessário a aquisição de valores e de competências necessários aos professores para que tenham segurança no momento em que decidirem colocar em prática, procedimentos inéditos em suas atividades pedagógicas. Esses procedimentos, na ótica dos estudos em etnomatemática, estariam configurados em propostas de trabalho docente baseadas em comunidades tradicionais, conforme os seus descritores etnográficos e práticas tradicionais indicarem a possibilidade desta abertura.

Mesmo indicando como pressuposto teórico indispensável, para o desenvolvimento de nossa proposta de trabalho, as idéias relacionadas com a perspectiva da etnomatemática, é importante estabelecermos que a proposta não se fecha em termos dessa perspectiva, ou seja, tenta-se estabelecer uma perspectiva de discussão que perpasse diferentes áreas de conhecimento, tendo por base, idéias relacionada à cultura, cognição, sociologia, antropologia, etc., caracterizando uma proposta essencialmente transdisciplinar.

Nesse capítulo, descrevemos de uma forma básica os pressupostos teóricos que fundamentam a nossa proposta de trabalho, a partir do momento em que incitamos a possibilidade de uma re-configuração do espaço de trabalho, no âmbito da educação matemática, relacionada com a inserção dos espaços transversais em educação. Tais espaços

24 Se pessoas diferentes produzem distintos tipos de matemática, não é possível pensar em uma educação com

processos uniformes, que sejam desenvolvidos a partir de um mesmo objetivo por diferentes grupos. A educação matemática deveria se desenvolver, tendo em vista as peculiaridades culturais de cada grupo social. (tradução nossa)

visam contemplar os saberes tradicionais, existentes em locais específicos e relacioná-los com outras manifestações de conhecimentos.

Com base nessa configuração teórica preliminar, contemplamos um relato de experiência realizado com turmas do Ensino Fundamental, visando a construção de um espaço que objetivasse o desenvolvimento de habilidades (idéias) matemáticas, tanto em nível formal, como em nível dos saberes locais. Constituir algumas reflexões sobre esse espaço, é um dos objetivos do próximo capítulo, no intuito de suscitar uma discussão sobre as possibilidades de entendimento desses saberes e do implemento pedagógico de uma proposta baseada nos espaços transversais.

CAPÍTULO 3