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Uma estratégia alternativa – a mediação

Em termos etimológicos, J. Fragata, na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, apresenta como significado de mediação “acção de mediar, ou carácter intermediário. Como tal, usa-se correntemente em filos., em teol. e na polít. Em filos., pode definir-se como processo segundo o qual se atinge a união entre 2 extremos mediante um 3º elemento, capaz de os unir ou reconciliar, chamado «termo médio» (…)”(1983, vol.13). Mário Raposo, na mesma obra, especifica a significação do termo em Direito: “Ocorre frequentemente que certas pessoas colaboram na realização de negócios jurídicos sem emitirem, elas próprias, declarações de vontade negocial. Circunscreve-se a sua função a porem em contacto as partes que hão-de realizar um futuro contrato, promovendo a sua realização – mas não intervindo na sua celebração (…)”.

Através da consulta de vários dicionários (cf. Lello Universal; Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva; Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido Figueiredo; Diciopédia 2005; Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado; Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa; …) verificamos que mediação provem do vocábulo latino mediatiōne- e significa:

1. acto ou efeito de mediar

2. função de quem estabelece a ligação ou o diálogo entre duas partes que não querem ou não podem fazê-lo por si só

3. intervenção moderadora, intercessão destinada a produzir um acordo entre partes desavindas

4. interferência de um terceiro no sentido de levar duas pessoas a concluir determinado negócio

6. (filosofia) na dialéctica hegeliana: a antítese ou a negação, meio de passar da tese à antítese, constituindo um progresso, ou ainda, o conjunto do processo ternário: tese-antítese-síntese

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa adianta ainda que a utilização deste vocábulo teve lugar, pela primeira vez de que há notícia, em 1670, por MacHenr. Acrescenta depois o seu uso em algumas áreas que os outros autores não tinham referenciado, provavelmente por esta ser uma obra recente, datada de 2003, i.e., a mais recente de todas as consultadas. São exemplo dessas novas áreas a Diplomacia (“procedimento organizado de conciliação internacional <coube a Kissinger a m. entre gregos e turcos cipriotas>”) e a Psicologia (“sequência de elos intermediários – estímulos e respostas – numa cadeia de acções, entre o estímulo inicial e a resposta verbal do final do circuito”).

A diferenciação deste conceito com um outro aparentemente idêntico – mediatização – poderá acrescentar algumas particularidades, embora seja de referir que é importante estabelecermos a devida distinção de realidades a que se refere cada um dos vocábulos. De notar que este último é habitualmente referente à nomeação do processo verificado na transmissão de actos televisivos. No entanto, ele poderá ser sinónimo apenas do próprio processo através do qual se efectua determinado facto.

Mas vejamos que dados são transmitidos pelo Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa relativamente a este conceito:

- a formação do vocábulo provem da junção de mediatizar + _ção e o seu significado é:

1. acto através do qual, no antigo Império Alemão, se deixava a tutela directa do poder central

2. acção do que serve de intermediário numa relação indirecta entre duas partes 3. tratamento e divulgação de um facto ou acontecimento através dos meios de comunicação social

O verbo atrás referido (mediatizar), que serve de raiz (é a sua palavra primitiva) para a formação deste vocábulo, é transitivo (ou seja, necessita de um complemento

directo que lhe complete o significado) e provem da junção de mediato + _izar; significando:

1. servir de intermediário entre duas ou mais partes, fazer a mediatização; ser mediador

2. (política) submeter à tutela de outro Estado mais poderoso, deixando de estar sob a tutela directa do poder central

3. tratar ou ser tratado e divulgar ou ser divulgado através dos meios de comunicação social; fazer ou sofrer mediatização

Por sua vez mediato remete-nos para um adjectivo sinónimo daquele que não age ou que está em relação com outro através de um intermediário ou mediador; que tem uma relação indirecta. A sua origem provem no latim: mediatus, particípio passado do verbo mediare (‘mediar’), que significa intermediário; que está no meio.

Aduzamos aqui a definição atribuída a este conceito por Rocha-Trindade (1988:1149-1160): “(…) mediatizar significa escolher, para um dado contexto e situação de comunicação, o modo mais eficaz de assegurá-la; seleccionar o medium mais adequado a esse fim; em função deste, conceber e elaborar o discurso que constitui a forma de revestir a substância do tema ou matéria a transmitir.”

Carmo (1997:194) adianta ainda para o vocábulo mediatização uma outra definição mais directamente relacionada com os contextos educativos: “(…) articulação de recursos em função de uma dada intenção educativa (…)”

Estabelecida a possível diferenciação destes dois termos, voltemos ao vocábulo inicial – mediação.

De acordo com a análise semântica do vocábulo, provindo da junção dos elementos media+cão, somos de imediato conduzidos à ideia, veiculada em termos de análise literária, de in media res , ou seja de estar no meio. Esta será, portanto, a designação de um processo em que existe a intervenção de um elemento, que está no meio. Assim, é lícito deduzir que a utilização deste vocábulo concerne essencialmente ao campo da sociologia, mais especificamente ao que diz respeito às relações interpessoais, quer daquelas de natureza associativa/cooperativa, quer daquelas de natureza dissociativa,

baseadas em conflitos, em competição e/ou em isolamento. São de conflito quando existem divergências quanto aos objectivos que se pretendem atingir; são de competição quando as divergências dizem respeito aos meios que se usam para atingir os fins. Mas todas provocam de alguma forma algum tipo de isolamento.

Na Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado podemos encontrar uma referência que indica para mediação uma significação muito próxima da definição do processo de arbitragem, visto existir um terceiro que assume um papel activo, de árbitro ou juiz. É um texto da autoria de José Durão Barroso em que se afirma que mediação é um

“processo de resolução dos conflitos segundo o qual, a pedido das partes e dispondo de considerável iniciativa e autonomia, um terceiro procura encontrar a decisão que suscite a adesão dos diferentes litigantes. (…) Nas sociedades actuais tem-se assistido a uma considerável generalização de práticas de M. (…) cada vez mais confrontad[a]s com problemas para cujo tratamento não estavam preparad[a]s (…). As partes envolvidas procuram assim aproveitar a superior flexibilidade que este processo oferece relativamente a práticas de tipo mais ou menos administrativo ou «burocrático» (…). No campo da análise teórica da M., o esforço principal está actualmente concentrado na procura de uma tipificação dos modos de actuação do mediador, de forma a poder estabelecer-se não apenas um elenco completo das técnicas de M. mas também de uma «teoria» das políticas de M. (…).”

Muitos são, neste momento, os sites dedicados a esta temática. De entre eles podemos salientar por exemplo www.solomediacion.com – site de origem espanhola e do qual consta a seguinte definição:

“La mediación es un método no adversarial y voluntário de gestión de conflictos, que incluye un tercero neutral, el mediador, com la función de ayudar a que las partes involucradas en un conflicto puedan negociar desde la

colaboraci´ón, una resolución del mismo satisfatoria para todos.

La mediación es un excelente método para solucionar problemas en ámbitos familiares, empresariales, escolares, institucionales y cominitarios dado que evita el litigio, satisface las necesidades de las partes y refuerza la cooperación y el consenso.

La mediación consiste en un processo voluntario, flexible y participativo de resolución pacífica de conflictos (...).”

No âmbito mais restrito da educação deparamo-nos também com inúmeras definições, umas mais completas que outras; umas mais consensuais que outras. Johnson & Johnson (2002:102), aponta uma definição que parece ser um pouco discutível para outros autores, uma vez que defende que a “mediación es una extensión del proceso de la negociación”. Já Seijo (2003:5) avança com a definição geral de mediação como “método de resolução de conflitos em que duas partes em confronto recorrem, voluntariamente, a uma terceira pessoa imparcial, o mediador, a fim de chegarem a um acordo satisfatório.” Depois especifica e refere a mediação escolar como “um dos procedimentos mais eficazes e construtivos para a resolução de conflitos neste contexto”(Ibidem).

Todos concordam, no entanto, com o facto de se tratar de um método em que não existem adversários e em que um terceiro apoia as partes envolvidas no litígio para que cheguem a um acordo satisfatório para ambas. É, portanto, de um método em que não há vencidos nem vencedores; baseado essencialmente no reforço da cooperação e do consenso, apelando à flexibilidade e à eficácia da comunicação, com vista ao sucesso do entendimento. Podemos, consequentemente, considerar que a definição de mediação se aproxima da de um processo de desenvolvimento de competências comunicativas, pacificadoras, através da procura de soluções para o conflito (cf Bonafé-Schmith); estando, portanto, próxima do foro da justiça nessa procura pela paz.

Talvez por esse facto, se verifica o surgimento desta tipologia metodológica primeiramente na área do Direito. Em Portugal, por exemplo, foram criados, pela Portaria nº1005/2001 de 18 de Agosto, os Serviços de Mediação dos Julgados de Paz, que funcionaram a título experimental durante o ano seguinte. Estes serviços são uma espécie

de tribunais de carácter informal, mais rápidos que os tribunais tradicionais, que prestam serviços de mediação a quem os solicitar. Este auxílio para encontro de uma solução não faz acrescer o custo do processo judicial e qualquer cidadão pode recorrer aos Julgados de Paz a propósito de qualquer tipo de conflito.

De qualquer forma, a abrangência desta metodologia revela-se de supremo interesse para a sociedade em geral, já que se trata de uma técnica possível de ser desenvolvida nos mais variados domínios: ambiental, civil, comercial, comunitário, desportivo, escolar, familiar, cultural, hospitalar, laboral, judicial/penal, político, dos seguros, …Tem sido utilizada em muitos países, desde a década de sessenta, em algumas destas áreas, cuja aplicação ganhou ênfase no final dos anos noventa, em especial nalguns estados norte-americanos (sobretudo depois da (re)implementação do IDEA – Individual with Disabilies Education Act). Alguns dos países da América do Sul (Argentina, Chile, …) têm igualmente optado por esta estratégia alternativa de resolução de conflitos. Na Europa pode dizer-se que praticamente todos os países a estão a usar, com maior ou menor aplicação em determinados domínios.

A mediação pode acontecer em diversos contextos, como já vimos, mas será conveniente que se desenvolva num meio análogo àquele onde se deu o conflito; quer ele seja familiar, escolar, comunitário, ou outro. Subsequentemente, esses diferentes tipos de conflitos podem ser categorizados em função dos diferentes actores/agentes presentes em cada um deles. Na escola, por exemplo, poderão ocorrer conflitos visíveis, declarados ou subjacentes e ocultos ao nível dos adultos aí presentes (entre ou intra as diferentes classes profissionais) ou ao nível dos jovens (entre eles ou com os adultos).

Os princípios por que se rege esta metodologia baseiam-se essencialmente na participação activa das partes em confronto, no papel neutral do mediador e no facto de ser um acto voluntário e confidencial. É, portanto, algo que, não sendo imposto nem obrigatório, oferece desde logo óptimas premissas de resolução satisfatória.

No âmbito escolar, e de acordo com alguns estudos efectuados, verificamos que a mediação poderá constituir a base metodológica de uma aprendizagem de sucesso, na medida em que possibilita:

“ - o desenvolvimento de competências de comunicação;

- o desenvolvimento de competências de trabalho cooperativo; - o desenvolvimento da tolerância;

- o desenvolvimento de competências de resolução de problemas; - o desenvolvimento de uma interacção positiva entre os alunos (...).

[Registando-se uma significativa] melhoria a nível geral das escolas [porque]: (...)

- contribui para que [os alunos] assumam uma maior responsabilidade na resolução dos próprios problemas;

- motiva a partilha de sentimentos (...).

[Apresenta também um grande número de] benefícios: (...)

- um menor número de processos disciplinares; - diminuição do tempo de resolução de conflitos; - melhoria da comunicação na escola”

(Grave-Resendes, 2004)

Ao analisarmos outros estudos já realizados sobre este assunto, a nível internacional, verificamos que esta nova abordagem do conflito tem vindo a revelar-se eficiente e eficaz (cf Bonafé-Schmitt, 1992). Verificando-se um aumento do número de escolas europeias que estão a implementar esta estratégia; começando Portugal, no âmbito do projecto GESPOSIT (Management of Conflict through Social Mediation – School and Family), a experimentar o recurso a essa estratégia.

Relembrando todas estas características identificativas, poderíamos tentar uma definição resumida e genérica do conceito de mediação:

– estratégia que visa resolver conflitos entre pessoas físicas ou jurídicas, através da ajuda de um terceiro elemento, possibilitando o exercício adequado dos valores da cidadania.