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2 A CIDADE E A REGIÃO

2.2 Uma genealogia da cidade: o processo de formação social e comercial

O mapa abaixo serve de instrumento de visualização para o leitor deste trabalho, por permitir destacamos a localização geográfica do Brasil no Continente Americano, do estado da Bahia no Brasil, a região do Recôncavo e, consequentemente, o município de Santo Antônio de Jesus-Ba.

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QUADROS Op. Cit. Pg.99. Ela afirma essa questão se baseando nas ideias de Raymond Williams. Ver: WILLIAMS, R. Cultura e sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

Figura 04 – Município de Santo Antônio de Jesus, Bahia – 2017. Território de identidade – recôncavo

FONTE: IBGE, 2017; SEI, 2017 (Base Cartográfica). Elaboração: Prof. Dr. Wedmo Teixeira Rosa.

Na perspectiva de compreender a emergência da cidade de Santo Antônio de Jesus, acredito na necessidade de se voltar para o processo de colonização para melhor entendimento de sua genealogia. Segundo Oliveira, o Recôncavo Sul, também denominado de Recôncavo da Subsistência,123 compreende 26 municípios, dentre eles: Jaguaripe, Nazaré, Maragogipe, São Felipe, Conceição do Almeida, Castro Alves, Aratuípe, Muniz Ferreira, Varzedo e Santo Antônio de Jesus. Essas cidades formaram um Conjunto denominado de Matas do Sertão de Baixo pelo fundador da faculdade de filosofia da Bahia, professor Isaías Alves.124 Oliveira diz que Sertão referia-se ao mato, em oposição à costa e ao marítimo, e os municípios citados situavam-se abaixo do rio Itapicuru, mais especificamente, entre os rios Paraguaçu, Jaguaripe e Jequiriça.125

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Recôncavo da subsistência é uma designação de vários pensadores para a porção do Recôncavo Sul na Bahia, por causa da especificidade dessa região quanto à sua produção ser baseada na cultura de vários produtos destinados à subsistência das populações. Quando aparecer no texto Recôncavo da Subsistência refere-se ao Recôncavo Sul. Trata-se da mesma região.

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ALVES, Isaías de Almeida. Matas do sertão de baixo. Bahia: Reper, 1967.

125

OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Recôncavo Sul: Terra, Homens, Economia e Poder no Século XIX. Salvador-Bahia: Editora UNEB, 2003. Pgs.58-59.

A colonização da região do Recôncavo da Subsistência iniciou-se após a segunda metade do século XVI e as culturas implantadas foram a da cana-de-açúcar, mandioca, fumo e pecuária. Oliveira afirma que, entretanto, o Sertão de Baixo foi incorporado à área econômica da capitania no século XVIII quando o povoamento se estendeu pelos vales. Ela diz que foi uma ocupação gradual, assentada sobre os trabalhos dos roceiros, lavradores de mandioca e fumo, além dos pequenos proprietários de terras, engenhos e escravos126.

A cidade de Santo Antônio de Jesus, anteriormente denominada de Capela do Padre Matheus (século XVIII), Capela de Santo Antônio de Jesus (século XIX), e depois, apenas, Capela (até a década de 50 do século XX), tem suas “origens” relacionada ao sítio da Capela construída em terras doadas pelo Padre Matheus Vieira de Azevedo, em 27 de setembro de 1776, ao redor do qual foi se edificando.127 Para compreender-se o processo de formação dessa cidade ou sua genealogia, é preciso recuar um pouco no tempo e na história do Brasil porque as terras que hoje demarcam a Cidade de Santo Antônio de Jesus foram fruto também do processo de colonização e seus desdobramentos.

No reinado de dom Sebastião, em 29 de março de 1566, foi doada, a Álvaro da Costa, a capitania do Paraguaçu, também chamada de capitania do Recôncavo.128 As terras onde se localiza atualmente a cidade de Santo Antônio de Jesus, no passado, pertenceu a Nazaré das Farinhas que por sua vez fazia parte dessa capitania conforme veremos mais adiante.

Junto com a propriedade das terras, os donatários também foram privilegiados com outros direitos concedidos pela coroa portuguesa, dentre eles estavam: jurisdição no civil e no crime, podendo o donatário escolher juízes e oficiais para aplicação da justiça; licença para criação de vilas; licença para nomear e dar posse a tabeliães; doações de dez léguas de terras “para sempre”, isentas de qualquer tributo; redizima de todas as rendas e direitos pagos na capitania ao rei e à Ordem de Cristo e direito de sucessão – a capitania passava para o herdeiro do donatário na ordem da linha masculina. O donatário era obrigado também a conceder sesmarias ao cristão que a solicitasse e a pagar taxas e tributos ao rei e à Ordem de Cristo. Schwartz afirma que a apropriação de terras na Bahia do século XVI, como em outras partes da colônia portuguesa, ocorreu por meio do regime sesmarial:

126

Idem. Ibdem. Pg.58.

127

QUEIRÓZ, Fernando Pinto de. A Capela do Padre Matheus. Feira de Santana-BA.: Sagra, 1995. Pg.223.

128

As terras do Recôncavo foram divididas em sesmarias a partir de meados do século XVI, sendo a última área a ser organizada o extremo sul, onde foi criada a Paróquia de Nossa Senhora da ajuda, centralizada na cidade de Jaguaripe, porém abrangendo toda a orla meridional da Baía de Todos os Santos.129

Álvaro da Costa, filho do segundo governador-geral Duarte da Costa, recebeu a sesmaria do Paraguaçu, em recompensa à sua participação militar na guerra contra os tupinambás que habitavam os vales do rio Paraguaçu e Jaguaripe, que foi transformada em capitania pela carta de doação de 1566. Segundo Tavares, o último donatário foi dom José da Costa, de quem o rei comprou por 640 mil réis e a incorporou à capitania da Bahia.130

Dentre as cinco capitanias que formavam o território baiano no início da colonização, a que me interessa é a Capitania do Paraguaçu ou Capitania do Recôncavo. Assim, após tornar-se uma capitania e dividida em sesmarias, a fundação das vilas nesse Recôncavo deram uma dinâmica própria a essa região transformando-a numa das mais antigas redes urbanas do Brasil no período colonial e, segundo Milton Santos, a mais antiga do país.131

Em seu livro intitulado “O outro lado da Bahia: a gênese de uma rede urbana colonial”, Adriano Bittencourt Andrade apresenta um estudo sobre a constituição e a dinâmica espacial da rede urbana do Recôncavo baiano no século XVIII, preocupando-se com o processo de erguimento das vilas nessa região até a densificação das formações urbanas. O autor chama a atenção para a complexidade e a dificuldade de se conceituar o “urbano” e afirma que uma discussão mais ampla sobre esse conceito permanece por ser feita. No entanto, pensando no enquadramento do recorte temporal e espacial do Brasil colonial, ele fez a opção do urbano como vilas e cidades por 6 motivos, dentre eles destaco os 2 que me interessam, por ele ter incluído as feiras:

1- As novas vilas, normalmente, eram fundadas em núcleos já povoados e que exerciam algum tipo de atração demográfica (centros de produção agrícola, mineiro, pousos de caminhos, feiras, etc.) ou interesse estratégico da coroa (áreas fronteiriças);

2- Estabeleciam-se, nessas nucleações, centralidades diversas, sendo algumas pré- existentes e outras fundadas com a elevação política, como: de serviços (feiras-

129

SCHWARTZ. Op. Cit. Pg.81.

130

TAVARES. Op. Cit. Pg.99.

131

SANTOS, Milton. A rede urbana do Recôncavo. In: Brandão, Maria de Azevedo. Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador: UFBA, 1998. Pg.62.

livres, comércio fixo, portuários, armazéns, pousos); eclesiástico (como sede de uma ou mais freguesias, regularmente da padroeira da vila, atraíam populações do entorno para procissões, missas e outras festividades religiosas), além da jurídico- administrativa com regulação sobre todo o termo.132

Andrade ainda alerta que:

Outras povoações possuíam, às vezes de forma mais evidente algumas dessas características, como os julgados, tribunais com poder de decisão judiciária deslocado da vila para as freguesias, porém dentro de um termo; as freguesias, territórios eclesiásticos com centralidade religiosa nas suas sedes, contudo sem autonomia político-administrativa-judiciária; outras povoações que possuíam grande centralidade econômica antes mesmo de serem erguidas a vila, como no caso do Recôncavo Baiano, os exemplos de Nazaré das Farinhas (termo de Jaguaripe, com maior movimentação de pessoas e circulação de mercadoria que a sede da vila, por conta da posição no último trecho navegável do rio Jaguaripe, e produção de farinha do seu entorno) e a própria Santo Amaro, que era uma povoação do termo de São Francisco do Conde antes da elevação. Todas essas, entretanto, guardavam uma ou algumas das características do dito “urbano”, mas nunca todas.133

A meu ver, a citação acima torna-se importante no sentido de que mostra como Nazaré das Farinhas, a qual as terras de Santo Antônio pertencia até a segunda metade do século XIX, mesmo antes de tornar-se vila, era um importante centro comercial, sobretudo, pela distribuição e venda da farinha de mandioca nesse período. Enquanto que mais tarde, na dinâmica do Recôncavo na contemporaneidade, essa posição privilegiada perde lugar para Santo Antônio de Jesus – outrora termo de Nazaré – que a partir da segunda metade do século XX, torna-se o grande centro comercial da região e tem na farinha de mandioca, um dos principais produtos responsáveis por essa projeção.

Para Andrade, a coroa portuguesa usou como prática administrativa a “estratégia espacial” para ocupar e colonizar o território. Muitas vezes precedendo, inclusive, a ação administrativa. Assim como as capitanias hereditárias, o recorte territorial das freguesias e a localização dos principais edifícios religiosos obedeciam a essa lógica. Andrade diz que as freguesias demarcavam espaços propensos à ocupação futura e, não por acaso, constituíram-se em centros de expansão do espaço urbano ou da própria colonização do território. As terras de Santo Antônio de Jesus se enquadram nesse contexto, ao alcançar o status de freguesia e

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ANDRADE, Adriano Bittencourt. O outro lado da baía: a gênese de uma rede urbana colonial. Salvador- Bahia: EDUFBA, 2013. Pg.84.

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depois vila em 1880, já dava os primeiros passos para o que ela viria a ser mais tarde. Segundo o memorialista Isaías Alves, Já no século XIX, “Santo Antônio de Jesus era como uma capital daqueles rincões saudosos do trabalho escravo”.134 Segundo Ana Lúcia Santos dos Passos, essa comparação de Isaías Alves, decorre provavelmente pela centralidade exercida pelo pequeno núcleo, devido a confluência de caminhos que a organizou, pelo escoamento e comercialização de produtos da região, como também pelas possibilidades vislumbradas de crescimento pela chegada da ferrovia e pelo número considerável de estrangeiros que abrigava e que ampliava as relações comerciais dessa cidade com a Europa.135

Andrade assegura que no caso das vilas do Recôncavo e da maioria das vilas no período colonial, antes da ação formal de elevação e constituição do termo, uma ou mais freguesias já possuíam bases estabelecidas. Já as construções religiosas, além da suntuosidade que as marcava, também ocupavam sítios estratégicos na formação urbana. Ele lembra que normalmente em cumeadas ou em áreas pouco mais afastadas do núcleo de povoamento, com seus largos adros que as “protegiam” da ocupação futura.136

É dentro dessa lógica espacial que surgiram as primeiras vilas do Brasil e do Recôncavo baiano no período colonial.

134

ALVES. Op. Cit. Pg.47. Sobre escravidão e trabalho escravo em Santo Antônio de Jesus ver: Costa, Alex Andrade. Arranjos de Sobrevivência: autonomia e mobilidade escrava no Recôncavo Sul da Baia (1850-1888). Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História Local e Regional – UNEB – Santo Antônio de Jesus-Bahia. 2009. OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Recôncavo Sul: terras, homens, economia e poder no século XIX. Salvador-Bahia, Editora UNEB, 2003.

135

PASSOS, Ana Lúcia Santos dos. Santo Antônio de Jesus numa perspectiva geográfica: Memórias e Paisagens. Salvador-Bahia. Dissertação de Mestrado Programa de Pós-Graduação em Geografia – IGEO-UFBA (Universidade Federal da Bahia). 2010.

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Figura 05 – Freguesias e capelas no recôncavo baiano setecentista

FONTE: ANDRADE, Adriano Bittencourt. O outro lado da baía: a gênese de uma rede urbana colonial. Salvador-Bahia: EDUFBA, 2013. Pg.263.

O mapa acima ilustra as vilas do Recôncavo baiano e suas freguesias. Ele é importante para a visualização da localização das mesmas e percebermos a existência de uma bacia hidrográfica que cortava e margeava toda a região e que era importante para o uso do transporte marítimo que colocava essas localidades em conexão, inclusive com Salvador capital da Bahia. Nesse sentido observa-se também no mapa, que a vila de Jaguaripe se encontra um pouco mais afastada das demais vilas. Essa pode ser uma questão relevante para se pensar numa região de subsistência que possuía uma certa autonomia. Nazaré das Farinhas e, consequentemente, Santo Antônio de Jesus, faziam parte da Vila de Jaguaripe nesse período.

A vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira foi fundada no final do século XVII e a origem do seu povoamento se deu a partir de um engenho construído por um mameluco, Rodrigo Martins, por sua conta e pela de Luiz de Britto e Almeida. A vila erguida distanciava-se 14 léguas da capital e tinha, além do rio Paraguaçu e da Cachoeira, três outros componentes fisiográficos decisivos à sua distribuição urbana e às funções que iria assumir posteriormente. Segundo Andrade,

Primeiro, estava em um vale encaixado, cercado pela serra de Muritiba e pelos montes Capueiruçu, pontos finais de chegada dos tropeiros antes de adentrar à vila na parte baixa do vale; segundo, descendo da margem esquerda, dois pequenos afluentes do Paraguaçu, os rios Pitanga e Caquende, durante todo o século XVIII, praticamente limitavam a oeste e leste, respectivamente, o espaço urbano em expansão; terceiro, a disposição geomorfológica e pedológica do seu entorno possibilitou encontrar, nas terras mais baixas, o solo massapê utilizado para sustentar a lavoura canavieira e, nos tabuleiros, em solos mais ressequidos, a condição para a plantação dos campos de tabaco.137

O segundo núcleo era a vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, principal concentração urbana da região. A terceira ocupação, do outro lado do rio, era o Porto de São Félix, na freguesia de São Pedro do Monte. Segundo Andrade, apresentava uma continuidade funcional junto ao porto de Cachoeira e a ele vinculado até a sua emancipação apenas após a independência no século XIX.138 O quarto povoamento estava no alto da serra, na sede da freguesia de São Pedro de Muritiba. Primeiro pouso do caminho terrestre de quem partia e último de quem chegava ao rio navegável, vindo dos caminhos do sul e oeste, os caminhos para as minas que acompanhavam longo percurso da margem direita do rio Paraguaçu.139

Além dessas quatro povoações, havia ainda, no entorno de cachoeira, uma série de outras freguesias, engenhos e pousos ocupando passos de, normalmente, um dia de caminhada das tropas de burros. Do outro lado, no trecho navegável do Paraguaçu, na sua direção leste, surgiu outro nível de integração, com povoamentos costeiros ao rio, dentre as quais se destacam a Vila de São Bartolomeu de Maragogipe e a sede da freguesia de São Thiago do Iguape, junto ao lagamar.

137 Idem. Pg.114. 138 Idem. Pg.116. 139 Idem. Ibdem.

Andrade revela que a vila de Maragogipe centraliza outra sub-região no lagamar do Iguape, a meio caminho entre a vila de Cachoeira e a Barra do rio Paraguaçu.140 Em documentação não datada e nem assinada do período colonial do século XVIII, encontrada nos arquivos do Conselho Ultramarino, consta que a localização da sede da freguesia e vila de São Bartolomeu de Maragogipe com distância das principais referências do entorno – II léguas de distância da capital da Baía, três de Cachoeira, sete de Jaguaripe e três da barra do Paraguaçu – tornou-se freguesia em 1676141 e foi desmembrada da de Nossa Senhora da Ajuda de Jaguaripe em 1680. Andrade assegura que “seguindo a fragmentação territorial religiosa, também foi desmembrada a vila de Maragogipe da de Jaguaripe em 22 de fevereiro de 1724”.142

Maragogipe foi erguida ainda como donataria dos herdeiros de D. Álvaro da Costa, foi reempossada pela jurisdição real, no ano de 1733. Andrade afirma que essa vila era reconhecida, segundo os documentos coloniais da época (AHU, Doc. 2700, 1725), como “Cabeça da capitania do Paraguaçu”. O autor diz também que esse documento indica que os limites territoriais da freguesia era com a de Madre de Deus de Pirajuhia, Nossa Senhora da Ajuda de Jaguaripe, São Felipe, Nossa Senhora do Desterro do Oiteiro Redondo, São Thiago do Iguape e São Domingos da Saubara, núcleos de povoamento do entorno da vila, nos quais havia circulação de fluxos diversos. O documento ainda faz referência à existência de vários portos na vila utilizados para “a comunicação e comercio com a Bahya, e mais povoações do seu Recôncavo”.143

Essa dinâmica permitia vários tipos de contatos entre as pessoas e o desenrolar de múltiplas relações sociais. Advirto o leitor que essa é uma questão que nos interessa nessa abordagem.

Pensando nesses contatos, para Andrade, dois merecem destaque: o primeiro trata da circulação para as festas onde, conforme o documento transcreve, havia a existência de “huma muy dilatada praça para os festejos, que costumão, de cavalo e teatros de comedias”, além das diversas referências a festas religiosas em quaresmas e procissões no dia do orago; o segundo diz respeito às trocas de mercadorias: diversas atividades estavam relacionadas aos moradores da vila e seu termo, tais quais: fazendas de gado, pesca, piaçabas, madeiras, lenhas, coquinhos, lavoura de mandiocas, tabacos, dendês, alambique de águas ardentes, comércio de farinhas e roça de legumes. O autor ainda assegura que parte dessas atividades tinha seu fim

140

Idem. Pg.117.

141

Oliveira. Op. Cit. Pg.60.

142

ANDRADE. Op. Cit. Pg.117.

143

diretamente ligado à demanda de Salvador, entretanto não se pode descartar a porção que ficava no comércio local, alimentando as feiras livres que aconteciam, no século XIX, semanalmente, na rua nova do comércio, junto ao cais, nas sextas-feiras, sábados e segundas- feiras.144

A freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira se desmembrou da de São Thiago do Iguape, e na criação da vila foi priorizada a localização estratégica de Cachoeira como sede da vila e o Iguape como parte do seu termo. Das atividades de Maragogipe, segundo Andrade, as mais referenciadas são a extração de madeira e, principalmente, a lavoura mandioqueira que era fundamental para a subsistência da capital e da região e tinha nas terras do Sul do Recôncavo o seu espaço de produção mais abundante.145 Santo Antônio de Jesus estava inserida nesse contexto.

Outra vila importante nesse processo de organização e divisão espacial na Bahia colonial foi a vila de Nossa Senhora da Ajuda de Jaguaripe, considerada a mais velha das criadas no Recôncavo Baiano, vila a qual as terras de Santo Antônio de Jesus fazia parte nesse período. Localizada ao sul da região que faz o contorno da Baía de Todos os Santos, a duas léguas da desembocadura do rio Jaguaripe, a freguesia foi criada pelo bispo D. Constantino Barradas, em 1613, e a vila instalada no final do mesmo século, em 1697.

Andrade chama atenção para uma questão importante quando afirma que “a posição da vila de Jaguaripe propiciava um contato direto com outras vilas mais ao sul, como Valença, Cairú e Camamu, vinculadas à Capitania de Ilhéus, mas com função produtiva similar ao da região de Jaguaripe: mandioca e madeira”.146

A principal forma de acesso à vila de Jaguaripe e seu entorno era pelo sistema fluviomarítimo. A sua articulação terrestre com as demais vilas do Recôncavo se dava através de um longo contorno interior, passando pela sede da freguesia de Nazaré das Farinhas.

Andrade ainda informa que, no final do século XVIII, João de Costa Carneiro de Oliveira, juiz de fora da vila de Jaguaripe, escreve para Dom Rodrigo de Souza Coutinho, secretário de estado dos domínios ultramarinos, relatando suas impressões sobre a dita vila e a povoação de Nazaré (AHU, Doc. 19754, 1799). Nesse documento algumas pistas são relevantes para a compreensão da estruturação dessa sub-região ao sul do Recôncavo Baiano ao final dos setecentos.

144 Idem. Ibdem. 145 Idem. Pg.119. 146 Idem. Ibdem.

O mesmo autor diz que o documento apesar de tratar da suntuosidade do edifício da Casa da Câmara e da Matriz, já registrava a carência de reformas e o próprio juiz de fora constatava que a vila sofria com a “falta de commercio”, visto que havia uma concentração da venda de peixes, farinhas e legumes nos povoados de Aldeia e Nazaré, a montante do mesmo