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Considerações iniciais sobre Base Industrial de Defesa e cooperação internacional

1.1. Panorama sobre a dinâmica armamentista

1.1.1. Uma introdução aos três modelos explicativos clássicos

No primeiro modelo, conhecido como ação-reação, os atores aumentariam a quantidade e a qualidade de seus meios militares em resposta a um movimento semelhante por parte de seus potenciais adversários. A raiz de tal comportamento residiria no ―dilema de segurança‖ (HERZ, 1950; SNYDER, 1984; WENDT, 1992), situação na qual a tentativa de um Estado de fortalecer sua própria defesa culminaria, mesmo não intencionalmente, na percepção de ameaça por parte dos outros Estados, os quais definiriam seus interesses nos termos de auto-ajuda no cenário internacional. Esse modelo é considerado fundamental para o entendimento do que ficou conhecido na literatura como ―corrida armamentista‖, cujo exemplo clássico consiste na disputa pela supremacia naval entre Alemanha e Grã- Bretanha, ao longo da década imediatamente anterior à I Guerra Mundial (HAMMOND, 1993).

Pode-se dizer que a principal fragilidade do modelo ação-reação é a marginalização das motivações domésticas pelas quais um Estado se sentiria ameaçado pelo outro, bem como o pouco detalhamento sobre os seus processos. As questões de timing presentes no

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Para mais detalhes sobre esses três grupos, recomenda-se COOPER e SPEAR (2007) e BUZAN e HERRING (1998).

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modelo também são importantes, como a dificuldade de compatibilização entre a percepção das ações, por parte de outros Estados, como ameaça e a reação propriamente dita.

O segundo grupo, datado de meados dos anos 70, reúne explicações baseadas em fatores domésticos, as quais enfatizam a origem interna das forças que moldam seus investimentos em defesa. Esse grupo pode ser dividido em quatro grandes subgrupos.

O primeiro subgrupo consiste nas explicações burocrático-organizacionais. Estas se concentram em questões como, por exemplo, proeminência dos militares na política doméstica, barganhas entre diferentes atores da cena política em geral e temas como a institucionalização de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de origem militar e seus desdobramentos.

Já as explicações essencialmente políticas tratam, por exemplo, de fatores eleitorais; do impacto das aquisições militares e do orçamento de defesa em termos de relações civis- militares, sobretudo após períodos ditatoriais; e das tentativas de manipulação da opinião pública interna em geral. Também podem ser incluídas aqui as explicações de cunho geopolítico, como a perseguição de status de ―grande potência‖, de ―autonomia tecnológica militar‖, de ―hegemonia regional‖ etc.

Um terceiro importante subgrupo das explicações baseadas em fatores domésticos compreende as explicações econômicas, que focam nos supostos efeitos de gastos militares sobre a economia em tempos de crise, assim como nas pressões para manter empregos, programas militares ou mesmo para garantir a sobrevivência de determinadas empresas via o poder de compra do Estado, independentemente de prováveis ameaças ou vulnerabilidades de defesa. Alguns autores dessa linha relacionam os gastos militares diretamente ao que seria uma necessidade intrínseca à sobrevivência do sistema capitalista como um todo (STAVRIANAKIS, 2005). As explicações econômicas são bastante utilizadas na interpretação de certos momentos históricos dos EUA, segundo as quais haveria uma forte associação entre a participação americana em conflitos armados e os benefícios econômicos obtidos pelo aquecimento de sua puljante indústria militar.

Por último, há o subgrupo das perpectivas afeitas à ideia de complexo industrial- militar. Esta abordagem tem o mérito de remeter à combinação de fatores burocráticos, políticos e econômicos, bem como à grande variedade de atores, e seus respectivos

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interesses, encontrados no setor de defesa14. O termo complexo industrial-militar é mais conhecido em função do alerta do presidente norte-americano Dwight Eisenhower sobre a coincidência de interesses, às vezes danosa aos EUA, entre atores políticos, econômicos e militares15.

Apesar de essa temática ter dominado a literatura sobre indústria de defesa durante os anos 70, o fato de o conceito de complexo industrial militar remeter à vasta gama de interesses e de atores encontrados no setor de defesa não garantiu poder explicativo suficiente a várias questões empíricas encontradas no setor de defesa. Primeiro, devido ao pouco consenso existente sobre os atores abarcados pelo conceito de complexo-industrial militar. Com efeito, há uma amplitude de possibilidades que giram em torno de militares, empresários, políticos, tecnólogos, acadêmicos, jornalistas etc.

Em segundo lugar, é possível questionar a efetiva força política e a coesão dos atores alcançados por esse termo. Apesar de haver interesses à primeira vista convergentes entre, por exemplo, organizações atinentes às atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), empresas, forças armadas e determinados setores políticos pertinentes ao setor de defesa, tais convergências não ecoam em uníssono, não formam um ator político bem definido e nem chegam a dominar a cena da política doméstica. Ao contrário, esses atores podem assumir posturas divergentes ou mesmo competitivas (KALDOR, 1982; BUZAN e HERRING, 1998, pp. 108-109). Ademais, o choque de interesses particulares e a respectiva cultura organizacional de seus diferentes atores dificultam a sobrevivência de tal abordagem conforme o nível de análise se aprofunda, seja em programas militares, seja na sua aplicação a análise de determinados países.

Como as explicações baseadas em fatores domésticos foram inicialmente empregadas para explicar a dinâmica de países detentores de bases industriais de defesa

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A noção de setor de defesa abarca as forças armadas, os servidores civis, a base industrial de defesa, as diversas instituições pertinentes (públicas ou privadas) e seus líderes políticos (CLEARY e McCONVILLE, 2006, p.7).

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Cabe destacar que, apesar de este discurso ser exaustivamente citado nas mais diversas publicações, pouca atenção é conferida às seguintes passagens: ―Um elemento vital na manutenção da paz é a nossa instituição

militar. Nossas armas devem ser poderosas, prontas para ação imediata, de modo que nenhum agressor potencial possa ser tentado a arriscar sua própria destruição” (...) “Até o último dos nossos conflitos mundiais, os Estados Unidos não tinham indústria de armamentos. Fabricantes americanos de arados poderiam, com o devido tempo e se necessário, fazer espadas também. Porém, agora não podemos mais arriscar improvisações emergenciais de defesa nacional.” ―Farewell Address to the Nation”, 17 de janeiro de

1961, < www.eisenhowermemorial.org/speeches/19610117%20farewell%20address.htm >. Acesso em 11/12/10).

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com grande peso doméstico e tecnologicamente diversificadas, como no caso americano, a aplicação do mesmo molde em outros países exige alguns cuidados analíticos (BUZAN e HERRING, 1998, p.118). O foco excessivo nos fatores domésticos também pode incorrer no risco de ignorar todo um fluxo de variáveis internacionais de natureza comercial, político-diplomática e tecnológica vistos como importantes para se compreender as ações dos atores do setor de defesa e seus contextos específicos. Esse conjunto de fatores levou ao progressivo abandono das explicações focadas em fatores domésticos, em especial as associadas à ideia de complexo industrial-militar, apesar de seus méritos, como resume os autores de ―Arms Dynamic‖:

“O tipo de análise proporcionado pela ideia de complexo industrial- militar sobre a dinâmica armamentista foi precedido e discutivelmente ultrapassado pela evolução de uma variedade de abordagens político- organizacionais. A natureza excessivamente abrangente da perspectiva do complexo industrial-militar tem sido um elemento chave para sua queda” (BUZAN e HERRING, 1998, p.109). 16

Entretanto, ainda é relativamente fácil encontrar explicações fundamentadas na ideia de complexo industrial-militar para tratar de países como o Brasil (CONCA, 1997; DAGNINO, 2010), Suécia e Japão (IKEGAMI-ANDERSSON, 1992), até mesmo com várias derivações do termo, como ―complexo industrial parlamentar militar‖ (HIGGS, 2006), ―rede industrial-militar-midiática do entretenimento‖ (DER DERIAN, 2001), ―complexo industrial-militar da União Europeia‖ (SLIJPER, 2005) ou ―rede (ou lobby) da revitalização da indústria de defesa‖ (DAGNINO, 2010).

Finalmente, o terceiro grupo ou modelo clássico de explicações sobre a dinâmica armamentista reside na noção de imperativo tecnológico. Esta pode ser compreendida sob a ótica de que, atualmente, a modernização dos meios militares seria um processo fortemente moldado e impulsionado pela evolução tecnológica, seja no âmbito doméstico dos Estados

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As traduções de citações diretas de bibliografia referenciada em língua estrangeira, realizadas neste trabalho, são de minha responsabilidade.

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ou abarcando o nível global. Uma segunda vertente mais contemporânea desse modelo investe na importância da tecnologia desenvolvida no meio civil no contexto da, assim denominada, atual Revolução dos Assuntos Militares (RAM)17. Uma de suas consequências seria a emergência de uma ―ordem militar global‖ primada pela cultura da valorização de exércitos profissionais e armas tecnologicamente sofisticadas, oriundas da relação entre países ricos-supridores e países em desenvolvimento-receptores de tecnologia militar (WENDT e BARNETT, 1993). O papel quase ―determinista‖ que a tecnologia pode assumir nesse tipo de abordagem traz consigo limitações analíticas substanciais na medida em que marginaliza excessivamente as variáveis políticas e as possibilidades de ações por parte dos atores envolvidos.