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3. D EMOCRACIA , P ROCEDIMENTO E I NCLUSÃO P OLÍTICA

3.1 Uma perspectiva de democracia em crise

O sistema democrático liberal experimentou, especialmente no último século, uma rápida expansão e disseminação por diversos países. Na base desse processo, reside um crescente elemento de confiança das populações no sistema como foco da organização sócio- política das nações. Todavia, é interessante observar que, pelo menos nas últimas décadas, tem sido crescente, a seu turno, dada desconfiança em torno do processo. Essa desconfiança redunda num desinteresse cada vez maior dos cidadãos em relação principalmente às instituições que se fundam base da democracia, ainda que não no sistema como um todo.

Miguel (2005) afirma que a necessidade da adoção da representação política nas sociedades modernas coloca um conjunto gigantesco de problemas, cujo cerne estaria assentado em três pontos principais. Em primeiro lugar, a separação entre governantes e governados, ou o fato de que decisões política são tomadas de fato por um pequeno grupo e não pela massa dos que serão submetidos a elas; em segundo lugar, a formação de uma elite política distanciada da massa da população, como consequência da especialização funcional. O grupo dominante tende a exercer permanentemente o poder; em terceiro lugar, a ruptura do vínculo entre a vontade dos representados e a vontade dos representantes, o que se deve tanto ao fato de que os governantes tendem a possuir características sociais distintas das dos

governados, quanto a mecanismos intrínsecos à diferenciação funcional, que agem mesmo na ausência da desigualdade na origem so ial. Segu do o auto , A esposta ue as i stituiç es democráticas tendem a dar para os três problemas é a mesma: accountability. Miguel, 2005:27).

Ainda que nos últimos 30 anos a democracia eleitoral tenha vivido um rápido processo de expansão e abrangência, um movimento de cunho contraditório também teria se acentuado diametralmente. Este movimento refere-se à deterioração da adesão popular às instituições representativas como função de uma deterioração das esperanças depositadas na

accountability. Afinal, a capacidade de supervisão dos eleitores sobre os eleitos seria deveras

reduzida, devido a fatores que incluem a complexidade das questões públicas, o fraco incentivo à qualificação política e o controle sobre a agenda (Miguel, 2005; Przeworski, Manin e Stokes, 1999).

Três conjuntos de evidências ajudariam a sustentar a tese da crise disseminada da representação política. Primeiro, um declínio do comparecimento eleitoral. As eleições para o Parlamento Europeu, por exemplo, decaíram em termos de adesão popular cerca de 30 pontos percentuais entre 1979 e 2009, passando de cerca de 65% para pouco mais de 42% no período (Sintomer, 2010). Nos Estados Unidos, o comparecimento eleitoral também tem sofrido significativa declínio, sendo que nas eleições de 2002, por exemplo, menos de 40% do eleitorado efetivamente compareceu para votar. O fenômeno também se conforma em democracias nas quais o voto é obrigatório. Na Argentina, por exemplo, o índice de abstenção eleitoral se manteve em cerca de 30% ao longo de toda a década de 1990, chegando a quase 40% nas eleições presidenciais de 2002 (Torre, 2002). A Venezuela chegou a registrar nível de abstenção de mais de 56% nas eleições presidenciais de 1991. No Brasil, a abstenção eleitoral chegou a mais de 40% nas eleições gerais de 1998, mantendo uma média de 30% nos pleitos subsequentes (Costa, 2012).

O segundo elemento ilustrativo da crise supracitada concerne à ampliação da desconfiança em relação às instituições da democracia. Moisés e Carneiro (2008) apontam, no caso do Brasil, que a adesão e a desconfiança em relação às instituições democráticas, em especial a representação política, são o foco gerador do aumento dos índices de abstenção eleitoral. Meneguello (2006) afirma que a questão mais premente não concerne à adesão à democracia, mas, antes, na avaliação negativa que os cidadãos têm acerca do funcionamento das instituições democráticas. Rosanvallon (2004) afirma que, no geral, essa desconfiança em

relação às instituições tem sido muito mais a regra das democracias modernas, do que exceção. Sintomer (2010) afirma, a partir de pesquisa de 2005 na França, que quase 40% do eleitorado declarava não confiar no instituto da representação política como guardiã legítima de seus interesses, além de não acreditarem que o voto poderia modificar a situação em qualquer sentido e/ou grau.

O terceiro elemento que estaria substanciado na crise da democracia liberal seria o esvaziamento dos partidos políticos. O Latinobarômetro apontou, em 2008, que a confiança dos cidadãos nos partidos políticos nacionais era de 28% em 1997 passando para menos de 8% em 2007. Assim, na média dos latino-americanos, a efetiva confiança nos partidos como portadores de interesses e preferências dos eleitores não chega a 10% do eleitorado nacional. Mainwaring (1999) afirma que, no caso do Brasil, os partidos políticos nunca conseguiram, na verdade, efetivar a congregação de interesses dos cidadãos, configurando-se um sistema partidário fraco, pouco institucionalizado, sem clara consistência ideológica e pouco associado e identificado aos eleitores.

Sustentada por essas evidências, a crise da democracia liberal seria a responsável pelo su gi e to de p opostas a iadas de o os e a is os oltados a u essu gi e to das instituições representativas, como a proposta de cotas e sorteios (Manin, 1997). Segundo Miguel:

Em tais propostas, há o reconhecimento, implícito ao menos, de que a redução da o fia ça popula os pa la e tos e os pa tidos o efeito da alie aç o , da falta de compromisso com a democracia ou de resquícios de valores autoritários. É,

antes, a constatação sensata de que as instituições atualmente existentes privilegiam interesses especiais e concedem pouco espaço para a participação do cidadão comum, cuja influência na condução dos negócios públicos é quase nula. Em suma, de que as promessas da democracia representativa não são realizadas.

(Miguel, 2003:126 – grifo nosso)

O autor argumenta que as esperanças depositadas nas accountability horizontal e vertical (tal como proposta por Przeworski et ali., 1999) não encontram mais do que uma pálida efetivação na prática democrática. No artigo Representação política em 3D, de sua auto ia, Miguel suste ta ue ...a e upe aç o dos e a is os ep ese tati os depe de de u a aio o p ee s o do se tido da p p ia ep ese taç o. Miguel :123). Tal como afirma na passagem acima, a crise da representação, para ele, teria sua origem, assim, não numa hipotética alienação por parte dos cidadãos acerca da participação nas questões políticas de uma forma geral. Antes, a causa principal da crise residiria, sim, na incapacidade das instituições de responder aos anseios dos cidadãos de uma forma geral, privilegiando

interesses específicos, minando as possibilidades de influência de tais cidadãos nos assuntos e tomadas de decisão vinculatórias.