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4. C APACIDADES POLÍTICAS PARA O D ESENVOLVIMENTO

4.2 Operacionalizando as capacidades políticas via interfaces sócio-estatais

4.2.3 Uma perspectiva sistematizada das interfaces sócio-estatais

A partir do exposto acerca das interfaces sócio-estatais, é possível dizer que a compreensão do seu papel e dos seus impactos/efeitos revela-se importante não só na perspectiva de aprofundamento democrático (Wampler, 2009), mas, também, sob pelo menos dois aspectos. Em primeiro lugar, sob a ótica do planejamento público e alocação de recursos para as áreas temáticas sobre as quais versam. Nesse caso, vale cotejar o tipo de metodologia participativa adotada e sua relação com o âmbito de produção e implementação de políticas públicas em termos de garantia de eficiência na oferta dos serviços e bens correlatos. Em segundo lugar, sob a égide do potencial de demanda e pressão dos cidadãos à ação governamental no sentido de efetivar os direitos coletivos previstos constitucionalmente.

Assim, à indagação acerca de como a dimensão de capacidades políticas pode ser operacionalizada no âmbito das políticas, pode-se dizer que a perspectiva teórico-analítica das interfaces fornece elementos importantes e suficientes para tal. Nessa linha, tais capacidades estariam ligadas ao potencial do Estado de se utilizar desses espaços, garantindo a legitimidade de suas ações, bem como a transparência de seus atos. Assim, nessa perspectiva, não seria difícil concretizar essa dimensão, bastando, para tanto, constatar a presença, ou ausência, das interfaces em determinado programa.

Mas, o que essa perspectiva ainda não nos responde, relaciona-se aos parâmetros de variação dessas capacidades. Tomando por base essa perspectiva, vale a pena questionar, por exemplo, sob quais critérios o governo tem maior ou menor capacidade política. Isso estaria relacionado à utilização do maior número possível de interfaces em determinado programa ? Ou será que programas de áreas diferentes utilizam interfaces de tipos diferentes ? Será que o grau de utilização de determinados tipos de interfaces é o mesmo para todos os programas ? É possível dizer que todas as interfaces cumprem um mesmo tipo de objetivo, ou elas se diferenciam neste quesito ?

A análise teórica oferece pelo menos três importantes hipóteses correlatas a tais questionamentos. Em primeiro lugar, as interfaces podem propiciar o acesso ao Estado tanto de atores coletivos, quanto individuais e cada tipo de ator pode portar projetos políticos tanto coletivizados, isto é, cujos resultados tendem a gerar impactos para o conjunto da sociedade, quanto individualizados, isto é, cujos resultados tendem a gerar impactos para grupos sócio- políticos específicos; segundo, dependendo do tipo de temática à qual se liga a demanda do

ator, seu acesso aos agentes governamentais se dará por tipos diferenciados de interfaces; terceiro e último, as interfaces sócio-estatais se diferenciam em termos de objetivos, sendo que algumas sequer dispõem de mecanismos decisórios, mas podem cumprir funções apenas informacionais.

Observa-se que, de fato, essas instâncias se materializam nos programas do governo sob a égide de um amplo leque de formatos que não se restringem aos tipos que usualmente chamam mais a atenção dos pesquisadores e estudiosos da área, como os Conselhos Setoriais e as Conferências temáticas. Tal como proposto linhas acima, as interfaces podem se manifestar sob formatos distintos, variando os tipos de institucionalidades potencialmente presentes na relação Estado-sociedade. Pelo menos sete tipos foram identificados cumprindo esse papel:

 Ouvidoria;

 Reunião com grupos de interesse;  Audiência pública;

 Discussão em conselho setorial;

 Discussão em Conferências Temáticas (disponível apenas para 2009);  Consulta pública;

 Categoria outros (neste caso, encontramos, através das justificativas de respostas, formatos como sítios de internet, comitês gestores, telefones disponibilizados, bem como ações pontuais com objetivo de divulgação das ações do programa).

Uma análise comparativa desses formatos pode expressar suas principais diferenças se levarmos em consideração duas variáveis particularmente relevantes para este trabalho, segundo as disposições encontradas em Pires e Vaz (2012). Em primeiro lugar, o tipo de inclusão potencializado pela interface. Neste caso, pode-se observar a existência daqueles desenhos que possibilitam o contato de um único indivíduo com interesses próprios com o Estado, até aqueles nos quais grupos de indivíduos assumem essa posição em prol de causas eminentemente coletivas.

A segunda variável concerne à periodicidade do contato estabelecido. Por um lado, existem interfaces que são criadas com objetivos específicos, os quais, quando atingidos, fazem com que sua própria existência deixe de fazer sentido. Por outro lado, existem interfaces que têm periodicidade ou caráter permanente, constituindo fóruns de discussão que não são função apenas das negociações e deliberações empreendidas, mas, também, do acordo estabelecido entre os agentes de institucionalizá-las. Podemos correlacionar esses

desenhos num esquema cartesiano, cujo eixo vertical expresse a periodicidade da interface e o eixo horizontal expresse o tipo de inclusão (Gráfico 6).

Gráfico 6 – Tipos e classificação das interfaces socio-estatais,

por periodicidade e tipo de inclusão promovida

Fonte: Pires e Vaz (2012)

Através da análise dos sete tipos de instâncias descritas, não é difícil perceber que, de fato, existe uma miríade de desenhos e formatos que suscitam contato entre Estado e sociedade em questões diversificadas. Apenas como ilustração, é possível dizer que, por um lado, por exemplo, os Conselhos Gestores são canais que estão presentes em todos os níveis de governo (municipal, estadual e federal), funcionam com regularidade, abrangem diversas temáticas em políticas públicas e, por fim, têm por público-alvo toda a sociedade, já que debatem diretrizes em políticas públicas gerais. As Conferências Temáticas tendem a seguir o mesmo padrão, ainda que contando com diferenciações importantes, especialmente nos quesitos espacialidade – já que não necessariamente ocorrem em todos os níveis de governo – e regularidade – já que, apesar de ocorrerem periodicamente, o intervalo de reuniões é maior do que dos Conselhos.

Por outro lado, não obstante, se considerarmos o caso da Reunião com grupos de interesse, como as Mesas de Negociação, já observamos diferenças mais abruptas. Estão presentes apenas no nível de governo federal e a regularidade de seu funcionamento pode variar em função dos acordos estabelecidos entre os agentes do Estado e da sociedade. Ademais, tendem a abranger apenas uma temática específica como ponto de discussão e, por fim, o público-alvo geralmente congrega apenas grupos específicos, como uma categoria

profissional, um movimento social determinado, entre outros. Por último, ainda nessa interface, podemos elencar o PPA participativo, que funciona sobre uma lógica também diferenciada, abrangendo, também, apenas um nível de governo, o federal, mas com periodicidade ainda mais ampla, geralmente a guisa exclusiva da disposição do próprio governo. Abrange temáticas diversas, mas focadas no quesito administrativo e de gestão dos programas do governo federal e o público-alvo tende a se restringir àquelas entidades interessadas e convidadas a participar do processo.

O que se constata, portanto, é uma variação significativa das interfaces sócio-estatais, tanto em termos de periodicidade e concretização das interseções Estado e sociedade, quanto em termos de tipo de inclusão promovida, congregando não apenas o volume de inclusão, mas, também, o tipo de público-alvo envolvido nas negociações. Se considerarmos, nessa linha, cortes transversais no plano cartesiano com base no centro dos eixos, podemos estabelecer uma proposta de categorização das interfaces em função dos seus respectivos graus de inclusão e periodicidade.

É possível estruturar dois grupos nessa linha. De um lado, aquele que iremos chamar de oleti izado , o posto po i te fa es lo alizadas di eita da li ha de o te e ti al, sendo, portanto, aquelas com graus de inclusão e periodicidade significativos. Em segundo luga , te e os o g upo ue de o i a os de o oleti izado , efe e te uelas i te fa es com periodicidade e grau de inclusão relativamente menores. O Quadro 3 correlaciona as interfaces socio-estatais e suas respectivas categorizações no âmbito destes dois grupos analíticos.

O grupo coletivizado está à direita da linha de corte vertical, contando com as interfaces Conselhos Setoriais, Conferências Temáticas, Audiência Pública e Consulta Pública. Neste caso, considerando o aspecto da periodicidade, apenas um elemento do grupo, a interface Audiência Pública, encontra-se abaixo da linha de corte horizontal, ainda que muito próximo a ela. Todos os demais encontram-se acima dessa linha, o que sugere uma média significativa para este fator.

Já no caso do grupo não-coletivizado, as interfaces sócio-estatais se localizam à esquerda da linha da corte vertical. São elas a Reunião com grupos de interesse, Ouvidoria e a categoria Outros. Ao analisarmos sua localização sob a ótica da linha de corte horizontal observamos situação contrária à do grupo coletivizado. Neste caso, apenas uma interface, a Ouvidoria, encontra-se acima dessa linha corte. Todas as demais se encontram não só abaixo

dela, mas, também, abaixo das linhas horizontais correspondentes às coo de adas Y das interfaces do grupo coletivizado. Isso sugere que, de fato, tanto em termos de tipo de inclusão, quanto em termos de periodicidade, o grupo não-coletivizado sustenta valores de coordenadas menores do que os elementos componentes do grupo coletivizado.

Quadro 3 – Características e classificação das categorias

oleti izado e o oleti izado

Categoria Características Interfaces

Coletivizado Maior inclusão

Maior periodicidade

Conselhos Setoriais Conferências Audiência Pública

Consulta Pública

Não coletivizado Menor inclusão

Menor periodicidade

Reuniões com grupos de interesse Ouvidoria

Outros

Fonte: Pires e Vaz (2012)

Com base na discussão até aqui empreendida, à pergunta acerca dos graus de variação das capacidades políticas do Estado, o que esse conjunto analítico sugere, ao cabo, é que as interfaces são dotadas de desenhos, objetivos e mesmo sentidos diferenciados e que, nesse sentido, sua utilização poderia se dar também de forma diferenciada. Os parâmetros de avaliação para essa variação não se dariam, nessa linha, tão-somente pela simples constatação da presença dessas instâncias, ou, ainda, pela contagem da quantidade desses elementos na gestão de determinado programa. Na verdade, uma vez correlacionados a tipos diferenciados de políticas, parece que a capacidade política do Estado estaria ligada muito mais à escolha dos tipos de interfaces para o estabelecimento de interlocução com seus programas, a guisa dos desenhos, dos objetivos e das áreas temáticas destes últimos.

Assim, a grande questão que insurge desse debate concerne à capacidade do Estado de correlacionar, de acordo com seus programas e áreas de atuação, determinados tipos de

interfaces sócio-estatais. Existem políticas programas que são dotadas de um caráter

eminentemente técnico e que exigem conhecimentos especializados para sua compreensão, operação e, principalmente, crítica. As políticas e programas ligados ao controle cambial, ou à definição de juros no âmbito macroeconômico, são ilustrativas nesse sentido. Ao mesmo tempo em que são capazes de promover impactos importantes nas condições de vida da população, elas exigem um corpo técnico capaz e com potencial especializado para sua gestão. Mas o oposto também ocorre, vale dizer, como é o caso das políticas de saúde, educação, assistência social ou, ainda, segurança alimentar e nutricional. Essas políticas também

provocam impactos significativos na vida das pessoas, mas, além de não exigirem conhecimento especializado para sua crítica (pois se apoiam em estratagemas muito objetivos e relativamente simples, como, por exemplo, ter ou não mais médicos, ter ou não professores em sala de aula, ter ou não benefícios de transferência de renda), fazem parte diretamente do cotidiano dos indivíduos, dos seus respectivos locais de vivência e, portanto, localizam-se bastante próximos de sua realidade.

Com base nisso, não é difícil imaginar que, não necessariamente essas políticas e programas, muito embora devam ser escrutinizadas publicamente (afinal, é uma democracia!), precisam ser levadas associadas a interfaces de desenhos e/ou apelos semelhantes. De fato, esse debate nos permite efetivamente embasar as análises nessa direção. Não obstante, o que esse próprio debate não deixa claro consiste nos critérios e nas formas que compõem o cerne do processo de estabelecimento dessa correlação entre diferentes interfaces e diferentes programas. A quais tipos de programas devem se adequar dados tipos de interfaces ? O que justifica essa correlação ?

A literatura que apresenta o conceito, vale dizer, não oferece dicas nesse sentido. Na verdade, quando nos referimos a ela, a busca de uma resposta à correlação parece se revestir de uma roupagem sobremaneira arbitrária para sua definição, gozando de caráter eminentemente dedutivo (Hevia y Isunza, 2006), o que pode se revelar analiticamente improdutivo desde uma perspectiva de avaliação empírica do Estado nesse sentido. Portanto, a questão do grau de variação das capacidades políticas do ator é parcialmente respondida quando nos reportamos exclusivamente à teoria aqui considerada. Isso quer dizer que necessitamos buscar outra fonte de dados que nos forneça pelo menos dicas nesse sentido e, com isso, possibilite a estruturação de instrumental analítico para sua avaliação. O próximo capítulo é dedicado a essa tarefa.