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Uma perspectiva institucional

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CAPÍTULO II – COMISSÃO DA VERDADE: UMA NOVA POSSIBILIDADE DE CAMPO

2.2 A Comissão da Verdade

2.2.1 Uma perspectiva institucional

No caso brasileiro, a ideia de construir um mecanismo que garantisse o direito à ‘memória e à verdade’ surgiu pela primeira vez no Plano PNDH-3, em 2009, no governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003 - 2010). Contudo, somente em 2011 foi editada a lei que deu origem a CNV53. Desde que começou a funcionar, a CNV

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A princípio, a CNV teria prazo de funcionamento de dois anos para a conclusão dos trabalhos. Desse modo, os resultados das pesquisas deveriam ser apresentados em maio de 2014. Contudo, em virtude das demandas dos próprios integrantes, a MP 632/13, prorrogou por mais sete meses, o que fez com que a apresentação dos dados obtidos ocorresse no dia 10 em dezembro de 2014, em uma apresentação oficial à presidência da República.

43 realiza Audiências Públicas e Testemunhos da Verdade colhendo depoimentos daqueles que sofreram as violências cometidas pelo regime militar brasileiro durante da ditadura civil-militar.

A CEV-Rio, por sua vez, começou a funcionar em 2013. A mesma foi criada para subsidiar os trabalhos da CNV e, portanto, segue o mesmo modelo de funcionamento. As Audiências e Testemunhos costumam ocorrer de maneira conjunta com a CNV. Segundo o Relatório Parcial, divulgado em junho de 2014 pela CEV-Rio, foram coletados 210 depoimentos, sendo 75 de maneira pública, enquanto outros foram sigilosos. Ainda de acordo com o documento, seja de forma pública ou reservada, tais depoimentos contribuem para “elucidar as circunstâncias das graves violações de direitos humanos” (COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE DO RIO DE JANEIRO, 2014, p. 11).

Além de ser uma forma de obter mais informações sobre o período do regime, as Audiências e os Testemunhos podem ser considerados uma forma de divulgar o trabalho da própria Comissão, mobilizar e sensibilizar a sociedade para a temática. Como aponta o próprio Relatório, trata-se de um instrumento capaz de “reparar” danos por meio do ato de dar voz àqueles que sofreram com a violência, bem como exercer uma função “político-pedagógica”, já que deixa registrado oficialmente, por meio do relatório que será produzido ao fim do trabalho, as violações que ocorreram. Em função disso, os Testemunhos se tornaram uma das principais atividades da Comissão. Segundo consta no documento:

A realização dos Testemunhos da Verdade é uma das formas de reparação aos atingidos pelas violações do Estado, pois, além de, relatar as experiências pessoais, reconstrói a memória coletiva, associando a singularidade dessas experiências com a narrativa compartilhada socialmente. Por isso, a reparação se dá ao criar uma situação em que o relato é feito publicamente e divulgado nos meios de comunicação (COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE DO RIO DE JANEIRO, 2014, p. 12).

Nessa perspectiva, observei que a CEV-Rio foi formulada para garantir um duplo caráter “reparador”. Ao mesmo tempo em que busca permitir a “cura” por meio da fala – dimensão que pretendo explorar posteriormente –, pretende fazer com que essa história fique registrada, retirando-a do espaço do silêncio.

A Comissão Estadual, tal como a Nacional, é composta por sete membros designados pela presidência da República, a partir de critérios, como demonstra o Art.

44 2º da Lei, como “idoneidade e conduta ética”, “defesa da democracia” e “respeito aos direitos humanos”. Entre os membros da Comissão, encontram-se advogados, professores universitários e “militantes” do período da ditadura. De modo geral, os escolhidos têm uma trajetória marcada pela defesa dos direitos humanos, sendo alguns, inclusive, “ex-presos” políticos, o que faz com que o interesse pessoal esteja relacionado com o político.

Entre os objetivos da CEV-Rio, de acordo com a Lei que a originou, estão: esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos; elucidar os casos de torturas, mortes, “desaparecimentos” forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria; tornar pública as estruturas de funcionamento da ditadura; promover a reconstrução da história do período; dar assistência às vítimas.

A Lei de criação da CEV-Rio prevê ainda que, para a realização de seus trabalhos, a Comissão deve estabelecer parceria com a sociedade civil e com o poder legislativo. Para tanto, foi criado o Fórum de Participação da Sociedade Civil, o qual, segundo o Relatório da própria Comissão, permitiu um diálogo com a sociedade. A partir de demandas apresentadas nas reuniões do Fórum, a CEV-Rio estruturou quatro Grupos de Trabalho (GT), são eles: GT DOPS, GT Casa da Morte de Petrópolis, GT Testemunhos, GT Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical. Tais temáticas foram selecionadas, segundo o Relatório Parcial, por serem consideradas relevantes nas investigações sobre a ditadura e pelo trabalho já avançados quem vem sendo realizado por outras entidades, as quais passaram a dialogar e contribuir com a Comissão.

No que se refere a essa pesquisa, serão analisados os Testemunhos da Verdade e a Audiência Pública organizadas pela CEV-Rio, visto que foram as atividades que permitiram tornar públicas as narrativas daqueles que sofreram violência durante a ditadura. Em virtude disso, é importante pensar no funcionamento do GT Testemunho. A sua proposta surgiu a partir de discussões sobre a metodologia que deveria ser utilizada para a coleta de relatos dos atingidos e “familiares” daqueles que sofreram violações. Tal GT considera o aspecto “reparatório” da fala, além do caráter pedagógico dos depoimentos públicos.

O Relatório aponta que, além de uma metodologia de coleta dos relatos, a proposta é que seja elaborado um “banco de dados” a partir das temáticas, a fim de que as informações sejam registradas e, posteriormente, venham a servir para o acesso público.

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