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Uma Perspectiva Segundo uma Corrente Antropológica

Capítulo 1 – A SEXUALIDADE NA VISÃO DE REFERENCIAIS CLÁSSICOS E

1.4 Uma Perspectiva Segundo uma Corrente Antropológica

Lévi-Strauss (1908-2009) em seus estudos sobre a formatação da família entende que a constituição desta se dá pela própria sociedade, e que tal constituição é que diferenciaria o homem do animal.

O que diferencia verdadeiramente o mundo humano do mundo animal é que na humanidade uma família não poderia existir sem existir a sociedade, isto é, uma pluralidade de famílias dispostas a reconhecer que existem outros laços para além dos consanguíneos e que o processo natural de descendência só pode levar-se a cabo através do processo social da afinidade.

(LÉVI-STRAUSS, 1980, p. 34)

Neste sentido, o antropólogo austríaco conclui que a formação de uma sociedade está na possibilidade de comunicação que há entre os participantes daquela sociedade, no caso aqui, da família.

evitação são muito severas e minuciosas. Um homem não deve chegar perto da mãe de sua esposa, nem ela dele. Se acontece os dois se encontrarem num caminho, a mulher se desvia e fica de costas até que ele tenha passado ou, talvez, se for mais conveniente, será ele que se afastará do caminho. Em Vanua Lava, em Port Patteson, um homem só pode seguir a sogra ao longo da praia depois que a maré crescente tenha lavado suas pegadas da areia. Não obstante, o genro e a sogra podem falar-se a uma certa distância, mas uma mulher em nenhuma circunstância menciona o nome do marido de sua filha, nem ele o dela’. Nas Ilhas Salomão, após o casamento, o genro não pode ver nem conversar com a sogra. Se a encontrar, não deve reconhecê-la; deve fugir e esconder-se o mais depressa possível. Entre os bantos orientais, ‘o costume exige que o homem “tenha vergonha” da mãe de sua esposa, isto é, que se esquive deliberadamente à sua companhia. Não deve entrar na mesma cabana que ela e se por acaso se encontrarem num caminho, um ou outro volta-se para o lado, ela talvez escondendo-se por trás de um arbusto, enquanto ele oculta o rosto com o escudo. Se não puderem evitar-se assim e a sogra não tiver nada com que se cobrir, amarra um talo de capim em volta da cabeça, como símbolo de evitação cerimonial. Toda comunicação entre os dois - seja através de terceiros, seja gritando um para o outro a uma certa distância -, tem de ter alguma barreira interposta entre eles. Entre os basogas, povo banto que vive na região das nascentes do Nilo, o homem só pode falar com a sogra quando ela se encontra noutra peça e fora de vista. Incidentalmente, esses povos têm um tal horror ao incesto que o punem mesmo quando ocorre entre os animais domésticos”. (FREUD, 1913-1914, p.13-15)

Ela prepara os seus para participarem de algo maior. Os laços de sangue (família) preparando para laços de afetos que logo formarão novos laços de sangue, por conta da procriação, e assim sucessivamente. Isso “feita de indivíduos e de grupos que se comunicam entre si” (Lévi-Strauss, 1967, p.

66). A comunicação é o fator de união de indivíduos de famílias diferentes, que só podem se encontrar por estarem, ambas, inseridas em uma sociedade.

Função primordial de cada família, segundo Lévi-Strauss, é poder criar novas, formá-las, ou seja, a instituição que está formada agora está com seu tempo de existência determinado a desfazer em função de uma nova que se criará ao juntar-se com outra família que também sofrerá o processo de desmembramento.

O interesse fundamental com respeito à família não é protegê-la ou reforçá-la; é uma atitude de desconfiança, uma negação de seu direito a existir isolada ou permanentemente;

as famílias restringidas apenas estão autorizadas a gozar uma existência limitada no tempo – curta ou longa segundo as circunstâncias – mas sob a estrita condição de que as suas partes componentes sejam deslocadas, emprestadas, tomadas por empréstimo, entregues ou devolvidas incessantemente de forma a que se possam criar ou destruir perpetuamente novas famílias restringidas. (LÉVI-STRAUSS, 1980, p. 44)

Uma ideia de família é a de trocas e construção. O antropólogo baseia sua ideia nos estudos que fez em várias tribos de diversos lugares onde pôde verificar que em todas, a ideia de troca entre famílias ou aldeias como uma situação de aproximação entre as que efetuavam essa união. Um casamento assim poderia ser uma ferramenta de união de povos, encerramento de possíveis futuras guerras, simbolização de paz entre os povos, famílias envolvidas.

Tal ideia, porém não veio à Levis-Strauss apenas pelo lado dos costumes das tribos e povos que avaliou. Chega à conclusão que tal proceder está baseado nas Escrituras Sagradas: “deixarás o teu pai e a tua mãe” proporciona “a regra de ferro para a fundação e o funcionamento de qualquer sociedade” (LÉVI-STRAUSS, 1980, p. 44).

Partindo agora do ponto de uma organização familiar, de acordo com um pressuposto sexual, o de procriar, argumenta que “o único instinto humano que

depende do estímulo do outro” (Lévi-Strauss, 1982, p. 50), ou seja, dentro da constituição de uma sociedade, a principal regra estaria sob o prisma de uma troca.

A sexualidade, nesse caso, seria o que regra conceitos culturais, mesmo que com isso tenha que romper com o que lhe é por natural, formatando assim a estrutura social por meio do qual Lévi-Strauss denominou de “estrutura do parentesco”. Uma posição de choque entre cultura e natureza analisada por meio de dois pontos: o vivido, onde o aspecto sexual é um instrumento de diferentes categorias de trocas e o pensado, pensado num nível mitológico, onde as atitudes e os desejos são tomados de acordo com variados interesses sociais.

Dentro de questões sobre o parentesco e o sexo como parte importante para a construção social, o antropólogo também apresenta sua posição contrária ao incesto, partindo da premissa de proteção do indivíduo de uma consequência genética problemática quando se envolvem um relacionamento entre parentes próximos, pois “nada existe na irmã, na mãe, nem na filha que as desqualifique enquanto tais”. O incesto é socialmente absurdo antes de ser moralmente condenável (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 526).

Neste caso, aos homens da família, cabe a responsabilidade de preparar suas filhas, ou em alguns casos na ausência do pai, irmãs, estabelecendo normas para que estas possam se unir a outros homens que farão o mesmo com as mulheres pelas quais são responsáveis pois estas são essenciais para a constituição de vida do grupo tanto do ponto de vista biológico quanto do ponto de vista social” (LÉVI-STRAUSS, 1976 p. 521).

Tais regras, segundo o autor, teriam, então como foco original não uma condenação pelo fato de uma consanguinidade próxima mas pelo fato de uma ordem natural, um dom adquirido de governabilidade e necessidade social onde tal “proibição do incesto é menos uma regra que proíbe casar-se com a mãe, a irmã ou a filha do que uma regra que obriga a dar a outrem a mãe, a irmã e a filha. É a regra do dom por excelência (LÉVI-STRAUSS, 1976 p. 522).

A relação global de troca que constitui o casamento não se estabelece entre um homem e uma mulher como se cada um

devesse e cada um recebesse alguma coisa. Estabelece-se entre dois grupos de homens, e a mulher figura aí como um dos objetos da troca, e não como um dos membros do grupo entre os quais a troca se realiza (LÉVI-STRAUS, 1976, p. 155).

Segundo, assim, tal teoria apresentada, uma mulher teria uma imensa importância na sociedade apenas como progenitora, condição necessária para constituição e proliferação desta, entretanto sem importância social como parte integrante do meio podendo expor seus argumentos e desejos. Uma mulher seria apenas parte de troca entre os homens, seus responsáveis, para o bem-estar da sociedade.

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