• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 A Teoria das Representações Sociais (TRS): breves reflexões

1.1.3 Uma possível articulação entre a Educação e a Teoria das Representações Sociais

Jodelet (2001) caracterizou as pesquisas sobre representações sociais, dentre outros critérios, segundo a transversalidade que apresentam. As investigações se adentraram em diferentes domínios: Ciências Humanas, Ciências Sociais, e até mesmo Ciências Naturais.

Isso tem garantido a vitalidade da teoria de Moscovici.

[...] Uma das razões que levaram Moscovici (1969, 1984) a restabelecer o uso da noção foi a reação contra a insuficiência dos conceitos da Psicologia Social, a limitação de seus objetos e paradigmas. Esta perspectiva crítica pode provocar uma certa imprecisão nocional, razão também de fecundidade. Na realidade, autorizou empreendimentos empíricos e conceituais diversos e a articulação da concepção psicossociológica à de outras disciplinas. [...] (JODELET, 2001, p. 25).

Wagner (2003) explicou que uma característica dos trabalhos, é, por natureza, a transdisciplinaridade. Para ele, a convergência necessita levar em conta as aproximações conceituais, metodológicas e práticas de áreas afins que possam cooperar.

Sá (1998, p. 39) levantou um argumento que contribuiu para corroborar a proximidade da Teoria das Representações Sociais nas pesquisas empíricas sobre Educação, quando explicou que os temas educacionais são “quase co-extensivos da própria vida cotidiana, onde é amplamente mobilizado o conhecimento das representações sociais”.

Casado; Calonge (2000) destacaram que as explicações sobre os problemas de ensino e aprendizagem se davam seja no campo da Sociologia, seja na Psicologia Educacional Cognitiva, de modo excludente. O advento dos trabalhos da Teoria das Representações Sociais, segundo elas, acarretaria um tratamento baseado na análise das relações psicossociológicas, que transcende às fronteiras destas disciplinas.

Madeira (2001, p. 125) considerou que o enfoque representacional extrapola o ensino e aprendizagem no âmbito escolar, pois este processo articula-se à atualização das relações e práticas sociais. Ela afirmou que “[...] saber e fazer integram-se à dinâmica do viver, como apropriação e expressão”.

Assim, à medida que a Educação emparelha-se à noção das representações sociais, parece definir-se em uma concepção que engloba a construção, a permuta e a transmudação dos significados cotidianamente utilizados pelos seres humanos, lhes servindo para a atuação no sistema da vida comunitária. Esta noção parece propiciar uma nova perspectiva de abordagem do conhecimento e da formação humana, adequada à sociedade moderna.

1.1.3.1 O contexto educacional contemporâneo e a teoria moscoviciana

No cenário educacional da sociedade capitalista contemporânea, que se contextualiza pela interconexão do mundo globalizado, os meios sociais, econômicos e

políticos desenvolvem-se impulsionados pelo crescente fluxo de informações, possivelmente, amplificado pelo advento da informática (ABREU-JUNIOR, 1996).

Nos moldes desse sistema de produção, conforme destacou Abreu-Junior (1996), trabalho e educação parecem vincular-se aos processos de formação em instituições formais e informais de ensino.

O mercado passou a exigir um profissional capaz de adequar-se ao mundo globalizado, com formação especializada, e visão holística: um trabalhador voltado para sua área de atuação, mas capaz de dialogar nos trabalhos em equipe. De certo modo, alguém que possa isolar-se em um terminal de computador, mas que esteja conectado ao mundo real e ao mundo on line (ABREU-JUNIOR, 1996).

Por um lado, essa exigência tem envolvido as escolas, e de um modo ou de outro, com maior ou menor respaldo tecnológico, atua na adequação dos objetivos de ensino- aprendizagem. Por outro, esse ponto de vista parece concorrer na produção do saber popular através da televisão, do rádio, das revistas, dos jornais, da Internet, enfim dos sistemas midiáticos (ABREU-JUNIOR, 1996).

No caso dos meios de comunicação social, o conteúdo é direcionado e planejado para produzir um tipo de educação, menos formal e menos criticável pelo cidadão comum (ABREU-JUNIOR, 1996).

Esse contexto, possivelmente se dá mediante relações dinâmicas, que se estruturam e se re-estruturam nos grupos sociais, impulsionadas pela tensão ou dissenso entre os distintos universos de opinião, que se formam e se transformam.

O diálogo entre indivíduos e culturas vive o paradoxo de um aparente melhor fluxo de comunicação acompanhado do agravamento de desigualdades e distâncias sociais, políticas e econômicas entre os estados nacionais e internas às sociedades. As identidades socioculturais expressam essas ambigüidades e contradições no nível do grupo e da biografia individual (VELHO, 1999, p. 137).

Gilly (2001) entendeu o processo educacional enquanto resultado dos antagonismos entre os diferentes grupos sociais, que por sua vez, se organizam em um todo coerente, o que se articula com as palavras de Velho (1999), acima transcritas.

“[...] Sendo o conhecimento construção e transformação, há um fluxo interminável, no qual se organiza o limite onde é possível haver homem, sociedade, conhecimento e cultura (ABREU-JUNIOR, 1996, p. 19)”.

Assim, parece que o cerne da discussão sobre a produção do saber é a noção de complexidade, na qual, conforme afirmou Jodelet (2003)6, se embasa o construto da Teoria das Representações Sociais, enquanto tentativa de explicação da fluidez do senso comum na sociedade contemporânea.

Os grupos, os subgrupos e os sujeitos são entendidos como sistemas complexos em dinâmica transformação.

Sistemas complexos são sistemas formados por muitas unidades simples, porém interligadas entre si, de forma que uma influencia o comportamento das outras. A complexidade do todo decorre desse entrelaçamento de influências mutuas, à medida que o sistema evolui dinamicamente (OLIVEIRA, 1996, p. 83).

Guareschi (1998), explicou que o sujeito social pode ser um, três ou mais ao mesmo tempo. Quando faz essa afirmação, explica que o homem é um ser aberto e que a incompletude alicerça sua constituição tanto quanto a multiplicidade.

A noção de grupo, implicitamente, vincula o entendimento do termo sujeito e vice-versa. Ao se falar em grupo, enquanto sistema complexo, a noção carrega em si uma relação que se remete, entre outras, às noções de sociedade e de indivíduo.

Relação, segundo Guareschi (1998, p. 151), refere-se a “uma realidade que para poder ser necessita de outra, senão não é”. O autor explica, por exemplo, que o conceito mãe possui uma relação em si, pois ao termo está implícita uma imagem que requer a existência de outra noção, a de filho.

6 JODELET, 2003 em aula ministrada na UFMT, durante o curso denominado Pesquisa qualitativa em

Até este ponto, o termo relação esteve presente no que foi mostrado acerca da sociedade contemporânea, das trocas comunicativas que organizam a produção do conhecimento cotidiano e a manutenção das identidades, enfim, das representações sociais. O conceito relação parece essencial e constituinte na análise dos sujeitos e grupos do compósito social.

[...] É relativamente claro para mim que é possível conceber o ser humano como algo que não é, de modo algum, alguém ‘isolado’, ‘separado’ de tudo o mais, de um lado; nem alguém que é apenas uma ‘peça da máquina’, de outro. E aqui nos valemos do conceito de ‘relação’. O filósofo Agostinho de Hipona emprega, para designar essa concepção de ser humano, o conceito de pessoa. E pessoa, para ele, é relação, isto é, alguém que é um, que constitui uma unidade, mas ao mesmo tempo não pode ‘ser’ em completude sem ‘os outros’; para ‘ser’ ele necessita intrinsecamente dos outros. Pessoa é relação (GUARESCHI, 1996, p. 153).

O homem seria o resultado de infinitas relações que se estabeleceram e se transformaram no decorrer de sua existência. Algumas de maior significado, outras mais efêmeras, todas contribuindo para a construção e transformação desse sujeito que aprende no cotidiano (GUARESCHI, 1996).

Nesse conceito, que carrega a idéia de um sujeito capaz de ampliar seus horizontes e transformar-se, está subentendida a possibilidade formadora do conhecimento cotidiano. A transformação ou formação, nesse entendimento, leva em conta que o conceito subjetividade

[...] enfatiza e tenta dar conta daquela realidade que constitui o ‘conteúdo’ de nosso ser. Isso significa que a realidade que perfaz nossa ‘carga’ existencial são os milhões de relações que estabelecemos no decorrer de nossa vida e que vivemos todos os dias (GUARESCHI, 1996, p. 154).

O valor da aprendizagem, dessa forma, parece confundir-se com a capacidade do sujeito em situar-se enquanto relação, a um leque significativo de universos de opinião. Sendo assim, trata-se do arranjo em transpor posições nos grupos sociais, reconhecendo sua identidade, mas, aberto aos saberes universais. O sujeito constituiria também, neste movimento, sua singularidade.

A singularidade chama a atenção para o fato de que nós somos ‘os outros’, isto é, nos constituímos de relações, de experiências que estabelecemos e vamos estabelecendo a cada dia. [...] à medida que nos relacionamos com o mundo, as

pessoas e as coisas, vamo-nos apropriando desse mundo e nos constituindo como um mundo em miniatura (GUARESCHI, 1996, p. 154).

Jodelet (1985) enfatizou a necessidade de se questionar, nas pesquisas de representações sociais, quem fala e de onde fala. Isto leva em conta o tipo de relação, na qual o sujeito se coloca, enquanto raciocina acerca do objeto. Ele fala enquanto mãe, enquanto filho?

O ensino e a aprendizagem requerem operações e processos cognitivos, levando-se em conta o contexto social dos sujeitos envolvidos.

A experiência que marca o indivíduo está em seu aprender, delimitando-o. Nesta perspectiva, aprender supõe ensinar, numa articulação contínua que atualiza, a cada passo, experiências que se revertem, invertem ou convertem. Somos todos aprendizes e ensinantes, integrando tempos e espaços nas presenças-ausentes ou ausências-presentes (MADEIRA, 1998c, p. 243).

Parece que estas discussões permitem compor o conceito de Educação nos moldes da pesquisa em Psicologia Social, conforme desenvolveu Madeira (2001, p. 125) afirmando que se trata do

[...] processo pelo qual, em diferentes contextos histórico-estruturais e com finalidades, níveis, formas e graus de sistematização diversos, a cultura e o conhecimento são continuamente, transmitidos e (re) construídos, envolvendo a totalidade do sujeito em suas relações com o(s) outro(s). Este processo constitui-se na articulação de relações interpessoais, grupais e intergrupais demarcadas pela pluralidade de culturas. Integra as contradições do próprio sujeito e da totalidade social que conta com este processo como um de seus mecanismos de estabilização. 1.1.3.2 O espaço da educação formal

Loureiro (2003) mostrou que em processos de socialização secundária, como na escola, o conhecimento do cotidiano familiar é confrontado com o de outros grupos e após sua re-significação, ele passa a fazer parte do campo das representações sociais de cada um dos envolvidos.

Em síntese, no ambiente educacional, é importante que os alunos e professores estejam vinculados à realidade psicossociológica do grupo vivente no entorno escolar, em um conjunto que consiga entender que há complexidade nestas relações educacionais e que os

sujeitos são constituintes e constituídos de um processo que envolve as suas histórias sociais e individuais (MADEIRA, 2001; 1998c).

Esta problemática [da educação] não pode ser reduzida a uma questão de responsabilidade ou competência individuais. Fazer isto, implicaria na imediata culpabilização dos mais fracos, seja o professor – incompetente, despreparado...-, seja o aluno – incapaz, desinteressado...-. Mais uma vez, o reducionismo ratificaria estereótipos, permanecendo intocada a dimensão política, em suas raízes históricas e sociais, e escamoteando uma lógica que exclui, ao distinguir diferenças que nela não têm espaço para existir. Importa, portanto, a construção de caminhos que permitam uma aproximação pertinente dos problemas. Isto equivale optar por considerá-los como sínteses de articulações complexas, ou seja, a definir sujeitos e objetos sem os isolar das relações que, em vários níveis, os vão articulando e a seu entorno. Equivale a assumir que viver e aprender não podem ser dissociados, pois isto implicaria na negação de ambos (MADEIRA, 1998c, p. 245 – 246).

A educação constituir-se-ia, desse modo, em um sistema de valorização e diálogo com o conhecimento do senso comum, preconizando a superação da dicotomia entre a teoria e a prática. O processo educacional não se dissociaria do movimento em que se constroem as representações sociais, sendo ambos, mutuamente constituídos e constituintes (LOUREIRO, 2003).

As políticas educacionais contribuiriam para a formação de um docente que garantisse a troca de informações acerca de assuntos do cotidiano, ao invés de apenas buscar que o aluno se direcione ao mundo do conhecimento científico e formal. Ao contrário disso haveria o risco de, em suas objetivações, os alunos transmudarem este conhecimento em conceitos superficiais, capazes de confirmar preconceitos pré-existentes em seu campo social (LOUREIRO, 2003).

Guareschi (2000) destacou os trabalhos de Paulo Freire enquanto expressão de um possível e vindouro paradigma no campo da educação brasileira, guiado pela valorização do processo consciencização, que vincula em um mesmo acontecimento a tomada de consciência e a ação, o falar e o fazer, enfim, a teoria e a prática.

Não há para mim, na diferença e na ‘distância’ entre a ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura experiência feito e o que resulta dos procedimentos metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar- se, tornando-se então, permito-me repetir, curiosidade epistemológica,

metodicamente ‘rigorizando-se’ na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de maior exatidão (FREIRE, 1996, p. 31).

A elaboração freiriana parece aproximar-se das discussões educacionais propostas sob o foco da Teoria das Representações Sociais, pois ela parte do conhecimento natural do aluno e o ajusta aos novos saberes, de forma aceitável ao sistema de explicação da realidade de que o aprendiz é partícipe.