5. ESTUDO DE CASO: CANAL JORNALÍSTICO MYNEWS
5.1 Uma primeira aproximação ao objeto: do hibridismo das linguagens ao
5.1Uma primeira aproximação ao objeto: do hibridismo das linguagens ao modelo
de negócios
Como já exposto no capítulo metodológico, para realizar a análise e compreender
as transformações e adaptações sofridas no jornalismo no momento em que ele se desloca
para a internet, em especial para a plataforma YouTube, a partir da experiência do
MyNews foram selecionados 3 vídeos dos 3 quadros descritos acima, sendo 9 vídeos no
total. O principal objetivo da análise é o de elucidar o papel do jornalismo na nova era
digital, na qual as relações são permeadas pelo virtual e tendem a sofrer um processo de
modificação profunda. Quando inserido neste universo, o jornalismo passa não somente a
fazer parte, mas sim, a ser um mediador de relações virtuais, sendo, ele próprio atingido
pelas lógicas do virtual. Para ocupar esse papel no meio online, o jornalismo,
hipoteticamente, precisaria se adequar às novas maneiras de comunicar que surgiram com
a internet. Dessa forma, ao analisar o caso do canal jornalístico MyNews, no YouTube,
procuramos observar: quais as marcas jornalísticas que predominavam nos vídeos e, além
disso, se traços característicos da plataforma tinham sido adotados ou adaptados para o
campo jornalístico representado pelo canal e, se sim, quais seriam essas particularidades.
No mais, importa entender as rotinas de produção do meio e a percepção de alguns de
seus jornalistas a respeito das eventuais alterações notadas em relação a outras
experiências jornalísticas.
Primeiramente, é interessante entender como o canal classifica o jornalismo
praticado por ele. Na entrevista para esta pesquisa, a jornalista e editora do quadro Sem
Politiquês, Myrian Clark escolheu duas palavras para descrever a prática do MyNews
“liberdade” e “pluralidade”. Segundo a jornalista, não há qualquer grau de censura e
todos os temas podem ser abordados no canal. Esse último elemento foi notado pela
jornalista em mais de uma situação, em particular para se referir às rotinas produtivas do
canal: os seus jornalistas têm, segundo ela, liberdade para definir as pautas e abordá-las
da maneira que acharem importante. Voltaremos a esse ponto mais à frente. Como
destaca Clark:
Eu classificaria como um jornalismo plural, porque a gente procura sempre
ouvir todos os lados. A gente é muito xingado nos comentários, nas redes,
falando “ai vocês são de esquerda” ou “ai vocês são de direita”, a gente acha
isso até bom porque é um sinal, se nós estamos apanhando dos dois lados é
porque a gente está trazendo os dois lados. Acho que essa é a principal
característica do jornalismo do MyNews. (CLARK, 2019)
A jornalista Gabriela Lisbôa, apresentadora do MyNews Explica, também recorre
à palavra “plural” para descrever o conteúdo jornalístico do canal e o que seria uma de
suas marcas principais. Ela também menciona a liberdade dos profissionais.
Eu acho que é um jornalismo muito bom, é um jornalismo sério, de qualidade
e, principalmente, um jornalismo plural. Onde a gente ouve todas as pessoas da
extrema esquerda, da extrema direita. Fazemos questão de ouvir diferentes
visões, diferentes opiniões, para que a pessoa que segue o canal possa formar
sua própria opinião, acho que esse é o mais importante. A gente tá ouvindo
todo mundo para que as pessoas a partir disso formem as suas opiniões.
(LISBÔA, 2019)
A partir do discurso de ambas as entrevistas, é interessante notar como elas
recorrem a uma ideia bastante comum a toda a comunidade profissional, ou seja, a ideia
de que a pluralidade se conseguiria quando se ouvem os dois lados. Além disso, ao
falarem da liberdade, tanto Clark quanto Lisbôa defendem a liberdade de conteúdo e de
linguagem que é, segundo afirmam, articulada no canal. Lisboa aponta que, no
telejornalismo sempre há aquelas “palavras proibidas”, as quais a emissora não permite
que sejam faladas quando o jornal está no ar. Menciona, ainda, que em veículos
tradicionais há “pessoas que não podem ser entrevistadas”, “assuntos nos quais não se
pode tocar”. Afirma, porém, que em um canal jornalístico no YouTube como o MyNews
isso não ocorre. Há, segundo ela, liberdade de dizer nomes de marcas, de loja, de outros
canais de TV e está tudo bem, até mesmo, quando escapa algum palavrão.
Quando a gente trabalha numa grande empresa a gente tem coisas que a gente
não pode falar, pessoas que a gente não pode entrevistar, tem assuntos que a
gente não pode tocar. No MyNews a proposta é que a gente possa fazer o que é
importante, que a gente possa ouvir quem tem coisas pra dizer, sem se tolher,
sem cuidar porque “ai não pode falar isso porque talvez fulano não goste”.
Então a gente tem uma liberdade muito grande para trabalhar e isso é muito
bom. (LISBÔA, 2019).
De outro lado, Gabriela Lisbôa afirma que no MyNews “não tem drama” quando
o assunto é lidar com imprevistos, e cita que uma colega de trabalho já atendeu o celular
em um jornal ao vivo, algo que seria inadmissível em um jornal tradicional. Dessa forma,
as jornalistas que atuam no canal o definem como um canal autônomo, onde há liberdade
de conteúdo e de linguagem, e pluralidade.
Ao analisar o canal como um todo, em particular a partir dos vídeos que compõem
o corpus de análise, podemos perceber uma primeira diferença mais marcante em relação
ao jornalismo televisivo tradicional para além da maior flexibilidade na estrutura das
pautas e abordagens, já mencionadas pelas jornalistas entrevistadas. Apesar de utilizar do
audiovisual para transmissão de notícias e informações, como o telejornalismo, a maneira
com que o canal é organizado se assemelha aos canais de produtores de conteúdo da
plataforma, os YouTubers.
O MyNews é organizado por meio de quadros temáticos (Figura 6), sendo essa
uma das características da plataforma: muitos YouTubers separam seus vídeos em
quadros que possuem eixos temáticos, os quais são postados em dias específicos da
semana. O MyNews utiliza desse procedimento a fim de separar as bases de conteúdos
jornalísticos, como por exemplo, o Segunda Chamada, que é um quadro destinado a
debates, normalmente de cunho político, veiculado todas as segundas-feiras e gravado nos
estúdios do YouTube, no Rio de Janeiro; já o Morning Call é um quadro diário que é
publicado todas as manhãs, gravado da casa de duas das jornalistas do canal, marcado
pelo tema “economia” e discute sobre o mercado com convidados especialistas.
Figura 6. Página inicial do MyNews que mostra os vídeos divididos em quadros
Fonte: Retirado da página do canal no YouTube
Dessa forma, o modo como o MyNews estrutura os seus conteúdos se assemelha
à organização dos outros canais da plataforma, que não são ligados ao conteúdo
jornalístico. Já nesse ponto, é possível identificar uma hibridização da estética do
YouTube com a linguagem jornalística, que se adapta às novas maneiras de comunicação
que surgiram através da internet, mas sem deixar de lado características intrínsecas ao
modo de funcionamento da profissão enquanto prática profissional. Esse aspecto é, aliás,
muito marcada nas entrevistas de ambas as jornalistas, que afirmam, categoricamente,
que as alterações de cenários, linguagens e do meio por meio do qual os conteúdos
jornalístico são transmitidos não tornam a prática menos jornalística.
Por outro lado, essa hibridização da linguagem remete à noção de convergência
das novas e antigas mídias, defendida por Jenkins (2009) e outros autores. Segundo o
autor de Cultura da Convergência, “o emergente paradigma da convergência presume
que novas e antigas mídias irão interagir de formas cada vez mais complexas”, e isso se
confirma ao observar o MyNews, que mescla linguagens de uma mídia jornalística
tradicional, particularmente a televisiva, com a forma e a estética desse novo meio de
comunicação em que se transformou o YouTube.
Além da organização do canal em quadros, outra questão aponta para a
convergência de linguagem: os títulos escolhidos para cada vídeo. No YouTube, há a
utilização do que é chamado de “clickbait”, ou seja, os produtores de conteúdo utilizam
manchetes sensacionalistas, ou simplesmente chamativas, para atrair os “cliques” dos
usuários. No MyNews, não há a utilização de títulos sensacionalistas, mas, em
determinados quadros, há o uso de linguagem cômica, sarcástica e, até mesmo,
provocativa, que se encaixa nos parâmetros desenvolvidos e estabelecidos na plataforma.
Alguns dos vídeos dos quadros selecionados para análise possuem essa característica
marcante, por exemplo, um vídeo do quadro MyNews Explica, intitulado “Eduardo, do
you speak english?”, que satiriza a possível nomeação de Eduardo Bolsonaro, filho do
presidente da República, para chefiar a embaixada do Brasil nos Estados Unidos; ou o
vídeo do “Empreender É Mara”, que leva o título “Pari uma empresa, perdi o marido”, o
qual carrega uma linguagem cômica e provocativa. Além desses, outros quadros do canal
também utilizam dessa prática, como o quadro Segunda Chamada, um dos mais assistidos
do MyNews, que utilizou, em uma de suas edições, a seguinte chamada: “Profissões que
transam mais, traição, brinquedos sexuais e o que dizer quando você está transando”,
além de utilizar a palavra “sexo” em destaque na thumbnail
6do vídeo. Dessa maneira, a
utilização de títulos chamativos, característica muito marcada em conteúdos disseminados
no YouTube, passa a ter um peso importante na produção de conteúdos jornalísticos
disseminados nesses ambientes virtuais. É válido lembrar que chamadas sensacionalistas
também são utilizadas no jornalismo televisivo, porém, na internet, ganham uma
proporção maior e uma nova finalidade: os cliques, ou seja, atrair os usuários para que
eles acessem determinados conteúdos. Com efeito, trata-se de uma economia do clique,
baseada também na ideia de que o usuário da internet teria um comportamento volátil,
dado que exposto a uma infinidade de conteúdos que se digladiam pela sua atenção.
Assim, não se pode dizer que o MyNews instaura uma prática nova no jornalismo, dado
que esse tem, desde sempre, investido em estratégias de apelação do seu público, quando,
por exemplo, pensa em títulos que prendam o leitor. No entanto, pode-se dizer que a
chegada da internet, o boom das redes sociais digitais e todo o conjunto de conteúdos
esteticamente atraentes levaram o jornalismo praticado na web a tornar mais fluidas as
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