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PARTE II – O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO: DE COLEÇÃO PRIVADA A ACERVO

CAPÍTULO 1. A TIPOLOGIA “CASA-MUSEU”

1.4 Uma reflexão, à laia de conclusão

Segundo o projeto de categorização antes mencionado, a CMMA integra-se na categoria de “Casa de Colecionador” cuja definição, traduzida para português, refere: “…

uma casa onde viveu um coleccionador, onde ele recolheu, onde foi guardando a sua

former or current residential use, open to the public); HumbH - Humble homes (vernacular buildings such as modest farms valued as reflecting a lost way of life and/or building construction); - HousfM – Houses for Museums, (a house that becomes a venue for different collections not related to its history) - Rooms - Period Rooms. [Em linha], [Consult. 15 Nov. 2015] Disponível em WWW: <URL:

http://DEMHIST.ICOM.museum/shop/data/container/DEMHIST_CategorizationProject_I_Data.pdf>

199 A list of House Museums and their proposed categories. PAVONI, p.4. 2005-09. [Em linha], [Consult. 15 Nov.

2015] Disponível em WWW:<URL: www.DEMHIST.ICOM.museum/CategorizationProject.pdf >

200 Encabeçado por Maria de Jesus Monge, Vice-Presidente do DEMHIST e Diretora do Museu da Casa de

Bragança, Paço Ducal de Vila Viçosa.

201 A primeira conferência internacional teve lugar em 2005 (Museu Nacional de Etnologia). Últimas reuniões:

Guimarães (2010), Lisboa (2011), Alpiarça (2012), Porto (2013), Tormes (2015).

202 MONGE, Mª de Jesus, O projecto de categorização de Casas-Museu do DEMHIST, Boletim RPM, 2010, p.7

[Consult. 15 Nov. 2015] Disponível em WWW: <URL: http://www.patrimoniocultural.pt/pt/museus-e- monumentos/rede-portuguesa/boletim-rpm/, MONGE, Mª de Jesus, Jornadas de trabalho DEMHIST, Paço dos Duques em Guimarães, 2010 [Em linha], [Consult. 15 Nov. 2015] Disponível em WWW: <URL: http://casas- museu-em-portugal.blogspot.pt/2010/02/o-projecto-internacional-de.html>

69 colecção e também pode ser uma casa onde o coleccionador não viveu, mas onde actualmente é exposta a sua colecção.”204 Percorrendo as definições das categorias, parece-

nos acertada a escolha do DEMHIST, sendo que a CMMA é de facto, a antiga residência de um colecionador, alberga a sua coleção, que, por sua vez, é a protagonista da instituição.

De acordo com os autores supracitados, uma casa-museu é um equipamento cultural que parte do pressuposto da existência de um patrono, de uma habitação e de uma coleção e a sua missão inclui a interpretação da memória pessoal do seu fundador.

A realidade da Casa-Museu Medeiros e Almeida está portanto plenamente identificada pelos mais recentes estudos; os pressupostos da tipologia são cumpridos pela Instituição, sendo que as dimensões pública e privada estão patentes no discurso expositivo. Ao visitante é proporcionado o contacto com uma vivência específica, uma identidade, cuja personalidade, gosto, formação ideológica e cultural do patrono são contextualizados pela museografia. Esta está vocacionada não só para a apresentação das diferentes coleções, mas também para a revelação do intimismo da vivência anterior do edifício através da manutenção dos espaços domésticos originais

A intenção de AMA de constituir uma casa-museu encontra-se claramente indicada nos estatutos da Fundação; a importância deste documento confirma não só a sua opção por esta tipologia de museu, como também pela valorização do recheio da casa, colocando o foco no acervo, conforme o artigo atrás referido sublinha: “…sendo o seu recheio

constituído por quadros, tapeçarias, tapetes, móveis, esculturas, pratas, porcelanas, relógios, joias, leques, azulejos, lustres, adornos diversos, livros e outros objectos de carácter artístico ou cultural…”205

A questão da valorização da coleção versus a valorização do personagem (presente na tipologia “Casa de Personalidades”) esteve presente na definição da missão da CMMA, especialmente aquando da elaboração da proposta funcional da Instituição. Estava em causa direcionar o trabalho museológico exclusivamente para o estudo, divulgação e salvaguarda

204 RODRIGUES, Elsa; Jornadas de trabalho DEMHIST, Paço do Duque, Guimarães, 2010 [Em linha], [Consult. 15

Nov. 2015] Disponível em WWW: <URL: http://casas-museu-em-portugal.blogspot.pt/2010/02/proposta-de- categorizacao-das-casas.html>

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da coleção ou integrar na missão o estudo e divulgação da vida e obra de AMA, mantendo viva a memória do fundador enquanto colecionador e empresário.

Qual seria a sua vontade? Porquê uma casa-museu? Estaria AMA consciente das implicações da tipologia “casa-museu”? Conhecedor como era de outras realidades semelhantes, a não desejar esse tipo de protagonismo, o colecionador poderia ter optado por uma doação a um museu ou mesmo ao Estado. São muitos os casos que conhecia, nacionais e internacionais como a Jones Collection doada ao Victoria & Albert em 1882, a coleção Untermyer doada em 1941 ao Metropolitan de Nova Iorque, as doações feitas ao Museu Nacional de Arte Antiga, em 1969, de Calouste Gulbenkian, de Francisco Barros e Sá (ourivesaria) ou de Ernesto Vilhena (escultura), se bem que neste caso a doação foi feita em troca da isenção de pagamento do imposto sucessório ou a doação ao estado de Anastácio Gonçalves206.

Medeiros e Almeida era sempre muito abrangente na abordagem das questões que o moviam no entanto, temos por certo que, a sua opção terá sido principalmente orientada pela preocupação de evitar a dispersão do património e da sua valorização museológica e não por um exercício crítico sobre a essência tipológica do modelo de instituição que escolheu. No entanto, e apesar de se desconhecerem quaisquer determinações relativas ao registo da sua vida e obra, AMA estaria ciente de que esta opção implicava a perpetuação não só da sua coleção e casa como também do seu nome e memória.

Em 1979 terá expressado a Jacques Bruschin-Mortiau (1931-?, engenheiro, professor da Escola Politécnica de Lausanne, Suíça, colecionador e especialista em porcelana da China), aquando de uma visita deste à coleção, as suas inquietações quanto à futura salvaguarda de um espírito intimista que ele gostaria de ver refletido na sua Casa-Museu. O registo foi tansmitido pelo próprio colecionador, 10 anos depois, aquando de uma segunda visita (março de 1989) à coleção em carta dirigida à administração da Fundação, agradecendo a visita: «…Si j’étais émerveillé cette fois comme il y a dix ans par le goût très sûr et la grande

persévérance de feu son propriétaire, je m’interroge encore sur la possibilité de concilier le cachet très particulier que dégage la demeure – celui de la maison d’un amateur éclairé d’art et de belles choses qui collectionne des céramiques de Chine, des montres et la peinture de

71 van Goyen – avec le besoin de préserver les objets contre l’usure sinon le vandalisme, une fois qu’elle sera ouverte au public. Je me souviens qu’António de Medeiros avait beaucoup insisté lors de notre rencontre sur cet aspect presque intimiste (je dirai anti-musée), qu’il souhaitait sauvegarder. La solution, difficile (mais est-ce-que ce serait intéressant sans cela ?), qui vous incombe maintenant, est fondamentale, parce qu’elle déterminera le caractère de l’ensemble, tel qu’il sera perçu par les futurs visiteurs intéressés.»207

Na ausência de um esclarecimento cabal da questão, a direção da CMMA escolheu enveredar por uma vertente abrangente incluindo na sua missão o estudo tanto do património material como do imaterial. Duas linhas de interesse foram estabelecidas: o estudo das obras de arte constantes do acervo contribuindo para um aprofundamento do conhecimento das artes decorativas em Portugal e o estudo da vida e obra de AMA valorizando o seu papel de colecionador e empresário pretendendo gerar um contributo para a história do colecionismo em Portugal no século XX.

207 Vide Anexo II, 4, pp. 14-15

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