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Uma terra de relações e o estado de Minas Gerais

CAPÍTULO III: FAZER AMIGOS, CONSTRUIR ALIANÇAS

3.4. Uma terra de relações e o estado de Minas Gerais

Com todos os elementos mostrados ao longo deste trabalho, explicitando a forma kiriri de construir um lugar de vida, trabalho, afeto e significação no Sul mineiro, compreendemos que estas pessoas estão exigindo muito mais do que apenas a doação das terras pelo estado de Minas Gerais. Inspiradas pelo que aponta Molina (2017) acerca das

retomadas de terras realizadas pelos Tupinambá da Serra do Padeiro, afirmamos que, para os Kiriri, reivindicar a terra ocupada no Rio Verde “trata-se, antes, de garantir as condições para que a vida se faça possível, e de construir possibilidades de vida – algo que não se dá senão nas terras” (MOLINA, 2017:27). A autora também demonstra como as autodemarcações e as retomadas de terras apontam que os indígenas “voltam-se, antes, para as terras; agem sobre elas – com seus seres, sua história, seus lugares e potências. E buscam garantir o reconhecimento dessas áreas pelo Estado para que a vida presente e futura se faça possível” (MOLINA, 2017:27). Gostaríamos de acrescentar, como já vimos ao longo deste trabalho, que também as ocupações de terra são formas de reivindicação ao estado brasileiro (SIGAUD, 2000; LOERA, 2004.) e, no caso dos Kiriri, a reivindicação não diz respeito somente ao reconhecimento de direitos sobre determinada parcela do espaço. Trata-se, antes, de reivindicar a possibilidade de construir relações de amizade e aliança, de fazer parentes e de reconhecer naquele território uma âncora ligada ao seu passado indígena, mas também a possibilidade de um presente que esteja de acordo com a forma ideal de se relacionar kiriri, garantindo o futuro deste povo.

Assim, os movimentos gerados por retomadas de terras, autodemarcações e, como mostram os Kiriri, por ocupações indígenas parecem mostrar sentidos específicos de insubordinação. Tais movimentos apontam, portanto, para

afirmações radicais de diferença, isto é, de vida, de mundos que são e que se desejam outros, múltiplos – e possíveis. Em sua resistência ao avanço das forças de sujeição e eliminação/ neutralização da diferença (resistência ao cerco sistemático contra aquilo sobre o qual essa diferença repousa: a terra, o cosmos, os corpos), as lutas indígenas constituem-se como uma força outra, como movimentos de ampliação e de criação de possíveis, movimentos para-a-diferença (MOLINA, 2017:27).

Ao contrário da gama de relações entre parentes, amigos, encantados e parceiros de troca que os Kiriri mobilizam para dizer da terra verde, o estado de Minas Gerais reifica apenas um argumento: a terra do Rio Verde deveria se converter em algo produtivo para o estado, se não em um campus universitário construído pela própria UEMG, os trinta e nove hectares de terra deveriam se transformar em formas de ajudar o estado mineiro a quitar suas dívidas.

Em muitas das reuniões que acompanhei entre os Kiriri e agentes estatais de Minas Gerais me impressionava com a não-afetação daquelas pessoas quando ouviam a voz trêmula de Carliusa ou as importantes falas do cacique Adenilson. Em um desses

encontros, ocorrido ainda sob o governo de Fernando Pimentel – PT (2014 – 2018) e logo após o retorno dos Kiriri de Patos de Minas para o Rio Verde, o pajé Kiriri decidiu encerrar a reunião com uma apresentação de Toré no entorno da mesa central de uma das salas de reuniões da Cidade Administrativa, como dissemos anteriormente. Tal ato demonstra, mais uma vez, que a política kiriri é feita por diversos “personagens”, sendo o cacique e o pajé os principais sujeitos diplomáticos. Enquanto dançavam e cantavam alguns cantos do Toré, quatro representantes do estado mineiro continuavam apáticos em suas cadeiras. Constrangidos com o que viam, os funcionários tentavam disfarçar aquele momento olhando para baixo, “concentrados” nas anotações que fizeram durante a reunião.

Em outra ocasião, desta vez em reunião entre representantes do estado mineiro no recém assumido governo de Romeu Zema – Partido Novo (2018 - ) e povo Kiriri do Rio Verde, Lucas Reis, um dos advogados que tem acompanhado os Kiriri, mostrava um abaixo-assinado que contava com assinaturas dos moradores do Rio Verde e de Caldas, também de vereadores e do prefeito do município Sul-mineiro, que argumentava favoravelmente à permanência dos Kiriri nas terras do Rio Verde. Olhando aquela cena, os funcionários do estado foram completamente indiferentes ao gesto do advogado. Enquanto segurava as folhas de assinaturas em direção aos representantes do novo governo, estes últimos sequer as seguraram: ficaram encarando-a, como se pouco adiantasse as relações firmadas entre os Kiriri no Sul de Minas e as pessoas daquele lugar. Naquela reunião decidiram que apenas concederiam a terra do Tapuia aos Kiriri se a Funai lhes oferecesse alguma outra terra em troca e, como já mencionei, até o fim da escrita deste trabalho, esta é a última atualização em relação à terra do caso kiriri do Rio Verde.

Como mostramos até aqui, se olharmos atentamente para os termos “terra” e “ocupação” veremos que os entendimentos do estado mineiro em relação aos entendimentos kiriri produzem um efeito, como nos alertou Vivieros de Castro (2018), de equivocação. Como mostra este autor, “traduzir é presumir a diferença” (:262) e, por isso, ao longo dos capítulos II e III deste trabalho tentamos acessar os significados de terra, de forma que pudéssemos, em algum sentido, remexer nossos próprios conceitos, a fim de compreender o que nos diziam os Kiriri quando mencionavam a “terra”.

Portanto, temos que o estado compreende a “terra” e, sobretudo, a terra verde, em termos mercantis ou acha possível que acampamentos do Movimento Sem-Terra e

acampamentos indígenas sejam a mesma coisa a ponto de os colocarem para habitar a mesma terra e, por isso, subjuga as multiplicidades de mundos. Ao contrário, inspiradas em Clastres (1980b [2004]), dizemos que os Kiriri nos mostram o “horror ao Um” e, assim, não param de “multiplicar o Múltiplo”, expondo suas diferenças e multiplicidades, produzindo relações de várias ordens entre humanos e não-humanos para permanecerem na terra desejada.

É também na terra verde, durante os rituais que só são possíveis ali, que os Kiriri estabelecem relações diplomáticas com todos os habitantes de seu cosmos. A terra verde é, por excelência, o lugar de se fazer política e, por isso, o convite para visitar a aldeia é estendido para os moradores locais, prefeitos, vereadores, representantes do estado, professores e reitora da UEMG, representantes do CIMI e da CPT e até membros do MPE e MPF. Assim como convidam os encantados quando solicitam sua presença através dos cantos anunciados nos rituais do Toré e da Ciência, convidar as pessoas com quem desejam negociar e produzir relações de amizade e apoio político faz parte também de um momento ritual em que as pessoas são convidadas à participarem da política kiriri no lugar, por excelência, onde ela é firmada.

Sztutman (2012) nos convida, em O profeta e o Principal, a pensar com Clastres, apontando a valiosa lição de que devemos nos atentar para as formas políticas indígenas e seus vetores próprios e assim pensar a relação dos povos indígenas com o Estado muito mais como uma tensão que faz brotar outras formas de resistência. O não reconhecimento por parte do Estado da terra de relações a qual nos mostram os Kiriri quando dizem da terra verde nos lembra Viveiros de Castro (2004:319) quando este diz que “a imanência e a multiplicidade são sempre escandalosas aos olhos do Um”. Neste sentido, o estado de Minas Gerais, sob forma de seus representantes, tenta sucumbir a multiplicidade de mundos, ignorando a maneira kiriri de produzir território, as trocas tangíveis e intangíveis realizadas no Rio Verde, o apoio político oferecido às famílias indígenas através de um abaixo-assinado ou mesmo o pertencimento daquelas famílias ao bairro. Os Kiriri, por sua vez, demonstram que viver em uma terra só é possível construindo parentes, deixando as cancelas abertas para tecer redes de apoio e amizade e firmando acordos mútuos com parceiros de trocas em um cosmos que congrega parentes, amigos, tapuias e encantados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo explicitar como os Kiriri do Rio Verde, vindos do Oeste da Bahia, têm construído seu território no Sul-mineiro. Para isso, observamos como eles transformam este novo espaço em seu lugar de afeto, trabalho e significação. Dando centralidade à ideia de que territorialidades são processos de construção de territórios (PIETRAFESA DE GODOI, 2014) e, por isso, estes últimos são construídos e reconstruídos em uma movimentação constante, tomamos em conta seguir os Kiriri, sobretudo o chefe Kiriri e sua esposa, nestes movimentos, descobrindo com eles os caminhos que deveriam percorrer. Além disso, os Kiriri me mostraram, a partir da terra verde, como a possibilidade de construir relações frutíferas os movia na construção de um novo território e, por isso, este trabalho é permeado por relações de várias ordens.

Dei início à esta dissertação contextualizando o leitor que, muito provavelmente, se perguntou por qual motivo aquelas pessoas decidiram percorrer mais de mil e quinhentos quilômetros em busca de um lugar de vida. Vimos que os Kiriri conheceram Caldas a partir das relações de apoio e aliança que construíram com seus antigos amigos Xucuru-Kariri, e que a experiência vivida no Sul mineiro, quando alguns kiriris coabitaram com seus antigos aliados, foi crucial para que decidissem lá viver. Ainda, abordamos as andanças kiriri desde Lagoa Grande, um dos núcleos que compõem a Terra Indígena Kiriri de Mirandela, e ainda, como de fato se deu a saída de Muquém de São Francisco para Caldas, explorando as relações de parentesco e a constituição de caciques kiriri. Com isso, lançamos um olhar sobre o histórico processo de faccionalismo kiriri e, como demonstramos, a ida para Caldas é apenas mais um fragmento de um contexto mais amplo, historicamente compreendido.

Partimos da categoria êmica terra verde, utilizada por meus interlocutores para descrever a terra que ocupam no Rio Verde. Tomamos em conta que o conceito de terra, como alerta Antonádia Borges (2014), deve ser compreendido em seus contextos de análise específicos e analisamos os atributos que acompanham este termo para entendermos seus significados contextualmente. Refletir sobre a terra verde nos apresentou uma gama de relações firmadas no Rio Verde. Através da terra verde, os Kiriri evidenciaram relações de apoio político, negociação e amizade entre humanos, tapuias e encantados no que chamam de nossa terra. Seguindo esta pista, quando falava sobre sua terra no Rio Verde, os Kiriri, como no caso Kisêdjê (COELHO DE SOUZA, 2013),

diziam muito menos de um pronome possessivo, e muito mais das relações entre humanos e não-humanos que ali firmavam.

As relações de amizade e apoio político ganharam importância na dissertação enquanto caminhos que também participam da construção de uma territorialidade própria kiriri do Rio Verde. Detalhamos em que circunstâncias se deu a ida dos Kiriri para Patos de Minas e como esta ida evidenciou que a terra verde diz também de uma maneira de construir relações de amizade, afeto e apoio político, sobretudo na situação em que estão. Ainda, a partir desta análise etnográfica compreendemos como a terra do Rio Verde, até aqui descrita sob o olhar dos Kiriri, é apreendida pelo estado mineiro.

Neste sentido, além de elaborar uma noção de terra própria dos Kiriri, evidenciamos as equivocações, aqui lembrando Viveiros de Castro (2018), entre povo Kiriri e o estado de Minas Gerais. No sentido em que uma boa tradução é aquela que presume a diferença (VIVEIROS DE CASTRO, 2018) a partir de uma análise etnográfica do que é a terra para os Kiriri, evidenciamos ainda qual é a compreensão deles mesmos com relação à ocupação de uma terra, que presume a caminhada, percorrendo e conhecendo seu território e a região em que estão, plantando e colhendo frutas, hortaliças, verduras e relações com parentes, amigos, encantados e tapuias, e, assim, conseguimos observar, como contraponto, como o estado de Minas Gerais compreende uma ocupação indígena, deixando de considerar suas particularidades quando, por exemplo, os propõe que vivam junto de pessoas do MST em uma mesma terra em Patos de Minas.

Tratamos ainda de evidenciar o lugar sagrado, como o cacique Kiriri classifica a terra em que vivem. Mobilizando diversas características da ordem do sensível, tais como ver um cheiro diferente, o cacique esclarece que a terra do Rio Verde é única e que dela devem cuidar pelo resto da vida, como pediu o tapuia, seu verdadeiro dono e parceiro de troca dos Kiriri. Além de se ancorarem no passado indígena da terra, os Kiriri exploram a possibilidade de futuro na localidade. Assim, a ideia de lugar sagrado, como é colocado pelos Kiriri, flexiona a própria ideia de “terra tradicionalmente ocupada”, como é, no próprio caso dos Kiriri, diversas vezes reiterada pelo estado. Os representantes do estado de Minas Gerais, sob governo de Romeu Zema (Novo), argumentam que a situação de ocupação de terra dos Kiriri é preocupante e, ao mesmo tempo, fornece um ônus ao estado mineiro, já que esses índios não são nem de Minas, mas da Bahia. Quanto à esta afirmativa dos agentes estatais, que demonstra certo desconhecimento e oportunismo, é importante lembrar que já no ano de 1996, o antropólogo João Pacheco de Oliveira

afirmava que “não é da natureza das sociedades indígenas estabeleceram limites territoriais precisos para o exercício de sua sociabilidade. Tal necessidade advém exclusivamente da situação colonial a que essas sociedades são submetidas” (1996: 9). O estado mineiro entende, portanto, que uma terra ocupada por indígenas deve estar ancorada em uma ocupação historicamente reconhecida e não seria esse o caso dos Kiriri. Este argumento é rebatido pelos próprios Kiriri através das formas relacionais que criaram no Rio Verde, sobretudo com o Tapuia, o velho índio verdadeiro dono da terra.

O conceito de “terra tradicionalmente ocupada” consiste, é claro, em uma categoria jurídico-política, resultado de intensas negociações em que a antropologia participou ativamente, como lembram Dias & Capiberibe (2019). Fundado na premissa dos “usos, costumes e tradições”, diferente da obviedade que o estado mineiro acredita existir, o conceito de “terra tradicionalmente ocupada”, como mostra Coelho de Souza (2017), deve ser preenchido. E se o conceito não pressupõe obviedade, é necessário considerar que exista um contraste e, por isso, uma possível comparação entre a “terra” entendida pelo estado de Minas Gerais e a “terra” kiriri. Fundadas no parentesco e na aliança, sob forma de amizade, as relações kiriri tornam a terra do Rio Verde tradicionalmente ocupada, uma vez que, como demonstrei, para essas famílias é terra kiriri em qualquer lugar em que as formas tradicionalmente relacionais kiriri, entre humanos e eles mesmos e os não-humanos que compõem seu cosmo, sejam possíveis.

Assim, a terra ocupada em março de 2017 por um grupo de famílias kiriri, lideradas pelo cacique Adenilson, que se constituíram povo Kiriri do Rio Verde no processo de construção de seu território no Sul-mineiro, parece já estar repleta de significados. A terra já pertencia ao tapuia e suas matas e águas já se constituíam enquanto morada dos encantados. O que meus interlocutores parecem fazer, além de construir suas relações ali, é, sobretudo, decodificar tais elementos, em um movimento duplo de evidenciar e atribuir significações. Neste sentido, o território kiriri do Rio Verde é construído onde há possibilidade de vislumbrar o futuro e ancorar o passado. Em caráter de hipótese, pensamos que talvez seja por isso que Adenilson diz querer contar sua história somente a partir do Rio Verde, já que só agora poderá construi-la. Assim, a temporalidade e o território estão entrelaçados na construção da história do cacique, hipótese que devemos explorar futuramente.

Em todas as vezes que estive na aldeia, presenciei um lugar em transformação ou melhor, um território em construção. Além das relações de amizade que a cada dia

aumentavam, casas de barro novas eram construídas, novas famílias chegavam de Muquém de São Francisco e algumas poucas retornavam ao Oeste baiano. Presenciei quando a cabana estava coberta de folhas de palha encontradas na região sul-mineira e quando, algum bom tempo depois, foram trocadas por telhas de amianto. Acompanhei a luta dos Kiriri para conseguirem suas casas com luz elétrica, para que pudessem usar suas geladeiras ou mesmo carregar seus celulares, objeto que os conectam com amigos e aliados distantes. Em minhas visitas também percebi como as liminares de reintegração de posse se transformavam em noites sem dormir, em medos de todas as ordens, medo da polícia, medo que desconhecidos invadissem a terra, medo de alguém chegar durante a noite. Notava também que os medos se transformavam em sentimentos de acolhimento, quando os Kiriri pediam ajuda aos encantados para que protegessem sua terra. Ainda, percebi que o mesmo medo de ter que sair daquela terra sob ordem judicial e ação violenta da polícia se transformou em alegria e sorriso na semana santa, ou na melhor semana da vida de meus interlocutores. Presenciei muitas vezes o que está escrito neste trabalho sendo contado ao estado de Minas Gerais sob lágrimas emocionadas de Carliusa ou de Sandra, a filha de sr. Paulo, que fez um discurso firme e emocionante em uma das reuniões da “Mesa de Diálogo e Negociação”. Sob essas lágrimas de pessoas reais, de carne e osso, que estão vivendo e lidando com suas vidas e com os cercos promovidos pelo Estado brasileiro, clamando pela possibilidade de existirem da forma que desejam, por um futuro que se faça possível, e diante de toda a filosofia política kiriri exposta pelo cacique que se portava como o que ele é, um verdadeiro chefe diplomático, o estado de Minas Gerais e seus representantes, se posicionaram apáticos, sem reação, não-afetados ou mesmo constrangidos mas, sobretudo, confortáveis em suas posições.

Em um momento em que povos indígenas e movimentos sociais, tais como o MST, sofrem tanta pressão e ameaças às suas vidas e formas de existir por parte do próprio Estado brasileiro, desejo terminar este texto, que expõe diversas vezes como me senti afetada por meus interlocutores, inspirada no que diz Viveiros de Castro no posfácio da Arqueologia da Violência, edição de 2005. Para Viveiros de Castro (2005:327), Pierre Clastres pertencia ao “povo da borda” e que “todos nós precisamos em algum momento, na verdade, a cada momento, escolher entre “tornar-se índio” - habitar a margem e viver nas bordas [...] ou permanecer no centro fortificado, confortavelmente identificado ao colonizador”. Ou, ainda, nas palavras do filósofo xamã yanomami, Davi Kopenawa (2015), nós, brancos, não sonhamos tão longe. Dormimos muito, mas sonhamos apenas

com nós mesmos. Deveríamos, assim, enquanto “povo da mercadoria”, para voltar à Kopenawa, aprender com os Kiriri e olhar para as possibilidades de bens tangíveis e intangíveis que uma terra pode apresentar e, então, aprender com essas pessoas que estão construindo seus territórios e, através deles, expondo suas cosmopolíticas e a complexidade de seus cosmos em seus próprios termos e com toda a sua multiplicidade.

Atualmente, enquanto “povo da borda”, os Kiriri continuam caminhando e construindo seu território no Sul de Minas Gerais a partir de alianças de diversas ordens. Enquanto escrevia estas “considerações finais”, recebi em duas redes sociais fotos de meus amigos “vestidos de índios”, em um ônibus em direção ao município Sul-mineiro de Andradas/MG. A legenda da fotografia, elaborada pela esposa do cacique, seguia-se: “mais uma apresentação em Minas. Deus no comando sempre”. Alguns dias depois, outra foto chegou em meu conhecimento. Eram o cacique Adenilson, sua esposa Carliusa e sua sogra D. Alzira acompanhados do prefeito de Alfenas, município também Sul-mineiro. Dessa vez, a legenda que acompanhara tal fotografia, também elaborada pela esposa do chefe Kiriri seguia-se “o nosso momento com o prefeito de Alfenas. Uma pessoa de ouro. A cidade está de parabéns por ter uma pessoa como ele no comando”. Há, ainda, uma