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Mesmo que a meta do desenvolvimento não tenha homogeneizado as pessoas em nível econômico e na sua participação política equitativa, a etnia que povoa um território legitima seus limites.

O ato político de articular nacionalismos não é exclusividade do Estado, mas devemos reconhecer que os agentes políticos, detentores da máquina estatal ou não, só conseguem impor seu projeto nacionalista quando controlam o poder de Estado.

A composição da Iugoslávia teve poucas possibilidades de homogeneizar uma identidade patriótica dado o seu caráter periférico ( “do Sul” ), cuja política destoava do sistema mundo que ainda vigora, a pesar de Immanuel Wallerstein reiteradamente afirmar que o capitalismo esteja em processo de colapso (in: “Após o liberalismo”, 1995 ). A universalização implica ilusão de desenvolvimento. Havia desigualdades no desenvolvimento econômico e na distribuição de cargos importantes de poder entre as ex- repúblicas iugoslavas.

Outra preocupação, ao longo da auto-determinação dos povos eslavos periféricos diz respeito ao tamanho territorial de sua nação, que é prerrogativa relevante para se reivindicar um Estado independente. É mais plausível que essa seja uma das razões mais fortes, pela qual a Croácia tenha aceitado integrar seu espaço à Sérvia e à Eslovênia em 1917, do que acreditar que a união desses povos tenha sido consequência determinante das grandes potências.

Walerstein se refere à autodeterminação dos povos concedida pelas potências, caracterizando uma ação exógena. 20 Mas se não fosse exitoso todo o processo de integração política dos eslavos-do-sul, unidos e engajados na luta comum pela libertação nacional nas duas guerras mundiais e nas guerras contra os turcos no século XIX, as potências europeias teriam dividido entre si os espólios territoriais desses povos balcânicos, se estivessem desarticulados.

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A geografia explica o uso do espaço e deve analisar como chegou cada forma e cada relação das sociedades com seu espaço. A forma do espaço é construída de acordo com uma funcionalidade. Há que se ler a Croácia do século XIX pela sua forma de província ocupada. Os croatas procuraram valorizar o seu espaço para que viesse a funcionar de forma autônoma no Império austro- húngaro.

O projeto de nação do bispo Strossmayer foi territorializador, pois ele concebia que não era suficiente produzir espaço apenas nos limites croatas, na pretensão de formar um Estado soberano. Os croatas-ideólogos da identidade iugoslavista sentiam que era imprescindível a integração com os territórios habitados por outros eslavos (Sérvia, Montenegro, Eslovênia, Bósnia), assumindo um caráter territorializador mais amplo e representativo possível. Isto é, a investida iugoslavista está contida no território e é formadora de territorialidade.

No último ano da Primeira Guerra Mundial, o presidente americano, Wodrow Wilson, propôs os 14 Pontos para a Paz. O conteúdo desta proposta se enraizava nas revoluções Britânica, Francesa e Estadounidense. Desejava apontar uma solução para o Império Áustro-Hungaro, caso pretendesse se federalizar e construir o sonho de uma sociedade das nações.

Uma vez formado o Reino da Sérvia, Croácia e Eslovênia, com a assinatura do Tratado de Corfou, em julho de 1917, o rei sérvio - Pedro I – da dinastia Karadžorđević - já encarava os croatas e eslovenos com receio, porque ele os via como militares da Áustro-hungria. Pairava uma “síndrome europeizante”, nas próprias palavras de um importante político croata da época, Etienne Radić:

“Nossa orientação na direção da Hungria nos faz federalistas para que não nos submetamos de forma alguma aos Bálcãs, extensão da Ásia. Nosso dever é europeizar os Bálcãs e não balcanizar croatas e eslovenos” 21

21

FERON, Bernard. Iugoslávia - A Guerra do Final do Milênio: das origens do conflito aos bombardeios da

Otan, Coleção Le monde, Ed LO&m, 1999. Apud Moacir Nunes e Silva, Mestrado: Da Balcanização à “Balcanização”, FFLCH-USP, 2005, p.30

A História nos ajuda a compreender porque, recentemente, a Alemanha reconheceu a Croácia como Estado independente da Iugoslávia.

Em agosto de 1992, o periódico Die Welt Am Sonntag, propriedade do magnata da imprensa alemã, Axel Springer, publicou:

“Toda política anti Croácia, anti- Bósnia é, na realidade, anti-Alemanha; a criação da Iugoslávia depois da Primeira Grande Guerra tinha como objetivo criar um bastião anti- alemão no sudeste da Europa, apoiando- se nos sérvios. Portanto é natural que os alemães apoiem seus antigos aliados, os croatas.” 22

Em 1920, uma legião de integrantes do partido camponês croata, liderado por Stjepan Radić, deixa de recohecer a autoridade monárquica sérvia. Em 07 de dezembro desse ano, o partido camponês se posiciona como organizador de uma resistência política que pleiteava a independência da Croácia.

A hegemonia sérvia ficou mais uma vez evidenciada na constituição de 1921, levando a uma indisposição com o partido croata, sob a liderança de Radić. Em 1928, na sessão do parlamento, um deputado montenegrino disparou contra cinco croatas, matando Radić. Alexandre I, filho de Pedro I, utilizou o evento como álibi, a fim de suspender a constituição, implantando uma ditadura, em 1929, quando o reino dos sérvios, croatas e eslovenos passou a se chamar Iugoslávia. O rei substituiu 35 unidades territoriais por 9 regiões, passando a ser administradas por governadores biônicos, escolhidos por ele.

Em 1931, dos 116 generais em atividade, havia 1 croata e nenhum esloveno. Dos 1508 alunos da escola militar, havia 140 croatas e 50 eslovenos. No Ministério do Interior, existiam 127 funcionários sérvios num total de 135. Na pasta da justiça eram 116 sérvios para 137 postos e no Ministério das Relações Exteriores, havia 180 sérvios num total de 219 funcionários. 23

22

Moacir Nunes e Silva, Dissertação de Mestrado: Da Balcanização à “Balcanização”, São Paulo: FFLCH-

USP, 2005, p.76

23

FERON, Bernard. Iugoslávia - A Guerra do Final do Milênio: das origens do conflito aos bombardeios da

Otan, Coleção Le monde, Ed LO&m, 1999. Apud Moacir Nunes e Silva, Mestrado: Da Balcanização à “Balcanização”, FFLCH-USP, 2005, p.31

Diante de sua exclusão na participação do aparelho Estatal, os croatas, organizados por Ante Pavelić, exploraram os ânimos pouco amistosos, enaltecendo métodos fascistas em sua organização denominada Ustasche. Refugiado na Itália, Pavelić articulou o assassinato do rei Alexandre em 1934. Em 1941, Alemanha, Itália e seus colaboradores atacaram e ocuparam o reino iugoslavo. Mesmo que fossem marionetes nas mãos dos nazistas, os croatas-ustaches aproveitaram tais circusntâncias para criar, durante a 2ª Guerra, o N.D.H. -Nezavisna Država Hrvatska [ Estado Independente Croata ]. Segundo o professor sérvio da Universidade de Monterrey, Dejan Mihajlović, o líder ustaš, Ante Pavelić, reivindicou a posse de Srem (região noroeste da Sérvia) e parte da Bósnia-Herzegovina, onde habita um expressivo percentual de croatas.

Pavelić acabou incorporando a Bósnia-Herzegovina, cedeu a Dalmácia à Itália, retalhou a Eslovênia, ficando o norte com os alemães e o sul com os italianos. Voivodina foi incorporada à Hungria. Porções da Macedônia e Kosovo se tornaram possessões italianas; a outra parte da Macedônia foi para a Bulgária; Montenegro tornou-se um protetorado italiano. Além disso, os ustaches foram responsáveis por 150 mil execuções no campo de concentração de Jasenovac (Slavônia), amontoando em uma enorme vala os corpos de sérvios, ciganos e

Distribuição de cargos e vagas, segundo a situação étnica (1931).

Instituição Total Sérvios %

Exército 116 115 99,1

Ministério do Interior 135 127 94,1

Escola militar 1508 1318 87,4

Pasta da Justiça 137 116 84,7

Ministério das Relações Exteriores 219 180 82,2

Adaptado pelo autor, conforme dados levantados por Bernard Feron em sua obra Iugoslávia: A Guerra do Final do Milênio. Apud Moacir Nunes e Silva, Dissertação de

judeus. Após o conflito, parte desses ustaches incorporou as brigadas partisans junto ao Tito, livrando-se da pena dos crimes de guerra julgados pelo tribunal de Nuremberg. 24

Bertrand Badie lembra que o “Estado Independente da Croácia”, assim proclamado 10/04/1941 por Ante Pavelić e pelo Partido Ustache, colaborou com o nazismo ao expurgar judeus, ciganos e sérvios, por conversão, expatriação, ou morte. Badie acrescenta que em junho do mesmo ano, o projeto de Stevan Moljević propunha a constituição de uma Sérvia nos seguintes termos:

‘homogênea’ sobre ‘todos os territórios étnicos onde vivessem os sérvios’, bem como a ‘expulsão e a permuta das populações, principalmente croatas, dos territórios sérvios e de sérvios dos territórios croatas.’ Frente a isso, o movimento dos tchetniks, de Draža Mihajlović, propôs a “limpeza das cidades”, criando uma ‘Sérvia etnicamente pura’, aplicando a tradição turca de degolar o inimigo. 25

O regente Paulo (sérvio) herdou o trono da Iugoslávia, nitidamente configurado como um país débil, no contexto da eclosão da 2ª guerra Mundial. O general Simović formou um governo pró-britânico e um tratado de amizade com a União Soviética, ambos em 1941, objetivando conter a hostilidade alemã. Contudo, após 12 dias da assinatura do pacto com os russos, os alemães invadiram Belgrado, forçando a emigração do rei Paulo para Londres.

24

ČUBELIĆ, Tomo & PLAVIČEVIĆ, Dragutin. Povijest, p.132. Apud Norma Marinovic Doro, A imigração

iugoslava no Brasil. Tese de doutoramento, Departamento de História (Área de História Social) da Faculdade

de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987, p.198

25

15 de maio de 1945, outra parte do exército ustache e milhares de civis, que não aceitavam a vitória de Josip Broz (denominado marechal Tito, líder dos partizans – de tendência socialista), retiraram-se rumo à Áustria para se entregarem aos aliados ocidentais, mas foram barrados, em Bleiburgo, pelo exército britânico que os entregou às forças partizans. Centenas de croatas que lutaram contra as forças partizans foram mortos em campos de concentração mesmo após o término da Segunda Guerra Mundial.

Andrija Hebrang, lider croata, ex-ministro do governo iugoslavo no período entre-guerras, que lutou contra o fascismo ( 1941 – 1944 ) morreu em 1949, preso em Belgrado, sem qualquer divulgação de como morreu e onde foi enterrado. Sabe-se que Hebrang era defensor dos interesses do povo croata, favorável à criação do Estado croata independente, e que se posicionava enfaticamente contra a política dogmática da cúpula comunista iugoslava.

Os croatas radicais que defendiam a “pureza” de sua nacionalidade continuaram a discriminar os sérvios, considerando-os herdeiros do “primitivismo turco”. A Croácia era a república da ex-Iugoslávia que contava com o litoral mais extenso. Já a Sérvia, mesmo não dispondo de litoral marítimo - efetivava a maioria de seus oficiais em toda a marinha iugoslava. Isso exemplifica as incoerências que levaram a uma insatisfação que pôs fim à primazia sérvia sobre as demais nacionalidades constituintes da federação.

A hegemonia do poder dentro de um território heterogêneo provoca ações dissidentes que passam a reivindicar a criação de um novo Estado. Tal consideração se encaixa também na Geórgia, Bolívia, Oriente Médio, China e outras localidades.