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Unificação e diversificação das vias de ensino

CAPÍTULO I – Enquadramento teórico e político-normativo

1. Evolução do Sistema Educativo em Portugal / O Ensino Secundário

1.1 Unificação e diversificação das vias de ensino

Ao abordar a unificação das vias de ensino em Portugal, há um marco temporal que é imperioso aludir – o pós 25 de abril de 1974. Porém, este processo terá tido o seu início com a implementação do 7º e 8º anos da reforma Veiga Simão, que unificava a escolaridade obrigatória até ao 8º ano (Duarte, 2015).

A unificação do ciclo complementar só veio a ocorrer com a extinção das escolas técnicas, eliminando a diferenciação entre cursos liceais e técnicos. Com efeito, muito para além das questões de democratização do ensino e de fomento da igualdade social, houve, acima de tudo, uma uniformização do currículo que ―se traduziu numa horizontalidade das estruturas escolares, por oposição à ordenação vertical que exprimia a hierarquia e as diferenças sociais‖ (Grácio, 1995; Cardim, 2005, cit por Duarte, 2015, p. 136).

A verdade é que a unificação do ensino, com o objetivo de atenuar as desigualdades sociais existentes, assentou no modelo liceal, considerado o de qualidade, conduzindo a um processo de licealização do ensino e perdendo o cariz prático e profissionalizante do ensino técnico. Como referiu Martins, 1995, p. 35, cit. por Duarte (2015),

―deste modo, os alunos passaram a frequentar uma única via de ensino, pouco ou nada diferente da que tradicionalmente correspondia ao liceu. A antiga separação espacial e terminológica entre os estabelecimentos de ensino que marcavam simbolicamente a divisão social desapareceu, imprimindo-se um cunho licealizante ao ensino em Portugal.‖(p. 137)

23 Lemos (2015) expõe que

―a unificação do então ensino secundário, associada à extinção das então escolas técnicas comerciais e

industriais, acabam por criar as condições para o total desaparecimento do ensino técnico e profissional do

sistema educativo num processo que veio a ser designado por licealização do ensino secundário.‖ (p. 308) Azevedo (2015) afirma que se seguiu

―o caminho único de uma ―licealização‖ do ensino, igual e profundamente discriminatória, fomentadora de enormes caudais de insucesso e promotora da desigualdade de oportunidades. Enjeitou-se o nome, mas manteve- se o estilo, como diz Eurico Lemos Pires.‖(p. 415)

No caso da diversificação das vias de ensino em Portugal, esta teve a sua maior evidência no período do Estado Novo, com a separação entre o ensino técnico e liceal, já apontado anteriormente, mas é a reforma Seabra, na década de 80, a primeira tentativa de reintrodução do ensino técnico-profissional. Com efeito, a ―unificação do ensino‖ parecia estar a falhar, estando o ensino secundário apenas a servir os objetivos dos alunos que pretendiam ingressar no ensino superior, com os números do insucesso escolar no ensino secundário a crescer, crescimento este que se prolongou até pelo menos 2005, atingindo quase os 40% (Duarte, 2015, p. 138).

As pressões internacionais chegaram ao nosso país e o Exame à Política Educativa de Portugal, solicitado à OCDE, recomendava vivamente que se fizesse algo que pudesse colmatar a falta de diversificação do sistema. A verdade é que se começou a compreender a necessidade de se qualificar os indivíduos para o mercado de trabalho, de se modernizar o sistema, acompanhando a Europa, assistindo-se ―a um retorno às questões da diversificação da oferta educativa perdendo-se a grande bandeira da unificação – democratização do ensino‖ (Duarte, 2015, p. 139).

No entanto, nesse momento, não houve grande procura destes cursos que, segundo Duarte (2014), se explica pela ―herança do sistema dual‖, que orientava este caminho para uma segunda escolha, pelo facto de não haver ainda um número de alunos significativo a seguir o percurso escolar do ensino secundário e porque o perfil dos alunos que efetivamente o faziam correspondia aos que pretendiam seguir o ensino superior.

A publicação da LBSE também se revela de extrema importância neste tema, pois será o primeiro normativo legal que assume o ensino secundário como intermédio no prosseguimento de estudos, mas também como um nível de preparação para a vida ativa (Duarte, 2015, p. 140). À parte destas vias, foram também criadas as escolas profissionais (Decreto-Lei nº 26/89, de 21 de janeiro), estas que obtiveram um enorme sucesso, fruto do facto de se constituirem com base num subsistema próprio, através de parcerias público-privadas, fora das escolas secundárias públicas. Note-se, porém, que estas escolas usufruíam de fundos sociais europeus, o que incrementou a sua procura e empregabilidade.

Mas esta ideia de criar, cada vez mais, oferta formativa orientada para a vida ativa não só persistiu, como aumentou, surgindo os cursos tecnológicos nas escolas públicas (Decreto-Lei nº

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286/89, de 29 de agosto). Não obstante, junto com esta criação, persistiu, mais uma vez, o ensino predominantemente liceal, aumentando os números do insucesso e abandono escolar. Estabeleceu- se uma igualdade e uniformização curricular, que se traduziu numa horizontalidade das estruturas escolares, apenas servindo os alunos que pretendiam ingressar no ensino superior.

Os tempos posteriores demonstraram várias tentativas de alteração desta evidência, com a reforma curricular do ensino secundário em 2000/01 (Duarte, 2015, p. 144) e criação de CP inseridos nas escolas secundárias públicas, em 2004/05, numa nova reforma. Esta reforma ―(...) consolidou a possibilidade de os CP, (...) poderem funcionar, a par da restante oferta educativa de nível secundário, nas escolas generalistas‖ (Capucha, 2009, p. 94, cit. por Duarte, 2015, p. 146).

Esta análise sumária ao caminho que o sistema de ensino em Portugal seguiu ao longo dos tempos, designadamente ao nível da existências de duas vias de ensino, permite-nos concluir que a preocupação com a diversificação do sistema e com o seu impacto na sociedade, na equidade e na igualdade de oportunidades tem sido uma constante. Temos, hoje, um sistema educativo consolidado, mas, tal como refere Lemos (2015), ao visionar criticamente todo o percurso, podemos identificar um ciclo na análise das diferentes visões do ensino e dos problemas que daí advêm. Há questões do passado que hoje se repetem e dúvidas que também reaparecem, as quais mencionaremos posteriormente. Como disse Lemos (2015),

―A mudança de paradigma iniciou-se com o PRM (Projeto Regional do Mediterrâneo), mas aquele perdurou até ao final da primeira década do século XXI. É por isso que a própria linguagem do PRM se mostra, afinal, tão atual e tão próxima, apesar das enormes diferenças da realidade e do contexto em que foi produzida, com a realidade envolvente da recente extensão da escolaridade obrigatória.‖ (p. 323)