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3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: PERSPECTIVAS E

3.1 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

A formação inicial de professores está inserida na organização acadêmica do ensino superior, que abrange universidades, centros universitários, faculdades e institutos federais de ciência e tecnologia. É nas universidades que se concentram as atividades de pós-graduação e pesquisa, baseadas no princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

As Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras conferem três tipos de títulos ao término da graduação: bacharel, licenciado e tecnólogo. Tais títulos são atribuídos, respectivamente a: concluintes de cursos gerais de formação científica ou humanística;

graduados capacitados para atuar como professores na educação básica; concluintes de cursos de áreas profissionais específicas.

Soares e Miranda (2019) salientam que a missão do Ensino Superior é a formação de profissionais que são “sujeitos autônomos, competentes, responsáveis, éticos, que se constituem como tais vivenciando ambientes formativos que proporcionem a experiência do protagonismo, a liberdade e a percepção de serem respeitados como pessoas” (p. 111).

O compromisso social da universidade compreende o conceito de formação como conhecer e se conscientizar sobre os problemas da atualidade. Ao preocupar-se com a efetivação de uma formação ética, cultural e cidadã, a partir da compreensão de que os egressos atuam na construção de um projeto de sociedade, a universidade dá atenção à formação de seus estudantes como parte de sua responsabilidade social (GOERGEN, 2002).

Para a universidade atender ao seu compromisso social, é necessário mais do que dar subsídios à produção de conhecimentos, tecnologias e profissionais competentes. É preciso considerar que a formação das gerações de acadêmicos é uma das responsabilidades da

universidade, que se preocupa com o desenvolvimento integral do ser humano nas relações que efetuam entre si e com o meio. A universidade se relaciona de forma intrínseca com a sociedade, não apenas gerando e difundindo conhecimentos, mas também educando cidadãos responsáveis e críticos, que tenham consciência dos desafios da sociedade e atuem buscando superá-las.

De acordo com Freire (2003), a universidade se organiza a partir de dois ciclos de conhecimento que se relacionam permanentemente: a docência, que trabalha com os conhecimentos existentes, e a pesquisa, com a produção de novos conhecimentos. Ambas estão envolvidas, considerando que não há docência sem momentos de pesquisa, indagação, curiosidade, assim como não há pesquisa sem a aprendizagem dos conhecimentos existentes.

A universidade tem como função gerenciar com seriedade esses dois ciclos e aproximar-se da comunidade, tendo em conta o ensino e a pesquisa.

Como instituição social, a universidade tem como referencial a sociedade, a partir da qual considera as divisões sociais, econômicas e políticas para repensar a si mesma e à sua função. A atuação da universidade sobre o conhecimento permite transformar as relações e por elas ser transformada. Novos conhecimentos, então, são produzidos e conduzidos à sociedade.

A universidade não é fechada em si mesma e tem como um de seus princípios buscar atender as demandas da sociedade.

As universidades abrangem os debates acerca dos problemas sociais e aliam aos referenciais teóricos o reconhecimento, a reflexão e a interpretação de tais problemas. O conhecimento está diretamente interligado com as grandes lutas da humanidade (SGRÓ, 2018), de tal modo que a universidade se posiciona como um espaço apropriado para promover discussões sobre o desenvolvimento social, em consonância com seus objetivos em contribuir com os processos políticos, sociais e culturais contemporâneos.

A ligação entre universidade e desenvolvimento social é sempre complexa, antes de tudo devemos dizer que a universidade deve ir além do limite estreito que propõe a economia de mercado, e eu diria que deve estar ligada ao desenvolvimento em três níveis diferentes a) Cumprindo a missão geral de criar conhecimento guiado por ideais de igualdade e justiça social b) formar profissionais que entendam sua profissão como uma forma de contribuir para a melhoria da qualidade de vida de sua comunidade e principalmente daqueles que são excluídos dos bens materiais e simbólicos de seu tempo. Ou seja, que entendam sua profissão com sentido social e comunitário e não apenas voltado para o seu bem-estar individual c) de conceber-se como ator político no contexto do debate inacabado e mutante em que as sociedades contemporâneas são configuradas (SGRÓ, 2018, p. 268, tradução nossa).8

8 Do original: “El vínculo entre universidad y desenvolvimiento social es siempre complejo, en primer lugar debemos decir que la universidad debe salir del estrecho límite que propone la economía de mercado, y diría debe vincularse con el desenvolvimiento en tres niveles diferentes a) Cumpliendo la misión general de crear conocimiento orientado por ideales de igualdad y justicia social b) formar profesionales que entiendan su profesión como una forma de contribuir al mejoramiento de la calidad de vida de su comunidad y especialmente

Os três pontos listados por Sgró (2018) explicitam como o desenvolvimento social está diretamente vinculado às ações da universidade, especialmente de forma política. A profissão docente configura-se como determinante para a promoção de igualdade e justiça social com a concepção do professor como sujeito que atua com autonomia para efetivar a cidadania na comunidade, ressaltando o sentido social da profissão docente, desenvolvida também na relação com a universidade.

A legitimação social da universidade perpassa pela vinculação com as escolas de educação básica, com foco na produção e difusão de saber pedagógico, pesquisa educacional e formação de professores. É importante que haja dedicação da universidade em formular alternativas para os problemas sociais e educativos em parceria com educadores e gestores escolares, para que não ocorra distanciamento entre o saber científico e o saber pedagógico.

A universidade realiza a integração entre a formação de professores e a prática de ensino e sua efetivação decorre de diretrizes que a orientam as licenciaturas, tais como: valorização da formação docente inicial e articulação com a formação continuada; reestruturação dos cursos de licenciatura com vistas a promover a integração entre teoria e prática; pesquisas realizadas com a participação de pesquisadores universitários e professores da educação básica;

desenvolvimento de programas na universidade em parceria com os sistemas públicos de ensino (SANTOS, 2011).

O contexto sociopolítico está intrinsecamente relacionado com a universidade, envolvendo a produção técnico-científica, as contribuições das ciências sociais, a influência dos debates e a produção de conhecimentos. Nessa relação, a universidade sente com intensidade as mudanças que ocorrem na sociedade, acompanhando os momentos históricos com criticidade e contribuindo para direcionar e antecipar as consequências das decisões assumidas.

De acordo com Santos (2011), a universidade é um bem público por suas relações com as questões políticas e culturais da sociedade, por sua produção de conhecimento e formação e por constituir-se como um espaço privilegiado onde são realizadas discussões de forma aberta e crítica.

Antes da criação da primeira universidade no Brasil, no início do século XX, o acesso dos brasileiros à educação superior era restrito aos jovens cujas famílias possuíam condições

de aquellos que están excluidos de los bienes materiales y simbólicos de su tiempo. Es decir que entiendan su profesión con un sentido social y comunitario y no sólo destinada a su bienestar individual c) de concebirse como un actor político en el contexto del debate inacabado y cambiante en el que las sociedades contemporáneas se configuran.” (SGRÓ, 2018, p. 268).

financeiras de encaminhá-los a universidades europeias. Em situações em que os estudos podiam ser realizados no Brasil, estes ocorriam nas poucas escolas superiores isoladas, não universitárias, existentes no país (LEITE et al., 2016).

Atualmente, diversas questões sociais, como políticas educacionais inclusivas, conduziram os jovens a ansiar por uma formação de nível superior. Ainda assim, a democratização do acesso ao Ensino Superior não é uma realidade para todas as classes sociais.

A relação entre educação e desigualdade é comentada por Santos (2011) quanto ao fato de que o acesso à universidade permanece vinculado a mérito e privilégio com a discriminação por classe, raça, sexo ou etnia.

Para além do acesso à universidade, é necessário dar atenção à permanência e ao sucesso dos estudantes. Esse processo perpassa o vínculo entre a universidade e a escola de educação básica. O afastamento entre o mundo acadêmico e a realidade das escolas acarreta deficiências na construção de saberes pedagógicos, na produção de pesquisas educacionais e na formação de professores, além de deteriorar a legitimação social da universidade (SANTOS, 2011).

É a partir da responsabilidade social que a universidade reafirma sua legitimidade. Para isso, é necessário que tenha condições financeiras adequadas e autonomia institucional para administrar os recursos humanos e econômicos. Os desafios dessa responsabilidade exigem uma resposta criativa e comprometida com as demandas sociais, com flexibilidade para abarcar as necessidades de cada contexto.

Assim, é necessário haver compromisso da universidade com a escola pública para efetivar a interação entre a formação profissional e a prática de ensino. As mudanças necessárias envolvem: a valorização da formação inicial de professores; o desenvolvimento de programas de formação continuada; a reestruturação dos currículos dos cursos de licenciatura, para integrar formação profissional e acadêmica; a produção e divulgação de saberes pedagógicos a partir da colaboração entre pesquisadores universitários e professores das escolas públicas; entre outros pontos que configuram desafios à qualificação da formação de professores (SANTOS, 2011).