• Nenhum resultado encontrado

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

3. APONTAMENTOS TEÓRICOS

3.2 CAMPO-CIDADE E RURAL-URBANO: ENTRE RURALIDADES E URBANIDADES

3.2.3 Urbanidades e Ruralidades

De acordo com Candiotto e Corrêa (2008), os conceitos de ruralidade e urbanidades vêm sendo trabalhados como referências a territorialidades de indivíduos e grupos sociais, sejam elas socioculturais, econômicas e/ou políticas, assim como a objetos e a ações característicos do espaço rural ou urbano.

Com relação à ruralidade, Candiotto e Corrêa (2008) destacam a existência de duas vertentes de interpretação: uma nova ruralidade concebida e implanta por agentes exógenos e uma ruralidade construída e incentivada por agentes endógenos.

A primeira se refere à ideia de nova ruralidade, entendida como um processo geral de revalorização do rural, influenciada por atores responsáveis pela reprodução do capital como as instituições globais que defendem o discurso sobre a redução da pobreza e das desigualdades sociais, através de financiamentos e de políticas públicas. Contudo, essas instituições têm como interesse implícito a ampliação das relações capitalistas no campo por meio de novas atividades agrícolas e não agrícolas.

A nova ruralidade, nessa abordagem, não é algo construído socialmente pela população rural, mas uma ideia imposta por organismos concentradores do poder, cristalizada no discurso, porém muitas vezes não concretizada, que passa a ser utilizada e difundida por pesquisadores como novos aspectos da realidade do campo

A segunda vertente aborda a ruralidade relacionada à realidade empírica, construída e incentivada por atores endógenos. As ruralidades seriam compostas por objetos, ações e representações peculiares do rural, destacando-se as representações e identidades rurais dos indivíduos e grupos sociais.

No âmbito dessas discussões, Moreira (2005) propõe que se discuta ruralidades globais e locais, ao invés de uma nova ruralidade. Ela apresenta uma visão mais ampla de ruralidades, compreendendo-as como manifestações representativas do espaço rural, traduzidas em política públicas, instituições, legislações, interesses, objetos técnicos e

identidades características do rural. Esse autor parece entender as ruralidades como as diferentes interpretações de grupos sociais e instituições sobre o rural, bem como o território de atuação/influência de cada uma dessas instituições.

Para Carneiro (1998), a ruralidade é um processo dinâmico de constante reestruturação de elementos da cultura local, com base na incorporação de novos valores, hábitos e técnicas, decorrentes de novas relações entre a cidade e o campo. A ruralidade não é mais definida com base na oposição à urbanidade, mas pelo contrário, a revalorização da natureza cria uma urbanidade contemporânea que revaloriza a vida no campo e a produção de alimentos saudáveis.

É importante ressaltar que, enquanto fenômenos resultantes do rural e do urbano, as ruralidades e as urbanidades podem estar presentes, de forma imbricada, tanto na cidade como no campo. Nesse sentido, Candiotto e Corrêa (2008, p. 230) explicam que

[...] além da existência de atores, objetos técnicos e ações de caráter urbano no meio rural, conduzindo a urbanidades no espaço e na sociedade rural, existem ações e objetos técnicos característicos do rural que acabam se inserindo no urbano (estilo country, músicas, festas, hortas), levando ruralidades no espaço e na sociedade urbana.

Destaca-se a influência da mídia e de agentes interessados no rural como mercadoria, vendendo a ideia de rural como natureza e como espaço de vida mais saudável. Neste sentido, a população urbana apresenta ruralidades ligadas, sobretudo, ao seu interesse por um rural idealizado.

Quanto à população rural, além dela possuir suas ruralidades, que se modificam a partir das relações que estabelecem com as técnicas e com o urbano, ela também apresenta urbanidades fortemente influenciadas pela mídia, isto é, na incorporação de valores urbanos pela população rural, seja por meio da televisão, do marketing e da internet.

Com relação às urbanidades, que constituem manifestações do urbano no campo, Rua (2005) esclarece que essas manifestações ocorrem sem que os espaços rurais se tornem urbanos, pois, apesar da intensa interação, ambos os espaços mantêm suas particularidades, sem perder suas marcas. Para Rua (2006), o espaço híbrido que resulta dessas interações, não é um urbano ruralizado e nem um rural urbanizado, é algo novo que exige dos pesquisadores o desafio de definí-los.

Para Rua (2006), a proposta de urbanidades se propõe a abarcar o pluralismo, de modo que o turismo e o veraneio, a pluriatividade, os movimentos organizados e as reivindicações dos habitantes rurais vão confirmar a expansão das urbanidades nas áreas rurais.

De acordo com Rua (2006), a pluriatividade é um elemento oriundo da nova ruralidade e que se integra a uma série de urbanidades no rural. A pluriatividade é exercida por um ou mais membros das famílias rurais que praticam atividades não agrícolas, de maneira que venha a servir de complemento na renda ou mesmo oportunidade de emprego para muitos que se encontram desempregados.

Para Candiotto e Corrêa (2008), Rua vai além da ideia de ruralidade/urbanidade como exclusiva da dimensão identitária, pois inclui objetos técnicos, e novas atividades agrícolas e não agrícolas como condutoras de urbanidades. Rua atribui as urbanidades as novas territorialidades. Todavia, estes objetos e ações modificam a percepção da população rural, suas representações do rural, podendo alterar suas identidades rurais.

Segundo Rua (2005), as urbanidades no rural não se apresentam como oposição às ruralidades, mas se integram às novas ruralidades apontadas por Carneiro (1998). Esses autores privilegiam a dimensão identitária das ruralidades e urbanidades, entendendo-as como territorialidades. Mesmo assim, Carneiro também aponta para o material como elemento fundamental das ruralidades, pois os objetos técnicos rurais contribuem para a identidade dos indivíduos em relação ao espaço rural.

Diante disso, Candiotto e Corrêa (2008) entendem que as ruralidades e as urbanidades são decorrentes tanto do material, como dos objetos técnicos característicos do urbano ou do rural, quanto dos valores subjetivos em relação ao que caracteriza o urbano e o rural. Eles destacam a diferença entre a territorialidade sociocultural/identitária (vinculada às relações sociais de um indivíduo e ao sentimento de pertencimento a um grupo ou espaço) e a territorialidade econômica e política, que corresponderia à área de influência/atuação de um indivíduo, grupo ou firma. Para os autores, um agricultor possui tanto uma territorialidade identitária/cultural como uma territorialidade econômica/política. Já uma instituição ou firma não costuma possuir essa territorialidade cultural, mas, sim, uma territorialidade econômica/política determinada pelas suas relações comerciais e seu espaço de influência

Dessa forma, constata-se, de maneira abrangente, que o rural apresenta um novo, dinâmico, diverso e, acima de tudo, estreito vínculo com o urbano. Para Biazzo (2008), há urbanidades e ruralidades que, combinadas, ensejam as territorialidades particulares de cada localidade, município ou recorte regional.

4. A REGIÃO SEMIÁRIDA E OS GRANDES EMPREENDIMENTOS