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Em relação à autoestima, observou-se estabilidade entre PPG e PPE, e significante aumento a partir de PPE até após a competição alvo. Do ponto de vista fisiológico, podemos interpretar esses resultados associando-os à evolução da magnitude das cargas de volume e intensidade ao longo da temporada, como verificado no comportamento do constructo satisfação com a vida: as características do Período Específico, mais confortáveis aos atletas quando comparadas às características de PPG, teriam levado os mesmos a se sentirem mais confiantes e crédulos de um melhor desempenho, elevando os valores de autoestima.

Considerando a definição proposta por Fox (1988) e Fox e Corbin (1989) já citada neste estudo, a autoestima pode ser considerada um aspecto avaliativo do autoconceito que inclina positiva ou negativamente pensamentos e sentimentos relativos ao próprio sujeito. Sendo a força física, condicionamento físico e a competência esportiva (entre outros) fatores que formam a estima corporal do atleta, os valores desse constructo ao final da temporada podem mostrar um efeito do alívio da cobrança que o atleta sente após nadar sua prova - e que, neste estudo, se mostrou independente dos sujeitos terem obtido o melhor tempo de suas carreiras esportivas nas provas nadadas nesta competição: dos 13 atletas participantes, oito afirmaram ter obtido o êxito esperado na competição alvo, sendo que desses oito atletas apenas quatro melhoraram efetivamente seus tempos de prova. Essa constatação nos leva a refletir, nesse contexto, sobre como se deu, para os sujeitos deste trabalho, o significado da ideia de “êxito”.

No esporte competitivo a treinabilidade dos atletas de alto nível mostra-se restrita, fato advindo de décadas de carreira esportiva em contínuo estado de treinamento (BOMPA, 2001; WEINECK, 1999; VERKOSHANSKY, 2001). É comum a situação onde atletas de treinabilidade escassa (altamente treinados) passem temporadas sem melhorarem suas marcas pessoais, fazendo com que outros fatores sejam fonte de motivação, prazer e metas. Nos nossos achados, a interpretação dos resultados obtidos para autoestima e vigor

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(assim como para a satisfação com a vida) foi de que, após terem cumprido seu compromisso consigo mesmos e com seus clubes, os atletas permitiram-se relaxar, voltarem-se para si mesmos e reverem-se. Uma vez que tal processo tenha acontecido independente da melhora dos tempos individuais de prova, é possível crer que os êxitos relatados pelos atletas que não melhoraram seus tempos expressem resultados relacionados positivamente ao desempenho - como, por exemplo, a conquista de um índice ou de uma determinada colocação, ou mesmo a classificação para outro campeonato almejado - situações desvinculadas dos resultados individuais de prova, mas que representou, naquele momento, a expectativa de êxito então cobiçada. Esta especulação é cabível dentro da realidade da natação de alto nível brasileira, onde acirradas disputas entre os grandes clubes (por uma melhor colocação dentro do campeonato) valorizam provas onde os atletas não tenham alcançado suas melhores marcas, mas tenham obtido uma pontuação importante para o clube.

A questão relativa ao êxito na competição alvo contida no questionário sugeria uma resposta simples por parte dos atletas, e, de fato, todos os sujeitos utilizaram “sim” ou “não” como resposta nesse campo. A escolha para que tal questão (assim como outras) tivesse esse molde se deu pela rapidez e praticidade de resposta - ponto chave na persuasão de técnicos e clubes para liberação e participação dos atletas neste estudo. Desse modo, a possibilidade de interpretações não comprovadas em relação à questão do êxito na competição alvo pode ser colocada como uma limitação deste estudo. Não temos outros dados para comparar nossos resultados, visto que não identificamos outros trabalhos com esta abordagem. Todavia, vale reafirmar que a autoestima elevada é uma constante nas pesquisas com atletas (FOX, 2000; SPENCE, McGANNON, POON, 2005), e sugerir que próximos estudos de mesma dinâmica se atentem aos diversos significados que a definição de “êxito”, no viés do atleta, possa apresentar. De todo modo, vale pontuar as especulações aqui discutidas (tanto sobre a possível ideia de êxito como para o comportamento e a inter- relação das variáveis presentes neste trabalho) com o conceito de motivação - fator determinante, necessário e presente no contexto do esporte competitivo.

De acordo com Weinberg e Gould (2001), a motivação pode ser definida como a variável utilizada para compreender o processo que coordena e dirige a intensidade e direção dos esforços. Dentre as várias teorias sobre motivação desenvolvidas para

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explicar o mecanismo de seu acontecimento, podemos destacar: a teoria da necessidade de realização (ATKINSON, 1974) que leva em conta fatores pessoais, individuais e situacionais; a teoria dos objetivos de realização (AMES, 1992) afirmando que as metas traçadas são potenciais fontes de motivação; o modelo teórico do compromisso (ou comprometimento) com o esporte que dá importância ao conhecimento do(s) motivo(s) ou fator(es) que explique(m) o compromisso com a prática esportiva e, por fim, a teoria da autodeterminação - TAD (DECI, RYAN, WILLIAMS, 1996) afirmando que o indivíduo pode se sentir motivado de várias maneiras, intrínseca ou extrinsecamente, além de se sentir desmotivado (RIBEIRO, 2014). Através da TAD, tentaremos relacionar os constructos avaliados e o conceito de motivação.

A TAD pode também ser definida como o comportamento resultante da interação entre a motivação intrínseca e a extrínseca, onde a maior distinção entre essas motivações reside na intenção de realizar determinada ação por puro interesse ou por essa ação ser agradável. Segundo os autores, comportamentos intrinsecamente motivadores seriam independentes de estímulos externos, pois a recompensa seria o próprio cumprimento da atividade, a própria satisfação como consequência. Quando uma pessoa está intrinsecamente motivada, é induzida a agir pela satisfação, e não estímulos externos, obrigações ou recompensas (DECI, RYAN, WILLIAMS, 1996). A motivação extrínseca, por outro lado, é atribuída quando se busca um resultado esperado, uma recompensa que não seja (ou que vá além) do prazer. Ainda, a TAD ainda ressalta a existência da “amotivação” - estado regulatório no qual o indivíduo não se sente competente ou crente de que determinada tarefa irá lhe trazer algum benefício (DECI, RYAN, WILLIAMS, 1996). No contexto da nossa pesquisa, podemos especular a grande necessidade de manutenção/renovação dia-após-dia da motivação intrínseca do nadador/atleta de alto nível. A prática esportiva por pura satisfação e prazer a muito já não é seu único agente de motivação: o fato de sua prática ser assalariada; a busca por resultados/metas pessoais e a necessidade de atender aos interesses esportivos do clube onde treina são alguns dos fatores extrínsecos que podem sufocar (quando não suprimir) a motivação intrínseca do atleta. Nesse ponto é imprescindível frisar a necessidade de um trabalho psicológico bem realizado junto ao atleta.

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Ainda, de acordo com a TAD, o indivíduo dependeria de três fatores sociais para motivar-se: autonomia, interação com o ambiente social e a crença de que se tem competência para realizar determinada atividade. Contextualizando esses fatores com a realidade diária do nadador de elite e as variáveis estudadas nessa pesquisa, podemos tecer algumas especulações. Em relação à autonomia, vemos um atleta que tem que conciliar seus interesses esportivos (busca pela melhora pessoal em determinada prova, em tempo ou colocação) aos interesses do clube onde treina, pelo qual é contratado. Por exemplo, é comum a situação em que um atleta se vê forçado a treinar e competir uma prova que não é sua especialidade ou que não lhe agrada, em prol de uma melhor classificação/pontuação do seu clube em um campeonato. Tal situação poderia influenciar os níveis de variáveis como “satisfação com a vida”, “autoestima” e até mesmo “ansiedade físico social”, uma vez que o atleta enfrentaria diariamente a situação de treinar sabendo que está sendo avaliado e pressionado pelo desempenho em algo que não é de sua preferência e especialidade. Além disso, essa situação corrobora com a ideia evidenciada no referencial teórico de negação e desvalorização das próprias sensações corporais e de seus limites, colocando em risco sua própria saúde e segurança (CYRULNIK, 2005; DOLTO, 2004).

Em relação à interação com o ambiente social, temos o local de treino como o lugar de convivência diária do atleta, onde o mesmo passa, entre treinos principais, treinos complementares e treinamento físico fora d’água, cerca de 30h semanais, quando não mais (MAGLISCHO, 2010; VALDIVIESO, FEAL, 2001). Sendo o seu local de trabalho, o ambiente de treino é regido por dois lados: a animosidade de companheiros de treino (sua “família”) e o acolhimento do clube-empregador (na intenção de fazer com que o atleta “sinta-se em casa”) divide espaço com a competitividade entre atletas (principalmente os de mesma especialidade) e a pressão gerada pelo clube-empregador pelo empenho máximo em cada treino, a busca pela superação física (e muitas vezes mental) a cada série, tudo sob os olhares atentos e avaliativos de técnicos, clubes e dos próprios companheiros de treino. Velado na inocente ideia clássica de um espaço saudável de prática esportiva e formação do ser humano, o ambiente competitivo pode se mostrar um lugar inóspito e opressor, revogando a individualidade do sujeito.

Por fim, em relação à crença do atleta em ser competente para realizar determinada atividade, podemos relacionar esse fator com as especulações em torno dos

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resultados para as variáveis “satisfação com a vida” e “autoestima” já enumeradas nessa discussão: as cargas de treino se tornando mais prazerosas (enquanto se tornam mais específicas) ao longo da periodização e a ideia de obtenção de êxito na competição alvo independente da melhora de tempo nos levam a crer que, nesse quesito, os atletas se sentiram crentes de que alcançariam os objetivos almejados. Ainda, devemos considerar o trabalho psicológico realizado pelos atletas que, com o intuito (entre outros) de mantê-los motivados, muito possivelmente influenciou esse fator.

Ainda que possamos contextualizar os fatores propostos pela teoria da autodeterminação (que formam o alicerce desta teria da motivação) com a realidade diária do nadador de elite brasileiro e predizer possíveis situações, os dados obtidos em nossa pesquisa não nos permite afirmar com veracidade se alguma das situações especuladas realmente aconteceu - não tivemos acesso aos treinos realizados por cada atleta ou à rotina diária dos mesmos, tampouco estivemos presentes para observar a realização de algum treino. O comportamento da variável “ansiedade físico social” (possivelmente crescendo ao final do PPE e diminuindo após PC) e o comportamento da variável “autoestima” (crescendo ao longo do macrociclo) não nos revela nada a respeito.

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