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Pudemos identificar diferenças nos escores da variável ansiedade físico social, mas os testes de post hoc não permitiram que identificássemos, com significância estatística, exatamente em qual momento a alteração ocorreu. De acordo com as flutuações

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das cargas de trabalho dentro e durante a Periodização (explanadas e caracterizadas no referencial teórico) é possível especular que o comportamento da ansiedade físico social ocorra de acordo com a expectativa do atleta - e dos olhares que ele sabe/imagina que estejam sobre ele - em relação às expectativas criadas por mudanças no seu corpo durante o processo de treinamento.

Entendendo e vivenciando ao longo da temporada as mudanças na magnitude das cargas de trabalho - alternância entre volume e intensidade junto à mudança do caráter metabólico dos treinos (trazendo, com isso, diferenciação na percepção subjetiva de dificuldade e esforço) o atleta espera ver-se fisicamente diferente no decorrer do programa de treinamento, enquanto associa essas mudanças a seu rendimento dentro da piscina. Do mesmo modo, o atleta sabe que comissão técnica e clube associam esse rendimento no dia-a-dia e nas competições avaliativas à sua seriedade e compromisso com o programa de treinos, o que gera expectativas e prognósticos em relação ao resultado competitivo do atleta. O conhecimento dessa expectativa/pressão dos clubes para com o atleta propicia que este especule ainda mais sobre sua condição física e desempenho, em um ciclo nocivo que pode influenciar seu grau de ansiedade físico social - esse constructo refere-se também à ansiedade gerada pela expectativa de que esta avaliação aconteça (CAMPANA, TAVARES, SILVA, 2011).

Assim como diversos clubes-empresas nas mais variadas modalidades esportivas, os clubes de natação de alto nível no Brasil trabalham em quase sua totalidade com contratos de duração anual e/ou por temporada, alongando o vínculo com o atleta de acordo com seu desempenho. É de se esperar, portanto, que haja uma grande pressão não só em relação à expectativa gerada pelo desempenho do atleta ao final da temporada, como também em relação à conduta e desempenho esportivo apresentado pelo mesmo durante o período de treinos. Segundo Asçi (2004), o feedback de treinadores, companheiros ou colegas podem influenciar na percepção e auto avaliação da competência no domínio físico. Resultados encontrados em estudos envolvendo várias modalidades esportivas (incluindo a natação) relatam classificações mais elevadas de auto competência física em atletas de elite quando comparados a não atletas, o que nos leva a crer que, além da pressão por parte de técnico e clube, realmente há por si só uma maior preocupação em relação à destreza física

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neste grupo (ASÇI, 2004; MARSH et al., 1997; KRZYSZTOF, 2012; URDAPILLETA et al., 2010).

Diante dessa delicada e comum situação, vale ponderar o estado vulnerável em que se encontra o atleta de elite, assim como a negação desse estado por parte de técnico e clube na sua realidade diária. Ser/se mostrar vulnerável não é uma postura aceitável no esporte competitivo de alto rendimento. A imagem do atleta (explorada até as últimas consequências em comerciais e marcas de produtos) precisa constantemente ser associada à superação e heroísmo, ao ideal do “atleta perfeito”, sempre seguro de si e vitorioso, determinado a conquistar suas metas não importando as consequências. Mostrar- se vulnerável é assumir a fragilidade de seu lado humano, e as “porções humanas” no esporte de rendimento devem ser suprimidas de modo que não atrapalhem o rendimento (MACHADO et. al., 2014). Os problemas “humanos” não devem atrapalhar a progressão do treinamento, a menos que este se torne combustível para essa progressão. Traduzindo para a sua rotina diária, faz-se necessário que o atleta mostre para o seu técnico, companheiros de treino e para o seu clube-empregador uma imagem segura e inabalável.

Segundo Machado e colaboradores (2014) a vulnerabilidade do atleta é muitas vezes vinculada às circunstâncias de diversas naturezas (sociais, financeiras, esportivas) e ao estado particular desse indivíduo. Na realidade do esporte competitivo no Brasil (não apenas na natação como em diversos esportes), essa premissa é claramente presenciada: muitos são os atletas de grande talento esportivo e desfavorável condição social, que depreciam sua formação educacional em troca de um salário atrativo e um lugar de destaque em um grande clube - situação aprazível em um primeiro momento, mas que, em longo prazo, pode manter o atleta refém do local onde treina - principalmente os esportistas próximos do final de sua carreira.

Ainda, podemos considerar a vulnerabilidade do atleta através do vínculo da sua imagem na mídia. A potencialização dos meios de promoção da imagem de atletas vitoriosos (por vezes vinculada a alguma marca ou produto de consumo) por meio das mídias tradicionais e o exponencial aumento do vínculo atleta-fã pelo advento das novas mídias (representadas de modo massivo pelas redes sociais) faz com que o atleta se mantenha constantemente exposto e venha a assumir, por muitas vezes, o papel social de herói, de salvador, o símbolo de luta e orgulho do país. Do mesmo modo (e com a mesma

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rapidez), maus resultados ou problemas pessoais expostos por uma mídia (sempre) carente de novas histórias podem denegrir a imagem do atleta e acabar com sua carreira.

Dentro dos nossos achados, as situações diárias que levariam os atletas a serem/se sentirem vulneráveis nos levam a crer que este estado possa se relacionar com a magnitude da variável ansiedade físico social. Ao especularmos que os valores maiores desse constructo encontram-se ao final de PPE (período próximo da competição alvo em que os atletas vivenciam crescente expectativa tanto em relação a seu desempenho como em relação aos olhares avaliativos de técnico, companheiros e clube) especulamos que este seja também um dos momentos de maior vulnerabilidade dentro do Macrociclo de treinamento, devido às características do acometimento deste sentimento - sendo possivelmente ultrapassado somente pelo momento após a competição alvo, quando sua identidade de “atleta” é exposta e confrontada com seu resultado. Ainda, (e já frisado neste trabalho), vale salientar que atletas com identidade calcada apenas em “ser um atleta” (majoritariamente influenciado pela obtenção de sucesso e desempenho) são mais sensíveis às falhas e críticas em relação ao seu corpo, levando-os a um estado de maior ansiedade, sofrimento e angústia (JONES, GLINTMEYER, MCKENZIE, 2005; PAPATHOMAS, LAVALLEE, 2006).

Tal raciocínio mostra-se plausível, porém, como já explanado, nossas análises de significância estatística não puderam comprovar exatamente em qual momento da temporada houve a comprovada alteração dos scores da variável ansiedade física social, e, por isso, tampouco podemos afirmar com exatidão se esse comportamento vale para a o estado de vulnerabilidade. Talvez se tenha adotado uma postura muito conservadora ao utilizar a correção de Bonferroni (que estabeleceu nível e significância em 98,3% ou p = 0,017), mas o mais provável é que para evidenciar a variação desta variável uma amostra maior fosse necessária.

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