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A variação e a mudança linguística

3.1 SOCIOLINGUÍSTICA E SEU OBJETO DE ESTUDO

3.1.1 A variação e a mudança linguística

De acordo com Bortoni-Ricardo (2014), os estudos sociolinguísticos adotam duas premissas: o relativismo cultural, que é uma perspectiva da Antropologia, segundo a qual não existem culturas superiores nem inferiores; e a heterogeneidade linguística, que é a evidência de que a língua varia no espaço e no tempo. A variação linguística é a regra e constitui todas as línguas naturais. Elas variam em função de diferentes aspectos, tanto estruturais, linguísticos, quanto externos ou extralinguísticos: região geográfica da comunidade, características socioeconômicas e culturais dos falantes e também o estilo/registro de fala.

A variação dá origem às mudanças na língua. Podemos observá-las quando lemos textos escritos anos atrás, como o trecho a seguir, de autoria de Carlos Drummond de Andrade:

ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé- de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água (Texto disponível em: http://intervox.nce.ufrj.br/~jobis/carlos.htm. Acesso em: 24 fev. 2018). Nesse texto, o poeta faz uma brincadeira com termos que, em sua infância, início do século XX, eram utilizados e que, com o passar dos anos, foram sendo substituídos por outros ou esquecidos e não mais utilizados.

A mudança linguística se processa de maneira lenta e gradual, abrangendo os diversos níveis da língua, como explica Labov (2008):

A explicação da mudança linguística parece envolver três problemas distintos: a origem das variações linguísticas; a difusão e propagação das mudanças linguísticas; e a regularidade da mudança linguística. O modelo que subjaz a essa tripartição requer como ponto de partida a variação em uma ou mais palavras na fala de um ou mais indivíduos. Essas variações

podem ser induzidas pelos processos de assimilação ou dissimilação, por analogia, empréstimo, fusão, contaminação, variação aleatória ou quaisquer outros processos em que o sistema linguístico interaja com as características fisiológicas ou psicológicas do indivíduo. A maioria dessas variações ocorre apenas uma vez e se extinguem [sic] tão rapidamente quanto surgem. No entanto, algumas são recorrentes e, numa segunda etapa, podem ser imitadas mais ou menos extensamente, e podem se difundir a ponto de formas novas entrarem em contraste com as formas mais antigas num amplo espectro de usos. Por fim, numa etapa posterior, uma ou outra das duas formas geralmente triunfa, e a regularidade é alcançada (LABOV, 2008, p. 19-20).

A variação linguística é alcançada por meio da contribuição de forças internas e externas à língua, já que não podemos entender uma mudança linguística sem levarmos em conta o contexto em que ela ocorre (LABOV, 2008). Segundo Bagno (2003), existem forças internas da língua que a impulsionam rumo à mudança: são as chamadas forças centrífugas, que levam os elementos da língua a se afastar de suas formas-funções atuais e a caminhar para formas-funções novas. Por outro lado, na sociedade, as forças centrípetas também agem sobre a língua, freando-a, ou seja, tentando conter seu impulso de mudança. Essas forças são exercidas pelas instituições sociais, que, de alguma maneira, tentam controlar a língua. Porém, as instituições (principalmente a escola) conseguem apenas atrasar por algum tempo a mudança linguística. Nas palavras do autor:

Essas forças centrípetas, no entanto, que partem das instituições que tentam cercear a língua [...] conseguem somente refrear ou atrasar por algum tempo a mudança linguística [...]. Elas jamais terão o poder de impedir totalmente nem (muito menos) para sempre essa mudança, porque ela é muito mais poderosa do que qualquer outra força social institucionalizada (BAGNO, 2003, p.127).

Um aspecto essencial relacionado à mudança se refere à situação social dos usuários da língua. De acordo com os estudos sociolinguísticos, ao fazermos uso da linguagem, respondemos a perguntas de nossos interlocutores sobre nós, passando-lhes informações de quem somos e as nossas origens. Segundo Labov (2008),

Essas são perguntas de status atribuído – filiação étnica e religiosa, casta, sexo, família – e de status adquirido – educação, renda, profissão e possivelmente pertencimento a grupos de pares. Mudanças na língua podem, assim, estar correlacionadas com mudanças na posição dos subgrupos com os quais o falante se identifica (LABOV, 2008, p.327)

Outro aspecto fundamental relacionado à variação e à mudança linguística é a avaliação das variantes conservadora e inovadora e da classe social que as utiliza,

por parte da comunidade de fala, aqui entendida como um grupo de falantes que compartilha o mesmo repertório verbal e as mesmas normas de comportamento linguístico (TRUDGILL, 1992). Assim, a implementação das mudanças linguísticas, de certa forma, é determinada pela maneira como os membros da comunidade reagem às variantes: a reação negativa à variante inovadora acarretará a inibição ou pelo menos um atraso no processo de mudança. Em contrapartida, a variante inovadora que passa a ser avaliada positivamente em um grupo social tende a ser implementada de forma mais acelerada.

Segundo Lucchesi (2015), a avaliação linguística está relacionada a um processo político de dominação por alguns grupos sociais, os quais adquiriram um poderoso instrumento de homogeneização linguística, tanto em relação à variação geográfica quanto à variação social. Dessa forma, a única língua aceita como boa, a língua

correta, seria aquela que obedeceria às normas impostas por esse mesmo grupo, já

que era e é a língua falada por ele.

Por fim, cumpre destacar que a avaliação das formas linguísticas pela comunidade pode originar o preconceito linguístico. Assim, quando os falantes escolarizados de uma variedade urbana culta riem ou sentem pena de quem diz pranta no lugar de

planta, deixam bem clara a diferença social existente entre eles e os falantes das

variedades não cultas, terminando por discriminar esses indivíduos. Dessa forma, subjacente a todo julgamento linguístico está um julgamento social, sendo que o que está sendo avaliado não são as formas linguísticas, mas sim os falantes que se servem delas.

Para reduzir o preconceito linguístico, precisamos contar com a escola e, especialmente, com os docentes, haja vista que, somente com professores conscientes de que todas as variedades linguísticas devem ser reconhecidas e valorizadas e com uma postura de cientista e de investigador, conseguiremos romper o círculo vicioso do preconceito contra a forma de falar de alunos, principalmente os menos favorecidos economicamente.

O que foi exposto nesta seção nos leva diretamente a uma questão crucial para a análise da relação entre língua e sociedade e suas consequências para o ensino da língua portuguesa na escola: a normatização da língua. Passemos a ela.