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4. P REVISÃO C LIMÁTICA

4.1.1 Variabilidade interanual

A maior fonte de variabilidade interanual da precipitação na bacia do Uruguai são os eventos El Niño (EN) e La Niña (LN) associados ao fenômeno conhecido como Oscilação Sul. Barros e Doyle (1997) fizeram uma análise de componentes principais da precipitação anual no sul da América do Sul (AS), para o período de 1916 a 1991, e constataram que o primeiro componente é fortemente correlacionado ao Índice da Oscilação Sul (IOS - diferença da pressão reduzida ao nível do mar entre Darwin na Austrália e Taiti). Grimm et al. (2000) fizeram uma avaliação do impacto destes eventos no Cone Sul da América do Sul. Na bacia do rio Uruguai, os impactos mais consistentes durante eventos EN ocorrem durante a primavera do ano em que o evento se inicia (ano (0)), em toda a bacia, principalmente na parte oeste (oeste de SC, RS e noroeste do Uruguai). Na primavera, as perturbações na circulação atmosférica produzidas por esses eventos incluem, nos subtrópicos da América do Sul, uma anomalia ciclônica a oeste e uma anticiclônica a leste, que produz uma intensificação do jato

subtropical e sua ondulação sobre a América do Sul. Esta configuração anômala do escoamento em altitude contribui para o aumento da precipitação sobre grande parte da bacia do Uruguai. Ao mesmo tempo, o estabelecimento de anomalia anticiclônica em baixos níveis sobre o Norte, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil desvia para o Sul o fluxo de umidade que entra na costa norte, vinda do Atlântico, contribuindo para a convergência de ar quente e úmido no NE da Argentina, Paraguai, oeste de SC, RS e noroeste do Uruguai. A intensificação do jato subtropical em altitude e o aumento de convergência de ar quente e úmido em baixos níveis favorece o já freqüente desenvolvimento de sistemas de meso-escala e ciclogênese na região (Velasco e Fritsch, 1987). No verão, o impacto se concentra mais sobre a bacia inferior. No inverno do ano seguinte (ano +), voltam as anomalias positivas de precipitação à bacia do rio Uruguai, especialmente na bacia superior, parte leste. Neste caso, anomalias de circulação parecidas às da primavera se instalam no sul da América do Sul: uma anomalia ciclônica a oeste, deslocada para leste em relação à da primavera, e uma anticiclônica a leste. Este padrão intensifica o jato subtropical e torna mais favorável a ocorrência de chuvas sobre a parte leste da Região Sul do Brasil.

Em eventos LN as anomalias durante a primavera são opostas àquelas durante eventos EN, sendo também mais fortes na parte oeste da bacia. Também no trimestre fevereiro/março/abril (+) há anomalias opostas àquelas durante eventos EN, aproximadamente na mesma região, no sul do RS e Uruguai. Contudo, no inverno do ano seguinte só há anomalias negativas, correspondentes àquelas de eventos EN, em parte do Uruguai.

Os resultados de Pisciottano et al. (1994), para o Uruguai, têm bastante concordância com os de Grimm et al. (2000). No noroeste do Uruguai há tendência à precipitação acima do normal de novembro (0) do evento EN a janeiro (+) e de março (+) a julho (+). Durante anos LN, há tendência à seca de outubro (0) a dezembro (0) e de março (+) a julho (+). A análise das séries de precipitações de nov (0) a jan (+) desde 1914 a 1977 mostra que dos 16 eventos EN, apenas em dois a precipitação não foi acima da mediana. Contudo, houve anos em que a precipitação foi muita alta sem que houvesse eventos EN. A série de precipitações de mar (+) a jul (+) no mesmo período, mostra que em 11 dos 16 eventos EN choveu acima da mediana. Também neste caso houve anos com muita chuva sem que tivesse havido um evento no ano anterior.

Durante out (0)-dez (0) a precipitação foi menor que a mediana em 11 dos 13 eventos LN e durante março (+) a julho (+) foi menor em 10 dos 13 eventos. Também neste caso, há anos de seca sem ocorrência de eventos LN.

Mechoso e Perez-Irribaren (1992) detectaram uma relação entre vazões no rio Negro e no rio Uruguai e a Oscilação Sul. Durante a fase negativa (correspondente a eventos EN) descobriram leve tendência para vazões acima do normal de novembro (0) a fevereiro (+), enquanto durante a fase positiva (LN) há clara tendência a vazões deficitárias de junho (0) a dezembro (0). As discrepâncias entre estes resultados e os de Pisciottano et al. (1994) e Grimm et al. (2000) decorrem do fato de terem usado o IOS como indicador da ocorrência do EN/LN, ao invés dos critérios baseados nos indicadores de TSM no Pacífico Equatorial. Enquanto há impacto na precipitação no ano seguinte a eventos EN (+), o impacto sobre o índice da Oscilação Sul já é baixo.

EN e LN tem influência forte e consistente, mas há também outros fatores que influenciam a variabilidade interanual da chuva na região.

A influência da TSM no Oceano Pacífico sobre a precipitação no Uruguai e Rio Grande do Sul é comprovada através dos impactos de eventos EN e LN. Contudo, a natureza da relação com a TSM no Oceano Atlântico ainda é objeto de estudo e discussão.

Diaz et al. (1998) confirmaram a conexão entre anomalias de chuva no Uruguai e RS e os eventos EN no Oceano Pacífico equatorial central e leste nos períodos de novembro a

fevereiro e outubro a dezembro. Há também associação da chuva com a TSM na zona de convergência do Pacífico Sul (ZCPS) e na zona de convergência do Atlântico Sul (ZCAS, tipicamente localizada da costa da região SE do Brasil durante o verão). Há outras evidências de que o clima da Região Sul e Sudeste do Brasil é influenciado por anomalias de TSM no Oceano Atlântico sudoeste. Em algumas situações o Uruguai e RS podem ser influenciados com uma certa defasagem temporal (Khan et al., 1998). Em OND há também conexão com a região da alta subtropical no sudeste do Pacífico. No período de abril a julho as conexões com EN são mais indiretas. No verão e primavera os modos conjuntos de variabilidade de chuva e TSM são muito similares se forem considerados os oceanos Pacífico e Atlântico separadamente ou em conjunto. O mesmo não ocorre no período de abril a julho, quando as conexões mais fortes ocorrem com o Atlântico. Nos três períodos estudados, a variabilidade da chuva no Uruguai e no RS está conectada estatisticamente às anomalias de TSM em ambos os oceanos.

A partir das correlações simples entre a TSM de ambos oceanos e a vazão do Rio Uruguai, Cardoso et al. (2001) observaram relações estatisticamente significativas em cada estação do ano, inclusive para períodos defasados. Além disso, ficaram explícitas as áreas dos oceanos onde essas relações são significativas, destacando-se diferenças entre os padrões de correlações sazonais.

Para o verão (DJF) destacou-se particularmente a região sudoeste do Oceano Atlântico, que apresentou coeficientes de correlação significativos por toda a região costeira do Sul e Sudeste do Brasil, estendendo-se à parte central do oceano. Em outros trabalhos já havia sido observada a influência dessa região do Oceano Atlântico sobre temperatura e precipitação na Região Sudeste do Brasil (Veiga et al., 2000; Cardoso e Silva Dias, 2000).

Um padrão diferenciado foi verificado para o outono (MAM) com significativas correlações sobre o Oceano Pacífico sudeste, caracterizada por um padrão de dipolo. No geral, verificam-se oscilações nos sinais dos coeficientes de correlação por toda a região subtropical de ambos oceanos. Isto sugere uma possível associação com sistemas transientes que atuam nesta região.

No caso do inverno (JJA) os resultados mostraram duas áreas significativas, uma sobre o Oceano Pacífico equatorial leste e outra sobre a faixa tropical do Oceano Atlântico oeste, numa banda orientada para sudeste deste oceano. As maiores correlações são verificadas sobre o Oceano Atlântico ao redor de 30ºW.

A primavera (SON) destacou-se devido à abrangência das áreas com coeficientes de correlação significativos. Sobre o Oceano Pacífico verificou-se um dipolo de correlações bem definido. Este padrão de dipolo é similar ao obtido por Grimm (1996) , que examinou a relação entre anomalias de chuva no leste de Santa Catarina (SC) e anomalias de TSM no Oceano Pacífico. Com relação ao Oceano Atlântico, os coeficientes de correlação são positivos e significativos ao sul de 20ºS, destacando-se dois núcleos. O primeiro núcleo está a oeste do oceano em parte da região costeira do Sul e Sudeste do Brasil e o outro núcleo localiza-se mais próximo do continente Africano, por volta de 5ºE.

Há várias conjecturas a respeito das possibilidades envolvidas em tais conexões. Primeiro, as anomalias de chuva na região e as anomalias de TSM no Atlântico Sudoeste podem ser perturbações de alguma forma associadas com EN/LN, mas elas são relativamente independentes umas das outras. Este poderia ser o caso na primavera-verão.

Segundo, os eventos no Pacífico poderiam produzir uma resposta defasada no Atlântico, que poderia tornar-se um contribuinte dominante para as anomalias de precipitação no Uruguai e RS no outono. Isto depende da intensidade das teleconexões entre a circulação sobre o sudeste da América do Sul e o Oceano Pacífico e o Oceano Atlântico. Neste cenário, o impacto do Oceano Atlântico pode ser mais forte, embora a existência das suas anomalias de TSM dependa, em última análise, do Pacífico.

Terceiro, pode haver anomalias de TSM no Oceano Atlântico que são independentes de EN/LN e que contribuem por si mesmo às anomalias de precipitação no Uruguai e RS. Um destes dois últimos cenários parece ser aplicável ao período de abril a julho, quando o sinal do Atlântico é mais forte.

Na realidade, estudos mais recentes parecem indicar a primeira hipótese como a mais provável para a primavera. Enfield e Mayer (1997) já mostraram que existem anomalias de TSM no Oceano Atlântico associadas a eventos EN no Oceano Pacífico, provavelmente produzidas pelas anomalias de circulação atmosférica decorrentes desses eventos. Grimm et al. (2001a) mostraram que as anomalias de precipitação no sudeste da América do Sul durante a primavera de eventos EN/LN são forçados pelas anomalias de TSM no Pacífico e que a utilização das anomalias do Atlântico Sul como forçantes não melhora a sua reprodução. Quanto ao verão, estudos preliminares indicam que, enquanto as anomalias de TSM no Pacífico tropical evoluem lentamente, pode haver variações de TSM mais rápidas no Atlântico Sudoeste, que interagem com variações relativamente abruptas nas anomalias de circulação atmosférica e de precipitação. Estes processos são especialmente significativos no Sudeste do Brasil, mas seus efeitos também são sentidos no litoral da Região Sul do Brasil e, por via mais indireta, na bacia do rio Uruguai. Neste caso, as anomalias de TSM no Atlântico Sudoeste parecem ser primordialmente efeito das anomalias de circulação e precipitação. Tais processos não são visíveis no estudo de Diaz et al., porque este utiliza resolução sazonal, incapaz de revelá-los.

Quanto ao outono-inverno, os resultados de Diaz et al. (1998) indicam uma conexão mais forte com o Atlântico, com mais chuva no Sul do Brasil quando há anomalias positivas de TSM na região da ZCAS (Zona de Convergência do Atlântico Sul). Quando se consideram conjuntamente os Oceanos Atlântico e Pacífico, é o Caribe a região mais importante no Atlântico em termos de TSM associada à chuva na Bacia do Uruguai. Enquanto há certa relação dinâmica de causa-efeito entre anomalias de TSM no Caribe e anomalias de circulação atmosférica no Sul da América do Sul que possam levar a excesso de chuva na bacia do rio Uruguai no inverno (Grimm e Silva Dias, 1995), não parece haver tal relação com as anomalias de TSM na região da ZCAS.